Os discursos acadêmicos
Estamos em plena campanha eleitoral e, nesta época, as falas e os discursos se sucedem. São encontros, cerimônias e eventos em que urge falar para
expor ideias – quaisquer que sejam elas, a esta altura. Parece que em todas as
ocasiões falar é o que importa, mesmo que à custa da paciência do ouvinte.
Ora, a Oratória é uma arte, e sendo assim tem regras próprias para que da
tribuna ou do púlpito se possa ter na conta de discurso uma fala qualquer. Falar
de improviso, concatenando ideias de acordo com essas exigências formais e
criando efeitos esteticamente apreciáveis, é qualidade que exige dedicação e
treino. Tendo-o na conta de gênero literário (assim como a epístola, por exemplo), acontece o mesmo: há requisitos formais a diferenciar o discurso de outros
gêneros de produção escrita.
É o que ocorre nas Academias de Letras. O discurso acadêmico trata-se
de uma categoria especial dentro desse gênero literário, porque tem requisitos
a serem observados: além de respeitar as regras características do discurso,
deve atender às exigências próprias da destinatária, a Academia. Aliás, numa
Academia de Letras, o ritual acadêmico não pode ser deixado de lado, pena de
desvirtuamento da própria natureza da instituição. Portanto, a produção de um
discurso acadêmico não dispensa a observância de determinados preceitos: a
praxe exige do empossando que fale dos propósitos que inspiram a sua adesão
à casa e que elogie convenientemente os seus antecessores no mesmo ideal. Do
que o recebe espera-se que realce as qualidades que fizeram o novo acadêmico
merecedor de se juntar aos demais na cadeira que passará a ocupar. A propósito,
o acadêmico Afrânio Peixoto, que presidiu a Academia Brasileira de Letras,
registrou que o que entendia por glória acadêmica resumia-se a dois discursos:
um, de corpo presente, quando chega o acadêmico; outro, sobre ele, na posse
do sucessor.
A Afrânio Peixoto, ciente da importância do discurso acadêmico
como gênero literário e como essência dessa “imortalidade” conferida pelas
Academias, se deve a iniciativa de sistematizar a publicação dos discursos proferidos nos umbrais da Academia Brasileira de Letras. Iniciada com a publicação das falas de Machado de Assis e Joaquim Nabuco na sessão inaugural, prosseguiu em vários volumes, numa coleção que para ele “resultará mesmo uma
história literária ou uma crítica de letras”. Sem dúvida. A obrigatoriedade do
elogio aos antecessores, listando suas obras, levantando-lhes as peculiaridades
do estilo e esboçando apreciação crítica, faz da coleção de discursos acadêmicos um repositório de informações e de opiniões abalizadas sobre o movimento literário nacional nesses últimos cento e trinta anos. Daí a importância da
publicação e da divulgação desse rico material. E na íntegra, para dispensar, diz
Afrânio, “coletâneas de excertos, em que a malícia escolherá os piores trechos,
por amostra dessa literatura protocolar”. Lúcido e escaldado acadêmico....
De qualquer sorte, é bom se afastar do vaticínio de Voltaire, para quem,
nessas horas, “a necessidade de falar, o
embraço de não ter nada a dizer e a vontade de ter espírito são três coisas capazes de tornar ridículo até mesmo o maior
homem”. Em plena época de campanha
eleitoral, que essa advertência de cunho
acadêmico valha de alguma coisa.