José Carlos Oliveira, a atualidade da crônica

A crônica exerce sobre o leitor uma atração natural, talvez pelo talhe esguio da forma e o calor envolvente do conteúdo. Sua ligeireza convida à leitura, e época houve em que os jornais lançavam mão dos cronistas para fidelizar público. Lembra-me aqui um deles, dos bons e argutos que passaram pela imprensa carioca (o que vale dizer, brasileira), numa altura em que a vertiginosidade dos acontecimentos começava a se pôr e a irreverência se revelava uma das vias possíveis para a tradução daquilo tudo ao leitor. Nascido em Vitória/ES, o cronista José Carlos Oliveira (1934-1986) cedo destacou-se nas letras da província, rapidamente tornada sufocante para a sua pena inquieta. A fuga apressada da terra natal deu-se em seguida a publicação de artigo contendo comentários depreciativos às associações literárias locais, com triste destaque para as academias maiores – a Espírito-santense de Letras e a Feminina Espírito-santense de Letras. A açodada mudança para o Rio de Janeiro deu no aparecimento de um dos mais destacados cronistas da época, os anos 1960/1980, nas páginas do Jornal do Brasil.

Atingindo notoriedade na imprensa, o próprio Oliveira cuidou de reunir nos volumes Os Olhos Dourados do Ódio, pela José Álvaro Editor, e A Revolução das Bonecas, pela Editora Sabiá, crônicas publicadas no período 1962/1966 (a editora Sabiá pertencia ao mineiro Fernando Sabino e ao capixaba Rubem Braga, pelo que fica provado a não impossibilidade de escritores capixabas serem solidários entre si). De crônicas publicaria, ainda, O Saltimbanco Azul (1979). Mais modernamente (em 2004-2005), o jornalista Jason Tércio resgatou outros textos de jornal e os reuniu nos volumes Flanando em Paris e O Homem na Varanda do Antonio’s, pela Civilização Brasileira. Aliás, garimpando mais ainda, Tércio foi reunir crônicas de mocidade, publicadas em jornais espírito-santenses, no volume O Rebelde Precoce: Crônicas da adolescência, da Gráfica Espírito Santo. Além desses, deu a público o indispensável (para os interessados em José Carlos Oliveira, em Literatura Brasileira, no Brasil dos anos 1960/1980), Diário Selvagem. Oliveira faria, também, romance (O Pavão Desiludido, Domingo 22, Terror e Êxtase) e contos (Bravos Companheiros e Fantasmas, este em edição da Universidade Federal do Espírito Santo, onde foi se recolher, no fim da vida, como “escritor residente”).

De 1995 é a pesquisa bibliográfica de Luciana Viegas publicada como Diário da Patetocracia: Crônicas brasileiras – 1968. Nos textos, as observações muito pessoais de Oliveira sobre um ano que se tornaria icônico pelos acontecimentos no Brasil e no mundo. Como tive oportunidade de registrar: “é do (escritor espírito-santense) Luiz Guilherme Santos Neves a observação de que a diferença entre Rubem Braga e José Carlos Oliveira, os dois expoentes da crônica no Espírito Santo, é que o segundo usa óculos” (Breves Notas Quase-literárias, 2019). Isto é, Oliveira vai fundo nos assuntos que explora, impregnado de um existencialismo que não era propriamente a intenção do Braga.

Um autor permanece atual quando suas ideias importam ao tempo em que é lido.
Com a palavra, José Carlos Oliveira: “Hoje não estou nada radical. Estou é muito cansado de ver todo mundo endoidecendo. Todo mundo está ficando louco e ninguém toma a menor providência.” Pois.

Por Getúlio Marcos Pereira Neves é membro do PEN Clube do Brasil.