Janeiro, 2023 - Edição 287
Entrevista com Lauro Moreira
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Os 25 anos da CPLP
Arnaldo Niskier: Hoje, com muito prazer, recebemos a visita do embaixador Lauro
Moreira. Ele tem uma belíssima carreira no
Itamaraty e é bacharel em Direito, formado
pela PUC, no Rio de Janeiro. Li uma notícia
no O Globo que o senhor estava envolvido
numa premiação que tem o nome do nosso
comum amigo José Aparecido de Oliveira.
Conte um pouco sobre isso.
Lauro Moreira: O Prêmio José Aparecido
de Oliveira foi criado pela CPLP, em 2011, e
foi atribuído a grandes personalidades, pelo
menos no início. Depois que chegou a mim, o
prêmio, já não era tão grande personalidade.
Ganhei o prêmio, em 2016, junto com o presidente de Portugal. Foi uma honra para mim
muito grande. O prêmio é em dinheiro. Para
mim, foi uma honra ter recebido esse prêmio,
porque é o mais alto galardão da CPLP, é o
prêmio mais importante da CPLP, eu já tinha
deixado de ser embaixador lá. Na verdade, em
2009, recebi um prêmio, que também me deu
muita alegria, que foi o “Personalidade lusófona do ano”, mas é dado por uma entidade
de caráter internacional, que é o Movimento
Internacional Lusófono – MIL, lá de Portugal.
Tive o privilégio de receber esse prêmio, na
Academia das Ciências de Lisboa, com a presença do presidente Mário Soares, que tive
também a honra de ser amigo.
Arnaldo Niskier: Hoje, com muito prazer, recebemos a visita do embaixador Lauro
Tive uma boa relação
com Mário Soares, quando vinha ao Rio sempre estava conosco na Academia Brasileira
de Letras. Ele tinha muita admiração pela
Academia, era uma belíssima pessoa.
Lauro Moreira: Uma figura extraordinária. Uma vez, o presidente Mário Soares
veio ao Rio, para uma reunião internacional.
Eu fazia parte disso também, pelo Itamaraty.
Saí com ele de uma livraria que havia na Rio
Branco, livraria portuguesa, Camões, se não
me engano, saímos caminhando pela Av. Rio
Branco e volta e meia as pessoas se voltavam...
Arnaldo Niskier:Hoje, com muito prazer, recebemos a visita do embaixador Lauro
E CPLP?
Lauro Moreira: A CPLP completou
25 anos, no ano passado. Houve uma série
de cerimônias, de homenagens, e fizemos,
aqui, no Brasil, um livro chamado Nos 25
anos da CPLP – Estudos em homenagem a
José Aparecido de Oliveira e Ricardo Arnaldo
Malheiros Fiuza, grande jurista mineiro. Isso
foi uma ideia da Academia Mineira de Letras,
com o nosso amigo Rogério Tavares. Rogério
também me convidou, me pediu para participar disso, e organizamos o livro. São 14 contribuições de 14 personalidades importantes
da lusofonia de cada país da CPLP. Dos oito
países, agora são nove, mas, para comemorar
25 anos, não tinha muito cabimento convocar
a Guiné Equatorial, porque tinha acabado de
entrar.
Arnaldo Niskier: Hoje, com muito prazer, recebemos a visita do embaixador Lauro
A Guiné Equatorial é o
nono país, mas tem uma fala em língua portuguesa muito relativa.
Lauro Moreira: Na verdade, acho que
posso falar isso hoje, não sou mais diplomata, não estou mais no quadro da diplomacia
brasileira. Pessoalmente, fui rigorosamente
contra a entrada da Guiné Equatorial, pelo
seguinte: a CPLP é um organismo que foi
criado para servir, digamos assim, de moldura jurídico legal, no meu modo de entender,
a uma realidade pré-existente. Essa realidade chama-se lusofonia, ela nasce com a língua portuguesa, mas ela nasce, sobretudo, a
partir da grande gesta dos descobrimentos
portugueses. Esse diálogo intercultural, não
multicultural, intercultural e interétnico de
Portugal com todos esses países que ele foi
descobrindo, de Brasil a Goa. Esse pessoal
falava uma língua que era também a língua
portuguesa, da mesma maneira que no Brasil.
