Janeiro, 2023 - Edição 287
Adolescente invadiu duas escolas no Espírito Santo, atirou em 11
pessoas e matou duas professoras e uma criança.
Por todos os canais abertos e fechados, pululam especialistas em
tudo. Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas Religiosos, Políticos Policiais e
os “analistas” de tudo tentam emplacar uma “explicação”. A informação é
cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade
sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa
destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno
videoclipe.
O máximo da violência moderna é o terrorismo, que ainda tem um
sentido político. Mas a pós-moderna não tem sentido nem político nem
psicológico. É um ato de ruptura, de um nonsense absoluto, uma explosão
cega. É um “sair de si”, na linguagem da psicanálise.
Aceitar que a violência possa ser banalizada e naturalizada é uma
tentativa de diluir o seu impacto, seu terror; de se evadir de seus efeitos, de não se implicar com a existência de suas manifestações e com
as possibilidades, por pequenas que sejam, de sua transformação. “Esta
banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação.
Resignado à ideia, inculcada pela repetição do jargão de que
somos ‘instintivamente violentos, o homem curva-se ao destino e acaba
por admitir a existência da violência, como admite a certeza da morte. A
virulência deste hábito mental é tão daninha e potente que, quem quer
que se insurja contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de
“idealista”, “otimista ingênuo” ou “bobo alegre”.
Que a violência aterrorize e que diante de uma cena assim todos
pareçam dizer: “já que não é comigo não vou me meter”, que a solidariedade desapareça por um risco de se expor a própria vida, a isso já nos
acostumamos!
O sujeito que sente medo no sonho não o vive como coisa própria,
mas no episódio onírico haverá um outro personagem que viverá um estado de medo. Na realidade, o que se produz é um deslocamento da carga
psíquica do sujeito para o objeto. Na paranoia, a pessoa projeta sua agressividade, mas também o faz com outros afetos, sem se dar conta de que a
essência de tudo está nela. Um exemplo é o caso do menino que, diante
da jaula dos leões no zoológico, diz: “Vamos embora, vovô, porque você
está com medo.” Como ação específica de uma pulsão, a agressividade
não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a
mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do
instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros.
O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.
As mais desagradáveis características do homem são geradas por
esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do
conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis
são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançar a cauda, ou ao
latir expressando seu desprazer. As emoções do cão, acrescentou Freud
pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a
razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis
antigos, como Aquiles e Heitor.
Alguma coisa muito errada, maligna, se esconde nas entranhas
da sociedade brasileira. Quando vem à tona, todo o mundo se pergunta
como é possível que horrores assim ocorram num país como o Brasil.
Adolescentes ou adultos desequilibrados, malucos com manias
conspiratórias e outras anomalias não são, obviamente, exclusividade
americana. Não se encontra em outros países, contudo, nada similar em
termos de explosão gratuita de violência assassina. Professores e colegas
também não aquilataram o perigo, mas para isso pode haver uma
explicação. No ambiente ferozmente competitivo das Escolas Públicas e
Particulares, os alunos são virtualmente forçados a se agrupar de acordo
com seu prestígio e seus talentos. No topo do microcosmo, estão os atletas,
os bons alunos com vaga garantida na universidade e as garotas bonitas.
A agressão física cedeu espaço ao trabalho de convencimento
verbal do educador em relação aos seus alunos. Chegou o momento de
compreender que é preciso dar tratamento de choque à nossa educação.
Agora, no entanto, parece que há uma crise na ciência do comportamento
nas escolas brasileiras – chegam notícias de uma violência inaudita contra
professores em sala de aula ou fora dela, sobretudo as de ensino médio.
A problemática da violência, seja aquela em que o jovem é vítima
seja aquela que é protagonizada por ele, vem provocando crescente perplexidade e sendo objeto de grande preocupação no meio escolar. Em
geral, violência é conceituada como um ato de brutalidade, física e/ou psíquica contra alguém e caracteriza relações interpessoais descritas como
de opressão, intimidação, medo e terror. A violência não pode ser reduzida
ao plano físico, podendo se manifestar também por signos, preconceitos,
metáforas, desenhos, isto é, por qualquer coisa que possa ser interpretada
como aviso de ameaça, o que ficou conhecido como violência simbólica.
A violência, provavelmente, sempre fez parte da experiência humana.
Seu impacto pode ser mundialmente verificado de várias formas. A cada
ano mais de um milhão de pessoas perdem a vida, e muitas mais sofrem
ferimentos não fatais resultantes de autoagressões, de agressões interpessoais ou de violência coletiva. Em geral, estima-se que a violência seja
uma das principais causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos em todo
o mundo.
Com o avanço da psicologia e da psicanálise, que são relativamente recentes, valorizou-se o uso da palavra. Os professores e os pais mais
esclarecidos repreendem os alunos e filhos faltosos com este instrumento
poderoso e insubstituível de comunicação, que é a palavra. Uma frase dita
na hora certa pode valer muito mais do que os castigos, que provocam ira,
o que é contraproducente no processo educacional. Quem tem paciência
para pesquisar sabe disso.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida?
Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos
assaltos, não são nossos parceiros de guerra? Ao menos cinco ataques
a tiros ocorreram em escolas brasileiras desde 2019. Pela extensão, o
espetáculo macabro avançou um patamar no rol de explosões periódicas
de insanidade. Volta e meia, malucos saem atirando contra multidões.
Movidos por convicções obscuras.
O previsível, porém, é que gente muito desajustada no Brasil, sempre consegue acesso desimpedido às armas de fogo. Prefiro fazer uma
previsão tristemente óbvia: “Há um grande número de outros garotos por
aí que estão acumulando ressentimentos dentro de si, e fora do nosso
alcance.” Ou seja: vai acontecer de novo.