Julho, 2023 - Edição 293
Gabriel Chalita toma posse no Pen Clube do Brasil
Gabriel Chalita, da Academia Paulista de Letras, foi empossado como
membro efetivo do Pen Clube Do Brasil. Na cerimônia de posse, Chalita foi
recepcionado pela escritora e historiadora Mary Del Priore, também membro
da instituição.
Entre os presentes no evento, o presidente do Pen Clube Brasil, Ricardo
Cravo Albin, o acadêmico Arnaldo Niskier e a esposa, Ruth, e o secretário municipal de cultura do Rio, o ex-ministro Marcelo Calero.
Em seu apreciado discurso, Chalita expressou sua gratidão e o valor
das palavras: “Agradeço aos membros do PEN clube do Brasil pela acolhida. É
honroso fazer parte de um grupo que cultiva as pausas e o que vem depois dela.
Somos também sol. Antes do que escrevemos, só há a possibilidade. Rasgamos
o desconhecido e apresentamos o novo, no professar de crenças que não ditas
ficariam adormecidas dentro de nós. Imaginem o sol que não vem?! Imaginem
os dias sem os escritores...
Antes da procissão de palavras, há o nada. Então, elas vão saindo, uma a
uma, ganhando as ruas dos passantes, parando os agitos para celebrar as atenções.
Pasmem! Vivemos tempos desatentos. Os humanos, os que manejam a
palavra, têm se perdido em intermináveis barulhos que bagunçam o pensar. Sem
o pensar, a palavra dita não é palavra. É dizer sem dizer. É som sem os afinos. É
certo que desafinamos. É certo que, se nos ouvirmos, perceberemos. Mas como
nos ouvirmos no meio do barulhar de tantas vozes sem voz? Não. Não podemos
entregar o leme quando vemos os desgovernos. Somos escritores. Escrevemos
como necessidade. Escrevemos como cultores dos melhores sentimentos para os
melhores movimentos dos mares e dos povos de todo o mundo.
Escrevemos para despertar os sonhos ou para apresentar o sonho aos
sonhadores. Bernard Shaw, que foi membro do PEN clube, inspirou, com seu
Pigmaleão, a obra My Fair Lady que, no cinema, teve Audrey Hepburn no papel
de Eliza Doolittle, uma mulher que vendia flores nas ruas escuras de Londres e
que sonhava ter uma iluminada floricultura. No Brasil, a primeira montagem
desse musical teve Bibi Ferreira fazendo Eliza, contracenando com Paulo Autran
e com uma atriz muito jovem chamada Marília Pêra.
A palavra é a linha condutora de My Fair Lady. Como ensinar a essa jovem
os sons, as pronúncias corretas, o dizer nascido de uma intenção? O professor
foi percebendo que não bastava a técnica para forçar a tão desassistida jovem a
dizer o que sentia. Era preciso mais. E o amor vai explicando a vida que se explica
com a palavra.
A palavra, sua excelência, a palavra.
A palavra é também silêncio. A palavra é a solidão preparadora do que virá depois. É como a pausa entre as notas musicais para que a linguagem de Deus se faça música. Que palavras acompanharam Mozart ao compor A Flauta Mágica ou Beethoven, a Nona Sinfonia ou Villa Lobos, O Trenzinho do Caipira? (...) Mais um dia se despede. A luminosidade da natureza já adormeceu. Mas vai amanhecer. Um livro é um dia amanhecendo. Nas suas primeiras páginas, o abrir das janelas. A luz tímida. Nas páginas que vão se sucedendo, o dia vai entrando com suas imprevisibilidades na vida do leitor. Espaços são apresentados nos tempos do ler. E o ler vai trazendo imagens que acumulam conceitos e que decidem vidas depois.
