Abril, 2023 - Edição 290
O acadêmico Guimarães Passos
A Academia Brasileira de Letras já serviu de tema
a obras literárias – inclusive de ficção, enfocando fatos
ou personagens que têm a ver com a Casa. É o caso, sem
maiores esforços de memória, de Farda, fardão, camisola de dormir, de Jorge Amado, ele mesmo acadêmico.
Fábula, aliás, a chamou o autor baiano.
Parece ter inspirado Jorge Amado na caracterização da personagem Antônio Bruno, o poeta enamorado,
que, doente, acaba morrendo em Paris, a figura hoje
esquecida do acadêmico Guimarães Passos, fundador
da cadeira 26 da ABL.
Sebastião Cícero Guimarães Passos, alagoano, jornalista e poeta, é exemplo representativo da ala boêmia
dos integrantes originais da Casa, irmanados no interesse comum
pelas letras. Deixou impressos versos pungentes, de um lirismo
aparentemente pouco ambicioso, como expressa o título do seu
primeiro livro: Versos de um Simples (1891). A este seguiram-se
Hipnotismo (1900) e Horas Mortas (1901). Na sua produção, a
aparente simplicidade de expressão disfarça o artífice preocupado
com o lavor do verso, num tempo em que se versejava de outra
maneira: “Todas as palavras cabem no verso sem mutilação. Tenha
o poeta cuidado, perícia e paciência. As más rimas são imperdoáveis”, colhe-se do Dicionário de Rimas, que, em 1913, saiu a público
em edição aumentada por Olavo Bilac.
Guimarães Passos foi um lírico, um boêmio, de quem Josué
Montello recolheu no seu Anedotário Geral da Academia várias
histórias, inclusive a que se contava da sua chegada ao Rio de
Janeiro: indo a bordo de um navio despedir-se de três amigos que
partiam, demorou-se, distraindo-se a tal ponto que a embarcação
zarpou sem que se desse conta. Só em Salvador tomou a resolução
de prosseguir até a capital,
onde, em meio a amigos,
boêmia e textos nos jornais,
sua vida mudaria. Entre
umas e outras, inclusive um
cargo de arquivista da biblioteca do Palácio da Quinta da
Boa Vista, casou-se, enviuvou e acabou-se envolvendo na Revolução Federalista,
chegando a chefe de polícia no Paraná. Dominado
o movimento, exilou-se em
Buenos Aires, de onde voltaria para o Rio de Janeiro
algum tempo depois.
Tendo estado ausente da capital, deixou de
acompanhar as vertiginosas
mudanças daqueles anos de
troca de regime. Sua biógrafa, Laudímia Trotta, registrou
o sentimento de desencanto
que o assaltou então, identificando nele “o triste horror do homem
que sobreviveu à época” e chamando-o “o derradeiro vulto boêmio
de um país que se transformava”. Mas sendo o poeta também um
verdadeiro satirista, redigiu assim o epitáfio do século que se findava: “O século que aqui dorme/ Não achará quem o pinte:/ Foi
em torpezas enorme/ E viveu tão desconforme/ Que, morrendo,
deu no... XX”.
Guimarães Passos faleceu em 1909 em Paris, aonde chegou
tuberculoso. O Antônio Bruno de Jorge Amado também lá faleceu,
de infarto, numa vã tentativa de esboçar um soneto – forma em que
o Guima fora exímio. Definiu-se o poeta com maestria nos versos
finais de Nihil, soneto dedicado a Pardal Mallet: “sem ser amado,
fui feliz amante;/ Imaginei bom, culpado sendo;/ E se chorava, ria
ao mesmo instante./ E tanto tempo fui assim vivendo/ De enganar-me tornei-me tão contente/ que hoje nem creio no que estou
vivendo”. Em 1921, a ABL fez trasladar para o Brasil os seus restos
mortais.