Outubro, 2023 - Edição 296
Entrevista com Roberta Barreto de Oliveira
A missão dos professores
Arnaldo Niskier: Hoje,
temos a honra
muito especial de
entrevistar a professora Roberta Barreto de Oliveira, que é secretária de
Estado de Educação do Rio de Janeiro. A senhora enfrentou uma greve até há pouco. Como é que foi vencer isso?
Roberta Barreto de Oliveira: Acho que alguma
coisa temos em comum. O colega ex-secretário, quando entrou na rede, enfrentou uma greve como essa e
não é fácil, porque são colegas professores que estão
conosco na luta diária por uma educação pública de
qualidade. Acho que o que mais precisamos ter é diálogo com essa rede, precisamos exaltar o grande valor
da profissão, que é a humanização do ensino, a humanização da escola. A escola é uma extensão da casa dos
nossos estudantes e os professores, com certeza, têm
um papel fundamental na construção da educação
desses estudantes.
Arnaldo Niskier: A senhora é também professora, há muitos anos, inclusive da rede pública. A
senhora se formou em História.
Roberta Barreto de Oliveira: Tenho muito
orgulho de poder ser professora de História e poder
conciliar os fatos da realidade com tudo aquilo que já
passamos, seja no Brasil, seja mundialmente. O que
penso exatamente em ser professora da rede pública,
primeiro você tem que ter aptidão, tem que gostar, tem
que valorizar essa sua posição. Essa valorização tem
que vir de dentro, você tem que amar ser professor.
Professor não é bico. Ser professor é interferir, é afetar
a vida de centenas e centenas de crianças. Então, gosto
muito de ser professora, gosto muito de ser gestora da
educação, acho que isso é fundamental. O princípio é
gostar, o restante você atrai, conquista, somos eternos
aprendentes, eu, você. Acho que ser professor é isso:
ser eterno aprendente.
Arnaldo Niskier: O governador Cláudio Castro
apoiou a Secretaria de Estado de Educação? Eu tive
muito apoio do governador do meu tempo, Chagas
Freitas, ele me deu mais recursos e pude dar aumentos
de até 1.000% aos nossos professores.
Roberta Barreto de Oliveira: O governador
Cláudio Castro tem um coração muito afetuoso com
a educação. Primeiro, ele é aluno da escola pública, é
oriundo dessa classe mais popular. O que fez? Lutou
junto aos órgãos públicos para que o Rio de Janeiro saia
desse regime de recuperação fiscal. O grande desafio
do nosso governo, e principalmente do governador
Cláudio Castro, é conseguir retirar a educação do pacote do regime de recuperação fiscal. Com este regime,
não é possível investir em aumentos, em vantagens e
até mesmo alguns direitos já são cerceados em função
do regime de recuperação fiscal, que é uma administração conjunta com a União. Então, aquele Rio de Janeiro
do Chagas Freitas, hoje, sofre com toda essa adequação
da política de investimento e de custeio em função do
regime, mas acho que o governador foi brilhante, levou
nossa demanda para o governo federal, está lutando
com isso, fica notório nas redes sociais. Não conseguimos dar o aumento específico para o professor no
plano de carreiras, mas ele garantiu o piso nacional do
magistério, no Rio de Janeiro, e, no início do ano, também deu aquele aumento de 6, 5, que é uma diferença
de todos os índices para atualização salarial. Acredito
que, com essa força de vontade, essa popularidade que
o governador tem e, principalmente, essa tranquilidade
de conversar com os demais órgãos, em breve vamos
poder fazer os novos aportes da educação.
Arnaldo Niskier: Como são suas conversas
com o Ministério da Educação? Ele colabora?