Um dia é um tribunal incansável de decisões. A liberdade é uma condição dos humanos. Escolhemos sempre. Das questões mais distraídas aos assuntos que decidem vidas. Escolhemos. Um médico escolhe o melhor tratamento. Um juiz escolhe os argumentos que fundamentarão sua decisão. Um motorista escolhe o caminho, e um padeiro o jeito de fazer o pão e alimentar. Um político escolhe entrar ou não em guerra. Mandela escolheu não revidar. Escolheu dizer ‘não’ à vingança. Escolheu pacificar. Escolheu gastar os dias que restavam para desgastar o horrendo preconceito. Churchill escolheu não sucumbir diante do destruidor de vidas. Madame Curie escolheu a ciência, e Isadora Duncan, a dança. Quantas palavras no seu dançar...
O que leram essas mulheres e homens nas pessoas e nos livros? O que leram neles mesmos para fazerem suas escolhas? Mandela, por exemplo, leu Shakespeare. E grifou, no exemplar de Júlio Cesar: ‘Os covardes morrem muitas vezes antes de sua morte; os valentes morrem uma única vez.’ Nas relações entre as nações do mundo ou nos mundos que moram dentro da gente, os valentes dizem sim à humana necessidade de escolher. Escolher, com amor, então, faz toda a diferença. (...)
Escritoras e escritores membros do Pen club, amigas e amigos desse dia e dos dias tantos que escrevemos juntos nas páginas dos afetos, agradeço a presença e o presente. É um presente cultuar os afetos. É um presente dizer ditos de amor. É um presente viver.
Mais um dia se despede. Um dia único. Singular. Irrepetível. Em mim, o menino que se fez escritor aos 12 anos, um dia que ficará em destaque na prateleira sagrada da memória. Aqui, confesso, mais uma vez, minha fidelidade à literatura. Ser escritor é o que sou. Não me reconheço sem o texto. O pensado e o nascido. Sou fruto das vidas que observo. Das tantas que desfilam nos dias que nascem depois das noites.
Sou fruto também das noites, da saudade. Como gostaria que meu pai, meu bom José, e minha mãe, a mulher que não economizava no amar, estivessem aqui. Estão. Sou fruto de professoras e professores, de professadores da crença de que viver não é um acaso. Somos um em bilhões. Somos um. Somos únicos. Sou fruto de um amadurecer constante no tempo do viver. Se não escolho o tempo que fico, escolho as palavras que dão a esse tempo a dignidade que aprendi e que ouso ensinar.
Prossigamos, irmãos de ofício, escrevendo a vida e com a nossa escrita acrescentando vida aos irmãos nossos, frutos do mesmo barro do existir humano. Pode se despedir em paz, 22 de maio de 2023. Amanhã, você já será memória.”
Trajetória
Professor e escritor, a trajetória de Chalita é exemplar. Fez dois doutorados – em Comunicação e Semiótica e em Direito; e dois mestrados – em Sociologia Política e em Filosofia do Direito. Dirigiu várias instituições educacionais e ocupou importantes cargos públicos. Foi secretário da Educação do Estado de São Paulo e secretário da Educação do Município de São Paulo. Foi, também, vereador de São Paulo e deputado federal. É professor dos cursos de graduação e pós-graduação nas universidades PUC -SP, Mackenzie e IBMEC. É membro da Academia Brasileira de Educação, da Academia Brasileira de Cultura, além da Academia Paulista de Letras.Ao longo de sua carreira, publicou cerca de 90 livros, entre eles A ética do Rei Menino, O Pequeno Filósofo, Pedagogia do Amor, Sócrates e Thomas More – correspondências imaginárias e Os 10 Mandamentos da Ética. No Brasil, na América Latina, Europa e Orienta médio, vendeu mais de 10 milhões de cópias.
É também autor de diversas peças de teatro, dentre elas: O Semeador; Hortance, a Velha; Muito Louca e Nelson Gonçalves, o Amor e o Tempo. Aos doze anos de idade, publicou seu primeiro livro. Iniciou sua carreira docente aos quinze anos e nunca deixou a sala de aula.