Abril, 2023 - Edição 290
A intervenção de Niskier para a transformação do Brasil
A crise que se manifesta, no Brasil, nos mais diversos setores
da Educação e do Ensino constitui o tema de comunicação e debate
hoje na Academia das Ciências
Arnaldo Niskier, que é – e há muito, no Brasil, – uma das maiores autoridades em matéria de Educação e de Ensino, encontra-se
em Portugal para estabelecer contatos institucionais e uma comunicação na Academia das Ciências, de cuja Classe de Letras é sócio
correspondente brasileiro. O tema abrange a história do passado
e a problemática do presente. Subordinada ao tema genérico Da
Companhia de Jesus à Educação no Brasil nos Dias de Hoje, Arnaldo
Niskier, como, aliás, se verifica em numerosos ensaios críticos que
tem publicado, não se escusará de abordar a “conjuntura atual que
permanece” – e conforme tem repetidamente acentuado “repleta
de condicionalismos. Muitas das soluções apresentadas têm sido precárias e
acentuam, cada vez mais, a profunda
crise que se manifesta, no Brasil, nos
mais diversos setores da Educação e do
Ensino”.
A Academia das Ciências de
Lisboa, na sua trajetória bicentenária,
inscreveu o Brasil, logo de início, nos
seus grandes objetivos literários, científicos, políticos e diplomáticos. A presença de José Bonifácio, como secretário geral, constitui um dos exemplos
mais emblemáticos. Este objetivo voltou a ser relançado e inserido numa
hierarquia de prioridades pelo Prof
Dr. José Luís Cardoso, atual presidente da Academia das Ciências e pelos
seus diretos colaboradores. Mas é com
a maior satisfação que reconheço, também, faz parte da programação que
está a ser realizada, pelo meu colega e
confrade Merval Pereira, presidente da
Academia Brasileira de Letras, mestre
de Jornalismo e de Jornalistas, grande
repórter e grande protagonista nas tribunas de opinião, do jornal O Globo e membro do conselho editorial
do Grupo Globo, o maior universo da comunicação social não apenas do Brasil, mas, também, da América Latina.
Eleito, em 2 de Dezembro de 1999, sócio correspondente
brasileiro da Academia das Ciências, Arnaldo Niskier tem uma forte
e extensa relação com Portugal. Somos amigos desde 1963 – há,
portanto, 60 anos – e ambos nos conhecemos como jornalistas a
realizar um trabalho profissional – Arnaldo Niskier para a Manchete
e eu para o Diário de Notícias.
Além da comunicação que vai proferir e que já mencionamos,
a Academia das Ciências presta-lhe homenagem, em cerimônia presidida pela vice-presidente da Classe de Letras, Profa. Dra. Maria da
Gloria Garcia, para evidenciar os aspectos mais relevantes da obra e
da personalidade de Arnaldo Niskier. É uma intervenção em torno
dos múltiplos aspectos do magistério, mas também abrange uma
expressiva atividade pública, no exercício de funções governamentais. Em largas dezenas de livros ocupou-se do estudo e refexão da
investigação histórica e literária e do jornalismo profissional, adquirindo, nas últimas décadas, uma dimensão nacional e um estatuto
internacional.
Com efeito, os últimos 50 anos do Brasil, há a inapagável
marca da intervenção cultural, social e política de Arnaldo Niskier.
O Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro – referência obrigatória da cidade e invadido, diariamente, por sucessivos grupos de
jovens estudantes e turistas – constitui uma das suas notáveis
realizações, resultantes das quatro vezes que desempenhou cargos governamentais nas áreas da Cultura e Educação, da Ciência
e da Tecnologia. Ao proceder à requalificação da cultura do Brasil,
também projetou um Museu da Ciência, na cidade de Campos,
no espaço emblemático da Quinta da Baronesa; e, ainda, no Rio
de Janeiro, organizou e pôs em funcionamento um Museu do
Automóvel, ao lado do Planetário.
Mas também avultam-no diversificado currículo de Arnaldo
Niskier – a implantação de uma centena de escolas e o lançamento
de uma rede de bibliotecas, a fim de estimular a leitura e promover a difusão do livro. Instituiu concursos e festivais de literatura,
organizou debates sobre novas tecnologias, colóquios, seminários
e outras iniciativas, para a valorização da língua portuguesa, como
língua de expressão e cultura, como língua de trabalho, idioma de
comunicação para o diálogo e o encontro de povos e civilizações.
Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1984, e seu
presidente em 1998 e 1999, exerceu uma ação de tal modo relevante que Carlos Heitor Cony, com pleno conhecimento de causa,
afirmou que a existência centenária da ABL se caracteriza por “dois
períodos – antes e depois de Arnaldo Niskier. Trouxe para a ABL o
seu know-how de grande executivo. Impôs a modernidade”. Devemse-lhe, por exemplo, a instalação
do Banco de Dados, que catalogou mais de 12 mil escritores da
língua portuguesa; e, ainda, a instalação e inauguração do Teatro
Magalhães Júnior e a fundação da
Galeria Manuel Bandeira.
E last, but not least, intensificou o culto por Machado de
Assis, grande escritor, o maior
entre os maiores fundadores da
Academia Brasileira de Letras.
Arnaldo Niskier já havia consagrado um livro que tem lugar primordial na bibliografia de Machado e,
onde a dado passo, observa, com
penetrante lucidez que, “toda a
obra machadiana, é sempre uma
lição, mesmo quando não é, exatamente, esse o seu objetivo”. Nada
mais exato, seja qual for a perspetiva que contemplemos a obra
multifacetada de Machado de
Assis. Isto por que Machado de
Assis ensinou o Brasil a ser ele
mesmo.
Perante embaraços suscitados por familiares que continuavam nas fronteiras do absurdo, Arnaldo Niskier empenhou-se,
com tenacidade, na trasladação, em Abril de 1998, para o mesmo
jazigo do Cemitério São João Batista, de Machado de Assis e de sua
mulher e inseparável companheira Carolina, celebrada num dos
mais belos sonetos da língua portuguesa. Havia uma questão fundamental a resolver. Depois do falecimento de Machado, a família
de Carolina recusou, obstinadamente, a colocação do seu corpo ao
lado dos restos mortais do marido, sob a alegação de que “ele era
mulato”. Arnaldo Niskier conseguiu que Machado e Carolina voltassem a ficar juntos para sempre. Uma alegoria escultórica, dois
pares de mãos entrelaçadas, simboliza a vida vivida em comum e
repara a odiosa discriminação racial.
O magistério cultural e cívico de Arnaldo Niskier vai, como
sempre, incindir – nesta comunicação apresentada na Academia
das Ciências de Lisboa – em questões primordiais destinadas a
transformar o Brasil. É a aposta no futuro.