Tínhamos nheengatu, tupi, que é uma língua
importantíssima de certo momento, mas o
português foi a língua que prevaleceu, no fim
das contas, aqui no Brasil. Moçambique tem
41 línguas, mas o português é a língua franca,
a língua de comunicação, de cultura.
Arnaldo Niskier: Que une o povo.
Lauro Moreira: Exatamente, que une o
povo. Falando um português muito claro, o
preço a meu ver do ingresso para a CPLP, para
ser membro da CPLP, são 500 anos de convívio, sem entrar em consideração a qualidade
ou não, sem nenhum juízo crítico. Não estou
falando de colonização, estou falando de países que viveram 500 anos em contato. Basta
ver o século XVI, XVII.
Arnaldo Niskier: Mas não temos isso
com a Guiné Equatorial.
Lauro Moreira: Porque a Guiné
Equatorial justamente é um país que pertenceu a Portugal até 1750, até quando foi feito o
Tratado de Madri, para definir as fronteiras do
Brasil e as fronteiras de Espanha aqui, na revisão do Tratado de Tordesilhas, em 1750. Nesse
momento, houve então uma troca de territórios. A Espanha ficou com a Guiné Equatorial,
que era umas ilhas no meio do Atlântico. Na
Guiné Equatorial, quase não se fala português.
Até brinquei e escrevi sobre isso. Agora vamos
criar uma CPLPA, quer dizer, “Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa e Afins”.
Arnaldo Niskier: Quais foram os países
onde o senhor foi embaixador?
Lauro Moreira: Em que fui diplomata,
foram seis. O que fui embaixador já chegando, portanto, no final da carreira, dois. Fui
embaixador, no Marrocos, por exemplo, e em
Portugal, junto a CPLP. Fui o primeiro embaixador do Brasil junto a CPLP, embora a CPLP
tenha sido criada há 25 anos, como sabemos.
Arnaldo Niskier: Vamos deixar claro
porque nem todo mundo é obrigado a saber:
CPLP é a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.
Lauro Moreira: Antes era o seguinte:
essa instituição foi criada, há 25 anos, para
servir, digamos assim, de um marco jurídico
legal para uma realidade já preexistente, que
são esses 500 anos de lusofonia que falava. A
CPLP, portanto, é um organismo que tem sede
em Lisboa e foi criada há 25 anos, sobretudo,
por causa da determinação de um homem,
de um brasileiro chamado José Aparecido de
Oliveira.
Arnaldo Niskier: Lembro o empenho
dele.
Lauro Moreira: Se existe uma unanimidade, na comunidade dos países de língua
portuguesa, é essa que acabei de falar agora.
Arnaldo Niskier: Determinação do José
Aparecido.
Lauro Moreira: Ele convenceu o presidente Itamar, na época, era embaixador de
Portugal, mas, evidentemente, já vinha de
antes, Agostinho da Silva, na Universidade da
Bahia, depois Darcy Ribeiro, na Universidade
de Brasília. Já tinha todo aquele trabalho, que
tinha feito antes nessa questão da lusofonia e
o José Aparecido sempre participando muito
também. Depois José Aparecido foi chamado, por Itamar, para ser ministro de Relações
Exteriores, mas adoeceu, não pôde assumir,
assumiu então Celso Amorim. José Aparecido,
pouco depois, foi para Lisboa, como embaixador do Brasil e, com isso (1993), ele estava
justamente no lugar certo para levar adiante
o projeto dele, que foi sempre de criar uma
comunidade de países de língua portuguesa.
