Uma ponte entre o coração e a consciência

Bravura, persistência e coerência. Aos que me perguntam o que é necessário para continuar acreditando na Arte como potência, essa é a minha resposta. Jornalista há 34 anos, mãe há 29, professora, há 23, e escritora há 11 anos, trago em mim a convicção do quanto a palavra é poderosa. O fio que me conduziu à Literatura evidencia o legado potente das trajetórias que elegi como heroicas. Somos frutos das escolhas de nossos próprios mitos.

Desde pequenos, quando ouvimos as primeiras histórias infantis, passamos a organizar, de forma mais clara, os sentimentos que temos em relação ao mundo. Comecei a escrever para as crianças durante a pandemia, numa tentativa de me fazer presente junto aos meus alunos da Creche Santa Terezinha, obrigados ao isolamento social que o momento exigia. Tirei os personagens que eles mais gostavam da oralidade e os materializei. Era uma forma de dar continuidade à nossa rodinha de leitura, onde “ninguém solta a mão de ninguém”.

A leitura (e, no mesmo sentido, a escrita) somente faz sentido se for acompanhada da capacidade de construir, pela via do afeto, uma ponte entre o coração e a consciência. Não por acaso os temas que escolho trazer à luz estão ligados às questões que considero urgentes, colocando-se em contundente diálogo com a realidade.



No primeiro momento, veio O Medo Amigo, onde procurei levar um respiro emergencial diante do sufoco planetário que vivenciamos no início da pandemia. Não sou médica, nem especialista na área de Saúde. Minha ciência é a Língua Portuguesa. Meu exército são as palavras. Minhas armas, os livros. A matéria-prima do meu material de trabalho são as letras.

A enfermidade que atingiu o planeta apontou-nos o esgotamento de modelos econômicos, políticos, ambientais e sociais que precisam ser revistos. Os paradigmas de crescimento econômico e da polarização social, somados com a degradação do meio-ambiente, caminham para a devastação da humanidade.



Nesse cenário, escrevi Um Pingo Fora do Lugar e A Dinastia das Abelindas. Em comum, ambos abordam a questão ambiental e o essencial espírito de solidariedade, que precisam, mais do que nunca, ser cultivados. Apesar da seriedade das mensagens dos meus livrinhos, o arsenal de personagens que ponho em marcha convoca os leitores a sintonizar num campo vibracional positivo.

Países como o Brasil, onde há uma objetiva possibilidade de integração entre biodiversidade e diversidade cultural, podem assumir a vanguarda de propostas transformadoras. Estamos diante da oportunidade de repensar e redefinir o modelo de existência do planeta. O reconhecimento da centralidade na educação e na cultura é emergencial.

O desconhecimento é o princípio da crise. O combate à degeneração do tecido social requer esforços de toda a sociedade, começando pela infância. O mal se corta pela raiz. Temos que investir, com urgência, em nossas crianças. As virtudes não são inatas. Susceptíveis de aprendizagem, são construídas por nós, no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e fazemos.

Compreender o mundo para transformá-lo significa, sobretudo, compreender e viver a ética, a empatia e a solidariedade. Sigo aprendendo com o passado e semeando no presente. Persisto no otimismo. Continuo acreditando na colheita do futuro. Como resultado, vibrei com a notícia de que meus livros foram classificados para concorrer ao Prêmio Jabuti deste ano.

Minhas histórias não tratam de superar crises ou problemas somente por resistir aos efeitos ou consequências, mas pela própria capacidade de rever valores e princípios. Se o momento é de morte ou guerra, cabe, a cada um de nós, optar pela cura e pela paz.

Por Manoela Ferrari - Jornalista e escritora, membro correspondente da Academia Espírito-santense de Letras, da Academia Feminina Espírito-santense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do ES; colaboradora do Jornal de Letras, desde 2002.