Roberta Barreto de Oliveira: Acho que hoje o
Ministério da Educação tem uma pessoa à frente que
participou muito de gestão pública, que é o ministro
Camilo Santana. A educação do Ceará é uma educação
de referência nacional, sou muito amiga da Eliana,
que é a secretária de Estado de Educação do Ceará,
e o ministro Camilo abriu as portas do Ministério da
Educação, colocando secretários que têm fácil acesso
também às políticas públicas e aos gestores tanto da
rede estadual quanto da rede municipal. E nós, do
Conselho de Secretários de Estado de Educação, também temos um trânsito, um diálogo permanente com
o Ministério de Educação. Agora, de fato, são muitas
atribuições, muitas correções. O Brasil está sofrendo uma análise constante, uma análise do mercado
externo, tem aí o Pisa, entre outros mecanismos de
avaliação. Estive recentemente na OCDE para entender melhor como está esse plano de desenvolvimento
internacional, o Brasil precisa mostrar...
Arnaldo Niskier: Tem que melhorar de posição
em português, em matemática, ainda está ruim.
Roberta Barreto de Oliveira: Principalmente.
Uma dica. Se nossos alunos lessem mais, se a leitura
fosse mais evidente na vida dos nossos alunos, tenho
certeza que conseguiríamos ter alunos melhores em
português, em matemática, redação.
Arnaldo Niskier: A senhora foi vista na Bienal
do Livro percorrendo vários estandes. Tem muitos
ou foi só o da Secretaria de Estado de Educação que
merece essa visita?
Roberta Barreto de Oliveira: Ah, o da ABL, por
exemplo, estava a coisa mais linda com o Machado de
Assis projetado, falando com o público presente. Acho
que a Bienal é uma identidade do Brasil. Já é a 21ª, esse
ano foram 40 anos de Bienal e ela continua uma garota
linda, jovem, nova, promovendo muitas inovações e o
mais bonito foi ver o quanto os estudantes apreciam a
literatura. Pela Secretaria de Estado de Educação, por
exemplo, possibilitamos que 20 mil alunos estivessem presentes, ganharam um cartão para consumir
literariamente no valor de 100 reais e os professores
também ganharam um vale de 200 reais. Levamos 5
mil professores...
Arnaldo Niskier: 200 reais, já dá para comprar
alguns livros, pelo menos 4 livros.
Roberta Barreto de Oliveira: Além de várias
promoções, porque o mais interessante da Bienal é isto:
a concorrência muito grande, várias livrarias. Então,
as promoções acontecem e você consegue desfrutar
melhor. Tivemos uma programação muito intensa no
estande da Secretaria de Estado da Educação, inclusive
com sua presença, além de outros autores, alunos que
já são autores, que já têm obras, nossos professores
da rede. É um evento brilhante que acontece aqui no
Estado do Rio de Janeiro, que nós, educadores, professores, não podemos perder.
Arnaldo Niskier: Isso só reafirma a condição
do Rio de Janeiro de capital cultural do país. Não
perdeu e não perderá jamais. Uma preocupação que,
como educador, tenho e certamente a senhora tem
também é o número de adultos analfabetos que tem
no nosso país, de modo geral. Queria ouvir sua opinião a respeito.
Roberta Barreto de Oliveira: Com certeza. O
que mais nos preocupa é a possibilidade do mundo
digital, de alguma forma, substituir os bancos escolares
com esses adultos. Por quê? A promoção do mundo
digital é tão intensa que esses adultos que até hoje
não possuem a alfabetização podem até buscar esses
mecanismos para se entender com esse mundo digital
e não tenham ainda a compreensão do adulto alfabetizado, que é aquele que contextualiza, que opina, que é
capaz de compreender situações-problemas. Então o
processo de alfabetização é muito mais que o mecânico
silábico, é esse processo de contextualização de protagonismo diante dos problemas que existem no dia a dia.
Arnaldo Niskier: O Brasil, segundo a última
estatística do IBGE, tem 1,8 milhão de indígenas (nãosão índios, são indígenas). Na Academia Brasileira
de Letras, há dois candidatos à próxima vaga da
Academia: o Munduruku e o Krenak. É bem um
exemplo da diversidade da cultura brasileira.
Roberta Barreto de Oliveira: Precisamos respeitar. Acho que o Rio de Janeiro foi uma das portas
da colonização, logo após a Bahia, Rio de Janeiro
passou a ser a capital do Império e aqui, infelizmente,
percebemos que a cultura indígena foi massacrada.