Então, nesse momento, ele se juntou com
Mário Soares e eles realmente fizeram funcionar tudo isto. Então criou-se, a partir de
1995, a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, reunindo inicialmente sete países, porque o Timor Leste não era sequer
um país. A CPLP, desde essa época, vem trabalhando com base nos seus três princípios
fundamentais, seus três objetivos constitucionais, que são: primeiro, a concertação político-diplomática entre os países CPLP e outros
países, em todos os níveis; segundo, a cooperação, que é fundamental em todos os níveis,
técnica, econômica, cultural; terceiro, defesa e
promoção da língua portuguesa.
Arnaldo Niskier: Estamos falando em
CPLP. Estamos falando de quantos milhões
de pessoas?
Lauro Moreira: Nesse momento, estamos falando de cerca de 280 milhões de pessoas que falam o português hoje espalhados
pelo mundo. Agora, isso é que é interessante,
a responsabilidade do Brasil nessa história é
que é fundamental destacar. Quando falamos
que a língua portuguesa é a terceira língua
mais falada no mundo ocidental hoje, quando
dizemos que é a primeira língua no hemisfério Sul, quer dizer, quando falamos que o
Brasil tem 215 milhões de habitantes, estamos
falando que de cada cinco pessoas que falam
português no mundo quatro são brasileiras,
80%. Infelizmente não estamos levando tão
bem assim essa responsabilidade. Acho que
o Brasil poderia ter feito muito mais do que
tem feito, nos últimos anos, pelo negócio da
CPLP. Não só o Brasil, outros também. Esse é
o problema, porque a CPLP, na verdade, só vai
se realizar verdadeiramente no dia em que for
uma comunidade de cidadãos lusófonos, não
apenas de Estados lusófonos.
Arnaldo Niskier: Com a devida compreensão do que isso representa.
Lauro Moreira: As pessoas dizem: “Ah,
porque a CPLP também não trata de comércio.” Não, ela não foi feita para tratar de comércio, embora tenha um comitê – que não está
na constituição dela –, o comitê empresarial,
um conselho empresarial. Tem um Conselho
de Ministro de Estado dos países todos, de
diversas áreas que se reúnem também.
Arnaldo Niskier: Espanta-me o fato de
que ainda não somos uma língua oficial na
Organização das Nações Unidas. Usei bem
a expressão “ainda não somos”, mas é uma
coisa estranhável, uma língua que é falada
por 280 e tantos milhões de pessoas ainda
não tem uma representação oficial na ONU.
Por que isso?
Lauro Moreira: Por uma questão de
dinheiro, basicamente. Isso custa caro. Manter
um serviço de tradução para uma língua num
organismo internacional não é barato. Fora
isso, acho que o Brasil tem a responsabilidade
maior, não é Portugal. Portugal é a origem,
basicamente é isso. Mas hoje temos uma língua só, claro, fundamental esse conceito. É
uma língua só, a língua portuguesa, nada de
língua brasileira, angolana, não. É o português
com suas variantes, segundo o lugar onde é
falado, lexicais, sintáticas, fonéticas, sobretudo. A meu ver, a dificuldade maior que tem
um brasileiro para entender o português está,
justamente, na fonética.
Arnaldo Niskier: Esse fato foi ressaltado,
na semana passada, na Academia Brasileira
de Letras, pelo fabuloso acadêmico que é
Evanildo Bechara. Ele destacou isso e seu
discurso foi muito apreciado.
Lauro Moreira: O português de Portugal,
tal como falado em Portugal hoje, está engolindo cada vez mais as vogais átonas. Ele só
pronuncia as vogais tônicas. O povo brasileiro
usa a língua de maneira muito vocálica, muito
aberta. Nós falamos “beleza”. Em Portugal, se
diz: “bleza”. O povo brasileiro ouvindo ”bleza”
não entende, agora eles entendem perfeitamente quando dizemos “isto é uma beleza”.
Tem outra coisa extraordinária. Descobriu-se,
de uns tempos para cá, que o português falado no Brasil hoje está muito mais próximo do
português falado no tempo de Camões do que
o português de Portugal. Sobretudo por quê?
