Fevereiro, 2023 - Edição 288
Sobre O Velho e o Mar
Nesta época do ano, os que vivemos no litoral costumamos
ter mais contato com o mar – ou no mínimo, vá lá, com pessoas
ocupadas nas nossas praias. Lembro-me então de um nicho literário que prezo, o dos livros que têm o mar como temática. Joseph
Conrad, Jack London, Hermann Melville, Peter Benchley, autores
que me vêm mais facilmente à memória. Entre inúmeras obras,
lembra-me a História Trágico-marítima, Tubarão, Moby Dick e O
Velho e o Mar, este último até pelo título. Mais especificamente
quanto a O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, é fato que já foi
muito mais prezado do que o é hoje em dia. Sendo-me solicitada
há meses por um clube literário uma apreciação a respeito, arrisquei-me
em algumas notas que agora aproveito para condensar.
À primeira vista, O velho e o mar se parece com uma história
de pescaria. Uma pescaria que não deu muito certo. Perdoem-me
tentar resumi-lo: um velho pescador sai na sua canoa, consegue
fisgar um grande peixe (um espadarte), e retorna ao porto dias
depois apenas com a carcaça, pois a carne fora comida pelos
tubarões. Eis aí a trama do livro. Mas o que faz esse livro, com
uma trama tão simples, memorável, setenta anos depois da publicação? Recordemos que
O Velho e o Mar deu a Ernest Hemingway
dois dentre os mais prestigiosos prêmios literários do mundo: o
Pulitzer, em 1953, e o Nobel, em 1954.
Contextualizando: depois de estrondosos sucessos com
a publicação de O Sol Também se Levanta, de 1926, de Adeus às
Armas, de 1929 e de Por quem os Sinos Dobram, de 1940, o autor
vinha de um relativo fracasso literário: o livro Do Outro Lado do Rio
e entre as Árvores, de 1950 – aliás, o primeiro depois de Por quem
os Sinos Dobram. A crítica foi impiedosa com a obra, que trata de
um coronel norte-americano às voltas com uma jovem condessa,
sendo que Hemingway estava ele mesmo às voltas na época com
problemas amorosos. Em suma, o livro foi considerado uma autoparódia e a carreira literária de seu autor declarada acabada pela
crítica.
Neste contexto adverso é que foi publicado O Velho e o Mar.
Na essência, a novela enfoca o homem em sua relação com a natureza, como é o caso também de Moby Dick, de Herman Melville.
Em ambos os livros a natureza exige muito do homem no seu trato
com ela: desafiando-o bestialmente através da baleia branca de
Melville, testando-lhe até o limite a resiliência, através do grande
espadarte de Hemingway. Metáforas marinhas para tratar da condição humana.
Recordemos que O Velho e o Mar foi publicado em 1952, sete
anos após o fim da que fora a maior guerra travada até então. Como
outros escritores de sucesso, Hemingway testemunhou e escreveu
sobre a humanidade em seus momentos mais dramáticos, os tempos de guerra – é o caso de Adeus às Armas, passado na Guerra Civil
Espanhola. Já O velho e o mar tem tudo a ver com os tempos de
pós-guerra, com sobrevivência e recomeço, pois trata do confronto
exitoso do homem com os próprios limites.
Portanto, o que nos deixa O Velho e o Mar é acima de tudo
uma mensagem de fé no homem e na sua capacidade de ir além
dos limites que as circunstâncias lhe impõem. Se essa mensagem
foi alentadora naquele contexto, de reconstrução de tudo nos anos
do pós-guerra, o fato é que ela se mostra hoje verdadeiramente
atemporal.