Março, 2023 - Edição 289
Dias quentes do verão de 2023
Dias quentes, fervidos, ferventes, fervorosos, agitados.
Precisamos justamente de um refresco; por favor, como conseguir?
Ainda irão demorar nessa toada de justificativas, enganos, verdades, mentiras, idas e vindas. Agora até um robô entrou na parada:
duvido que ele saiba das coisas que fizemos nos verões passados.
O bafo quente do verão que entra pela janela precede tempestades que a tudo alagam e a gente assiste, dia após dia, o terror
de agitados rodos jogando a água para fora de casas e locais esquecidos. Córregos que transbordam sugando carros, casas, vidas. O
choro doído das perdas de vidas inteiras de trabalho, esforços e
prestações. Sabemos de árvores malcuidadas e constantemente
cheias de lixo em suas raízes que despencam nos fins de tarde
às dezenas, desverdejando ainda mais as paisagens já pobres das
grandes cidades. A repetição é cruel, e tudo é muito próximo, real.
Administrações municipais e estaduais se explicam através de
notas, promessas, investigações das quais nunca mais teremos
notícia e que devem se acumular empilhadas em algum arquivo
por aí. Tudo vira rodapé de página, notícia de canto, cara brava de
apresentador de tevê com comentário ácido. Quem se importa?
Os olhos se voltam, sim, para as tragédias. Lá longe, passam
os corpos frágeis e desmilinguidos, mostrando até os ossos dos
yanomamis dizimados por fome, pela contaminação dos garimpos, pela desatenção.
E não só com essa etnia, mas com muitas
outras que vão se apresentando, e não é hoje. A desgraça dos guaranis, as invasões de terras, o suicídio de seus jovens, o alcoolismo
que abate. As meninas grávidas, a malária, o isolamento. Tudo se
mistura na passagem do tempo sem alegria, inseguro, dominado.
Os povos originários, as minorias, todos agora ganharam
ministérios das questões, encabeçados por aplaudidas personalidades, que sempre foi mais fácil criar cargos, conselhos, espaços e
reuniões, muitas, do que objetivamente resolvê-las. Na linguagem
atual, os corpos – indígenas, negros, trans, mulheres e mais – ocupam o poder – simbolicamente, mas poderemos ter soluções que
se apressem?
Muito falatório e, agora, depois da balbúrdia de 8 de janeiro,
mais ainda na busca de punição aos responsáveis, seres esquisitos que nas manhãs ainda estamos vendo sendo conduzidos em
camburões para se explicarem, como se isso fosse possível. Os
maiorais entram e saem pela porta da frente, e continuam por aí
disseminando, formando grupos da discórdia, e aparecem as conspirações e atrapalhadas tentativas de golpe, que chamam a atenção
para o perigo que vivemos e que tanto pressentimos nos últimos
anos. Aliás, muito admira que a palavra golpe ainda não tenha
sido ungida a algum patamar, tantos são os que nascem, não só na
política. Na vida digital, nos aplicativos amorosos, nos descalabros
financeiros que atingem milhões de pessoas, bilhões de reais, nos
roubam sossego. Nos roubam o precioso tempo.
O novo governo chegou, já faz mais de mês. Até tenta consertar malfeitos antigos, mas eles não param de surgir, exigir medidas,
recursos, e para tudo é necessário negociar com as mesmas enferrujadas e divididas estruturas de sempre, legislatura após legislatura. O sistema. Não bastasse, o novo que não é novo, recomeça com
seus velhos discursos, diz e se contradiz, muitas vezes na imposição de uma outra história, a tal da narrativa, a mais manipulada
das palavras quando se refere à política.
Verão, veremos algum tempo bom, alguma moda divertida,
ou seremos ainda encharcados não de suor, mas de lágrimas de
mais perdas impactantes de forma que não sabemos nem bem
como explicar, como a de Glória Maria?
Será que precisaremos perguntar como nos refrescar a esse
novo monstro, o ChatGPT, que vem sendo cantado em verso e
prosa, inteligência artificial, e que se grife continuamente isso:
artificial?