Porque Camões tem muito mais sentido na
fonética brasileira de hoje, que era tipo portuguesa antiga, do que na fonética portuguesa
de hoje.
Arnaldo Niskier: Gostaria que o senhor
falasse sobre esse livro.
Lauro Moreira: Esse livro aqui, por
exemplo, tem quatro ex-secretários executivos da CPLP que colaboraram. Convidamos
14 personalidades, como disse antes, que fizeram seus artigos, e organizamos o livro.
Arnaldo Niskier: Na sua opinião, temos
chance de um dia virar língua oficial na
Organização das Nações Unidas? Tenho
muito interesse nisso, como brasileiro.
Lauro Moreira: Seguramente. Falei que
o português hoje é falado por 280 milhões de
pessoas no mundo. Acontece que as projeções
da ONU é de que haverá no mundo, até o final
desse século, 500 milhões de pessoas falando português. É a língua que mais cresce no
mundo atualmente, muito mais que o inglês
e muito mais que o espanhol, quer dizer, as
duas que estão na frente dele. Isso é uma coisa
extraordinária. Veja bem, o Brasil vai diminuir
a proporção no futuro, porque o Brasil vai ter
um crescimento demográfico menor do que
está tendo hoje. Com isso, quem vai crescer
muitíssimo é a África. Somados na África,
Angola e Moçambique, por exemplo, vai dar
mais de 400 milhões de pessoas falando português dentro de 60, 70 anos. Além de ser uma
língua de cultura extraordinária, é uma língua
de valor comercial muito grande, valor econômico cada vez maior hoje.
Arnaldo Niskier: E responde àquela
ponderação de que a CPLP não cuida de
comércio. Não cuida diretamente, mas, indiretamente, aí está a resposta. É uma língua
de cultura, isso sem dúvida nenhuma.
Lauro Moreira: Uma língua que deu
o Machado de Assis, por exemplo, é quase
imbatível.
Arnaldo Niskier: O senhor é um estudioso de Machado de Assis.
Lauro Moreira: Na verdade, não sou
machadiano, sou machadólatra. Acabei de
fazer uma conferência sobre ele, em Ribeirão
Preto, que durou quatro horas.
Arnaldo Niskier: Qual dos livros do
Machado o senhor destaca, como especialista?
Lauro Moreira: Destaco pelo menos
três. A partir do momento que vem o grande salto dele, a partir dos quatro primeiros
romances, um pouco mais influenciado pelo
romantismo, mas quando Machado dá o salto
para Memórias Póstumas de Brás Cubas, que
para mim é o melhor livro dele, me toca mais.
Tem o Dom Casmurro, que é o mais perfeito talvez de todos e o Quincas Borba, que
acho extraordinário. São os três grandes livros.
O título de minha palestra normalmente é
Atualidade e Universalidade em Machado de
Assis. Meses atrás, foi lançada a quinta tradução do Brás Cubas, em Nova Iorque. Esgotouse em um dia. Em inglês. A primeira tradução
é de 1958, parece, porque a primeira tradução
desses livros importantes foi Dom Casmurro,
que foi pela Helen Caldwell, que veio a conta
corrente daquela coisa que existia no Brasil
até então de achar que Capitu era culpada.
A Helen Caldwell escreve um livro chamado
O Otelo brasileiro, e a apreciação dela é interessantíssima, porque só conhecemos Capitu
através dos olhos doentiamente ciumentos
do Bentinho. Claro, porque está escrito na
primeira pessoa, é o Bentinho falando da vida
dele com a Capitu e tudo que se sabe da
Capitu e sobre ela. O Domício Proença é um
especialista, escreveu um livro interessantíssimo chamado Memórias Póstumas de Capitu
e que ela, justamente, responde ao Bentinho.
Arnaldo Niskier: Acho essas considerações do especialista, professor, acadêmico e
embaixador Lauro Moreira respondem muitas dúvidas dos nossos leitores.