Julho, 2023 - Edição 293
O adjetivo [-zinho] e a flexão interna
Alguns autores consideram que o [-z] de [-zinho] é uma consoante
de ligação, e que, portanto, [-zinho] seria apenas um alomorfe, isto é, uma
forma diferente do sufixo [-inho], esquecidos de que os nomes em [-inho] só
flexionam o sufixo, como em papelinhos, pastorinhos, florinhas, anelinhos, ao
contrário dos nomes em [-zinho], em que a base também é flexionada: papeizinhos, pastorezinhos, florezinhas, aneizinhos. Assim, o plural de barzinho,
mulherzinha e pastorzinho é barezinhos, mulherezinhas e pastorezinhos, por
exemplo, únicas formas aceitáveis pela norma, ainda que, na fala popular, se
empregue o plural sem flexão da palavra base.
Se considerarmos [-zinho] um sufixo ou um sufixoide, e não um adjetivo preso, teremos de considerar a existência de flexão interna, o que constituiria uma exceção na morfologia do português. No caso de “quaisquer”, plural de
“qualquer“, o que existe é a junção gráfica de um pronome (qual) a um verbo
(quer), dando a impressão de que se trata de uma palavra só com flexão interna. Assim, o “preso” que caracteriza o adjetivo [-zinho] tampouco constituiria
uma exceção, mas também a junção gráfica de duas palavras, um substantivo
(morfema base) e um adjetivo (o morfema [-zinho]. Quando o morfema base
é pluralizado, o [-s], marca de plural, em posição de neutralização, se fundiria
com o “z” de [-zinho]: botões + zinhos = botõe( s )zinhos; anões + zinhos =
anõe(s)zinhos.
Neutralização é a eliminação da oposição distintiva de dois ou mais
fonemas, numa determinada posição. Sabemos que /s/ e /z/ são fonemas distintos, mas antes de consoante surda, o “s” soa como alofone do fonema /s/,
como em “deste”, ou antes de silêncio, como em “aves”; mas soa como alofone
do fonema /z/ antes de consoante sonora, como em “desde”, ou antes de vogal,
como em “aves amigas”. Houve aí uma neutralização. No caso de “anões +
zinhos”, o “s” de anões soaria [z], se fosse pronunciado, porque está em posição
de neutralização.
Pode-se pensar em flexão interna no caso dos vocábulos com vogal
tônica fechada na penúltima sílaba, como ovo, sogro, tijolo (vocábulos properispômenos), que apresentam alternância vocálica, como tijolo (ô) – tijolos
(ó), ou sogro (ô) – sogra (ó) – o que constitui uma forma de redundância: na
flexão de “sogro”, além do [-a], marca de feminino, ainda há a metafonia: no
caso de ”tijolo/tijolos”, além da marca de plural, ainda há a mudança de timbre
da vogal que reforça o plural. No caso de “avô/avós”, há apenas a alternância
vocálica para indicar mudança de gênero. Metafonia é a mudança de timbre
de uma vogal tônica por influência da vogal átona final. No caso de “botões” +
[-zinhos], o “s” soa [z], porque vem antes de consoante sonora, que é o “z” de
[-zinho], os dois sons [z] se fundem num só.
Para comprovar que o “z” de [-zinho] é um adjetivo preso, há exemplos
em escritores antigos em que o “s” é grafado na palavra base junto à terminação [-zinho], como em “ladrõeszinhos” e “murmuraçõeszinhas”, exemplos de
Manuel Bernardes, coligidos por Castilho e apresentados por Mário Barreto no
livro Através do Dicionário e da Gramática (Rio de Janeiro: Livraria Quaresma,
1927, p. 225-6), que acrescenta exemplo de Garcia de Resende: “gibõeszinhos.”
Cometem, portanto, erro de concordância nominal os que dizem
mulherzinhas ou barzinhos, ou, pior ainda, anãzinhas e botãozinhos, sem
flexão do morfema base.
NOTA: Os colchetes indicam alofone (uma das formas com que se
pronuncia um fonema) como em [s], ou morfema, como em [-inho]; as barras
oblíquas indicam fonema, como em /z/, símbolo que representa multiplicidade de sons chamados alofones. As aspas indicam palavras ou vocábulos,
que, embora termos metalinguísticos diferentes, se apresentam aqui como
sinônimos.