Abril, 2023 - Edição 290
Acadêmico Arnaldo Niskier é homenageado em Portugal
O Acadêmico Arnaldo Niskier
recebeu uma bela homenagem na
Academia das Ciências de Lisboa,
onde proferiu a palestra A Educação
no Brasil – da Companhia de Jesus aos
dias de hoje, onde foi muito aplaudido.
Selecionamos uma parte do texto:
“Os primeiros colégios e ‘aulas
de ensinar a ler e contar’, criados pelos
jesuítas em várias localidades do Brasil,
a começar pela cidade do Salvador,
eram mantidos com sacrifício, mediante esmolas e donativos especiais, e
mão de obra nas construções, o que
incluía o esforço físico dos próprios
religiosos, ajudados por índios e alguns
colonos mais prestativos. Somente em
1564, conseguiram auxílio oficial para manter os colégios.
Hoje, analisando os fatos com a visão de nossos tempos, falta em
que incorrem muitos historiadores, procuram alguns ‘esclarecidos’ demolir aquilo que as circunstâncias não permitiram fosse feito com a técnica e
os recursos atuais. Um autor, Alfredo Nascimento Silva, por exemplo, sem
ter vivido na época, não perdoou:
‘Durante o longo período do regime colonial em que viveu o nosso
país, rudimentaríssimo era o ensino primário, limitado ao mínimo em
atrasadíssimas escolas mantidas pelos padres jesuítas, aqui instalados
desde 1549, em missão de catequese dos silvícolas.’
De fato, naquele período, aquilo que em geral e principalmente
a todos preocupava mais era a ambição de enriquecer. E, por isso, não
havia oportunidade para cuidar-se da instrução. Na verdade, a resistência
oposta pelos colonos a qualquer coisa que estivesse fora de seus planos de
rápido enriquecimento dificultava sobremaneira a ação dos jesuítas. Não
se queria pensar em outra coisa, além de explorar ao máximo todas as fontes possíveis de lucro. Gastar dinheiro com ensino equivalia a jogá-lo fora.
Poucos capítulos da História do Brasil, em sua fase colonial, possuem tão rica e autêntica documentação como a que se relaciona com a
ação da Companhia de Jesus no Brasil.
E custa a crer que o tão reduzido contingente de seis jesuítas,
vindos com Tomé de Sousa, tivesse conseguido, em poucos anos, levar
a termo a mensagem cristã a diversas localidades espalhadas pelo vasto
litoral brasileiro. Depois de improvisarem uma pequena igreja destinada
ao culto na cidade do Salvador, deram início, com a permissão do governador, à tarefa principal de que vinham incumbidos – a catequese.
Pode-se pensar, num rápido exame, que esse processo de expansão
e desenvolvimento das primeiras igrejas e colégios se fazia com facilidade
e amplos recursos. Puro engano. Os jesuítas foram obrigados a enfrentar
a hostilidade de grande parte dos colonos, de muitas autoridades, dos
índios sempre desconfiados e até mesmo do primeiro bispo do Brasil, Pero
Fernandes Sardinha.
O certo, no entanto, é que, como a política colonial portuguesa
fosse a de ver o Brasil apenas como celeiro, não havia por que nele investir a longo prazo. E não fosse a atuação dos jesuítas, levando a fé, mas
também dilatando o império, as primeiras instituições educacionais só
apareceriam na época da Independência.
Depois de três séculos de posse do Brasil pelos portugueses, não se
havia consolidado um sistema de educação que se pudesse aceitar como
razoável ou até mesmo como paliativo para as necessidades do país no
campo da instrução pública primária e secundária. Tudo que se fizera, até
então, a esse respeito, atendia apenas a setores isolados – cidades e vilas
espalhadas ao longo de nosso extenso território em sua faixa litorânea e,
excepcionalmente, em localidades do interior das capitanias de Minas
Gerais, São Paulo e Bahia. Quem não reclamasse, através das câmaras
municipais, nada obtinha. As aulas de primeiras letras, de fraca estrutura e de medíocres resultados, estavam a cargo de mestres improvisados,
sem programas racionalmente estabelecidos, com escassa fiscalizaçãoquanto à qualidade do ensino ministrado e do aproveitamento dos alunos. Choviam as petições, em Lisboa, oriundas do Brasil, reclamando a
criação de novas aulas régias, nem sempre atendidas, pois os recursos não
bastavam, em muitas capitanias, para atender sequer ao pagamento dos
professores.
Dependia-se da boa vontade de particulares para conseguir salas
de aula, pois nem sempre as casas dos mestres – em geral utilizadas – ofereciam condições de abrigar o número de alunos que desejavam conseguir
matrícula. Os professores, além de mal pagos, eram desconsiderados no
seio da sociedade.
A Educação de que o Brasil precisa, certamente, é prioridade nacional, que requer a mobilização de todos que vislumbram um país melhor.
Devemos enfatizar o descontentamento com o quadro atual, de uma
situação histórica, nitidamente precária. São necessários recursos apreciáveis para que se viva os tempos de uma nova escola.
A produtividade do trabalho muito baixa no Brasil é também uma
consequência da falta de políticas que procurem melhorar o desempenho
da mão de obra no país. Isso se faz com o aperfeiçoamento da qualidade
de ensino e de treinamento. O mau desempenho dos estudantes brasileiros nas avaliações internacionais e os movimentos generalizados de greves
de professores mostram a situação crítica do ensino no Brasil.
O resultado da forma com que o governo brasileiro vem tratando
seus professores, alunos e funcionários vêm em forma de números. Dentre
os 76 países avaliados recentemente pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ficou em 60º, à frente dos
países sul-americanos: Argentina (em 62º), Colômbia (em 67º), e Peru
(em 71º), que fazem parte das quinze últimas posições. No topo da tabela, sem nenhuma surpresa, estão os países asiáticos: em primeiro lugar
Cingapura, seguido de Hong Kong e Coreia do Sul.
Estratégias, táticas e ações, que configurem o planejamento a
médio e longo prazos, requerem mudanças que ainda estão longe de acontecer. Quando citamos desenvolvimento de competências, gestão integrada ou gestão corporativa, para o devido compartilhamento de tarefas, na
discutida relação ensino-aprendizagem, parece que atraímos expressões
de outro planeta. É natural que o resultado desse atraso secular seja a
reduzida satisfação de alunos e professores, comprometendo a necessária
fidelização deles às escolas em que atuam. Vestir a camisa passou a ser
expressão somente do futebol, mas deve valer também para o mundo da
educação, com vistas aos seus resultados. A má qualidade da educação
pública opera a favor da condenável desigualdade social.
A educação é o meio pelo qual a sociedade transmite seus princípios e valores. É cuidando da educação que reforçaremos o conhecimento
do mundo, tornando-nos capazes de melhorá-lo.”