Hoje temos, no Rio de Janeiro, acho que duas ou três
aldeias apenas, naquela região de Parati já divisa com
São Paulo. Ali criamos a segunda escola indígena do
Estado do Rio de Janeiro, já respeitando a legislação
específica para isso, e tentamos mostrar também para
a sociedade que é necessário respeitar essa cultura
que é do verdadeiro habitante do Brasil. Você vai para
outros países, vai para a Espanha e percebe que ela é
dividida em dois blocos culturais. Por quê? Houve o
respeito ao nativo daquela terra. Precisamos respeitar
essa cultura nativa do Brasil.
Arnaldo Niskier: Que ideia é essa das escolas
interculturais?
Roberta Barreto de Oliveira: É a identidade
do Brasil. O povo brasileiro ganhou, ao longo do
tempo, várias identidades do povo que veio habitar
nossa terra e aqui temos, no Estado do Rio de Janeiro,
por exemplo, as escolas Brasil/China, Brasil/Uruguai,
Brasil/França. O que é isso? Trabalhamos em conjunto com os Consulados que estão estabelecidos no
Estado do Rio de Janeiro, promovemos nessas escolas,
além da base curricular comum, o estudo do idioma
que é falado naquele país, assim como todas as suas
ações culturais, algumas modalidades específicas de
aprendizagem que usam, como técnicas, mecanismos
de apoio do conhecimento. Acho que o Rio de Janeiro
já vem praticando essa questão do vocacional do
novo ensino médio das habilidades, das competências, desde a implantação das escolas interculturais,
porque temos uma extensão, muitas delas trabalhando
em tempo integral, então você consegue unir cultura,
conhecimento e diversidade no mesmo local, que
é uma grande proposta do Novo Ensino Médio. É
possível que esses professores e alunos até façam um
intercâmbio ao longo da sua estadia, da sua passagem
por essa escola. Temos alunos e professores, agora, na
China fazendo esse intercâmbio.
Arnaldo Niskier: Há pouco tempo, a senhora recebeu um dos maiores prêmios da Academia
Brasileira de Letras, que é o Prêmio Francisco Alves,
destinado a monografias de ensino elementar. Como
a senhora sentiu essa homenagem da maior instituição cultural do país?
Roberta Barreto de Oliveira: Eu me senti tão
honrada, revisitei minhas melhores memórias de gestora do ensino fundamental, desses desafios de fazer
o menino e a menina entrarem e permanecerem na
escola, quais são as técnicas, as atitudes, o acolhimento,
a afetividade que o ensino precisa promover, para que
esse aluno goste de ser estudante. Falo que aluno e
estudante tem uma diferença muito grande. O aluno
é aquele que está sem luz, precisa ser iluminado, o
estudante não. O estudante é aquele que estuda e quer
aprender todos os dias. Fiquei muito, muito feliz, foi
uma cerimônia lindíssima.
Arnaldo Niskier: Quantos alunos tem hoje o
sistema de ensino do Rio de Janeiro?
Roberta Barreto de Oliveira: Há 628 mil alunos, 59 mil profissionais de educação, professores e
servidores. O Rio de Janeiro possui uma rede muito
maior do que Estados que são territorialmente maiores que o nosso. Por exemplo, o Rio de Janeiro é maior
que o Mato Grosso do Sul, que territorialmente é maior
que o nosso. Vivemos, sim, uma grande densidade
demográfica e estamos retribuindo isso para a população com atendimento em todas as cidades do Estado
e ainda com muita parceria, para acomodar o ensino
fundamental. Desejamos a educação de elos, a educação de redes, a educação que tece essa possibilidade
do menino, do adolescente, do jovem e até mesmo do
adulto se sentir educado, preparado para ser alguém
no cenário, no mundo, fazer suas escolhas, ter suas
opções, saber decidir, ser cidadão. Esse é o papel da
escola.
Arnaldo Niskier: A senhora tem planos e projetos muito bonitos. Ficamos contentes em poder
divulgá-los e torcermos para que tudo dê certo e que
haja recurso suficiente para que a senhora realize
todos esses projetos em favor da educação do Rio de
Janeiro e, certamente, do país também.