Dezembro, 2022 - Edição 286
Resgatando Carolina Nabuco
Já tive oportunidade de registrar em texto opinião do romancista espanhol
Arturo Pérez-Reverte sobre protagonismo feminino em obras de ficção. Disse o festejado autor
em entrevista que se pode ler na internet que “hoyelhombre está agotado
como limón de paella, ya se ha escrito todo sobre él”. A incisiva afirmação sinaliza um
aparente pouco interesse atual por histórias protagonizadas por personagens masculinos:
antes, estaríamos ansiosos por personagens femininas – o que soa natural, ante o
crescente protagonismo das mulheres em todas as áreas. Seja como for, a constatação
de Pérez-Reverte se revela hoje uma tendência editorial mundo afora. Ele mesmo autor
de Rainha do Sul, em que a protagonista é a chefe do tráfico de drogas de um cartel
mexicano, parece saber muito bem do que fala. Das letras ao cinema, inúmeros outros
exemplos se colhem.
Em que pese, então, a brilhante performance literária de inúmeras escritoras de
destaque, o que sugere Pérez-Reverte é o incremento no uso da personagem feminina,
a exemplo do que fez de Anna Karenina e Emma Bovary, personagens universais.
A esse respeito recordemos autora brasileira hoje pouco lembrada, mas de
grande importância em seu tempo: Carolina Nabuco, filha do diplomata e acadêmico Joaquim Nabuco,
um dos conformadores, juntamente com Machado de Assis,
da Academia Brasileira de Letras.
Carolina, nascida no Rio de Janeiro, criada entre
Petrópolis e os Estados Unidos, é biógrafa do pai, e teve essa biografia, a sua primeira
incursão nas letras, distinguida com o prêmio de Ensaio da Casa de Machado de
Assis em 1928. Talvez a discrição da sua vida, não se tendo casado nem tido filhos,
dedicando-se integralmente à escrita e à tradução, a tenha mantido longe das vistas
do público. Não fosse a relevância da sua obra, de onde se destacam os romances A
Sucessora, de 1934, e Chama e Cinzas, de 1947. Ambos tendo como protagonistas figuras
femininas bem construídas.
No primeiro, Carolina conta a história de Marina, moça criada na fazenda que
se casa com um viúvo e vê a sua vida assombrada pela onipresente memória da antecessora.
No segundo, a história de Nica, uma das filhas de um viúvo falido, que organiza noites
de carteado na residência da família e acaba se casando com um banqueiro
amigo. Em ambos os livros, Carolina Nabuco discute o papel da mulher na sociedade
contemporânea à escrita. Ambos inspiraram adaptações televisivas bem-sucedidas.
Para atiçar ainda mais o interesse sobre a autora, A Sucessora foi envolvido
numa celeuma literária que acabou não indo adiante. À época da publicação, Carolina
traduziu a obra para o inglês, enviando-o a uma agência literária de Nova York e s
olicitando que fossem contatados agentes no Reino Unido. Nada aconteceu. Anos depois,
lendo o romance Rebecca, da inglesa Daphne du Maurier, e enxergando semelhanças
entre as duas tramas, indagou do seu agente sobre os contatos na Inglaterra, vindo-lhe
resposta negativa. Os fatos repercutiram por aqui. Por ocasião do lançamento no Brasil
do filme Rebecca, de Alfred Hitchcock, baseado no livro de Maurier, foi procurada para
fazer um acordo com os produtores, o que recusou. Sobre o assunto, restaram somente
dúvidas.
Ambos os títulos de Nabuco foram relançados pela editora Instante, e certamente
a recolocarão na posição que merece dentre as grandes autoras de língua portuguesa.