Novembro, 2022 - Edição 285
A literatura transforma o mundo
O escritor é aquele estranho sujeito que, caminhando por um jardim perfumado, repara em um discreto cheiro de estrume. Ou que, em
meio ao esgoto, percebe uma humilde flor que ali nasce. Livros são feitos
sobre esses desencontros e perplexidades,
sendo errado achar que as distopias são
profecias, quando, na verdade, nos alertam.
O desconforto é apenas maneira de dizer
que o mundo poderia ser melhor, poderia
ser justo, poderia ser compreendido. Sobre
isso, Fernando Sabino foi magistral quando
disse em Um Encontro Marcado, “...como
se você procurasse atingir o bem negativamente, esgotando todos os caminhos do
mal. É preciso ter pulso, é preciso ter estômago”.
Não há nada no mundo que possa
proporcionar maiores defesas intelectuais
do que o livro. E não vamos aqui confundir
essa palavra – intelectual – com vida acadêmica, mestrados, essas coisas. Defesa intelectual é tanto mais necessária quanto mais
humilde for a pessoa. A capacidade de ler é
aquela que mais revela o conhecimento do
mundo e a possibilidade de transformá-lo.
Há um tempo, uma secretária de educação orientou uma atividade na qual os
alunos teriam que responder à pergunta
“Para que serve ler e escrever?” Os dirigentes queriam que os professores fizessem uma abordagem emotiva,
que levassem os alunos a refletir sobre amizade, solidariedade e futuro,
quando tudo isso está mais longe que Marte da realidade de muitos
deles.
Uma amiga professora subverteu a atividade. Ela disse o seguinte aos alunos, que em sua maioria viviam em cortiços e invasões: “É
importante ler e escrever para que ninguém possa enrolar vocês.” É uma
colocação linda em sua simplicidade; é ferramenta de defesa intelectual.
Com o Dia Nacional do Livro (29/10), faço uma homenagem às
professoras e aos professores que utilizam a literatura como ferramenta
de emancipação e resgato uma citação atemporal de Fernando Pessoa:
“Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma.”