Iguana, uma iguaria

Há pessoas que se acostumaram a comer bife de carne de boi ou de
porco, de tal forma, que torcem o nariz empinado para qualquer outro
tipo de alimento, quando se trata de carne. Aceitam, quando muito,
frango. Nem mesmo um bife de fígado. Coelho, paca, javali, capivara –
nem pensar! Não sabem o que estão perdendo. Conheço pessoas que
têm horror a dobradinha, a caldeirada de frutos do mar ou a buchada
de bode à moda nordestina. Também não sabem o que estão perdendo.
Este intróito de sabor culinário me vem a propósito do mais novo
prato que circula na praça, pelo
menos na América Central, lá
no Panamá: carne de iguana. Como se sabe, iguana é aquele lagarto feio e
escamoso, anfíbio e gordote, tido como em extinção. Fico imaginando a cara
de espanto e repugnância do
povo que se arrepia diante de
uma simples lebre ensopada. E
a frase que explodirá de sua
garganta delicada:
– Argh! Cruzcredo! Nunca
comerei carne de
iguana!
Pois saibam todos quanto
conhecimento desta tiverem que, no Panamá, estão comendo – e com muito gosto. Não
só a carne como os ovos. No caso, trata-se da iguana-do-caribe, de forte
cor verde, quando jovem.
A pesquisadora alemã Dagmar Werner tem mostrado ser possível
criar lagartos em larga escala – especificamente iguanas – para consumo
humano. A ideia originou-se da necessidade dos pequenos agricultores
panamenhos em desenvolver uma economia agropecuária alternativa,
ao invés de continuar o desmatamento da floresta tropical. Diz a notícia
que a pesquisadora já convenceu alguns produtores a criarem o animal
à feição de uma criação de galinhas, com uma diferença fundamental:
o custo é bem menor, já que a iguana se alimenta muito de folhas de
árvores. Atualmente, muitas famílias panamenhas aderiram ao novo
prato, com entusiasmo.
A iguana pertence à família dos lagartos da América, a grande
família dos iguanídeos. São arborícolas ou aquáticas. São animais que
vivem em regiões quentes e provêm da vetusta, antediluviana linhagem
dos iguanodontes e mesmo dos dinossauros. A iguana comum é um
lagarto verde que vive nas árvores da América tropical. Costuma medir
até dois metros de comprimento, com cauda longa listrada de preto.
Tem uma espécie de crista formada de escamas, ao longo do dorso.
Trata-se de bicho tido como “lento e medroso”, presa fácil para caçadores, o que, de certa forma, contrasta com sua arrepiante ancestralidade
jurássica…
A iguana-do-deserto também atende pelo esquisito nome de
basilisco e vive nos desertos do sudoeste dos Estados Unidos e norte
do México. Alerto os leitores mais medrosos de que existe um tal lagarto-de-chifre, também conhecido por iguana-rinoceronte, cujo nome
advém dos “cornos rombudos” que ostenta, garbosamente. Esse tipo já
é raro e seu habitat é o Haiti e a República Dominicana.
Mas não se espantem aqueles que se dispuserem a ter em sua mesa esse novo acepipe gastronômico. Parece que a iguaria não é de
hoje, pois fui encontrar até uma receita de ensopado de iguana-fêmea,
que se come com alho e pimentão, no livro Os Répteis, escrito por Archie
Carr e pelos redatores da revista Life, traduzido pela José Olympio em
1981. Pode ser prato apetecível e digno de um nobre vinho branco…
A Editora Nova Fronteira editou, em 1997, o delicioso livro Cozinha
do Arco-da-Velha, com textos de Odylo Costa, filho, Carlos Chagas Filho,
Pedro Costa e Pedro Nava, com receitas de Íris Lobo Chagas e Nazareth
Costa. E desenhos de Nazareth Costa, mulher de Odylo. Um livro erudito, sapiencial, sociológico. Ali vamos encontrar, na pág. 75, referências
a cobra, gambá, lagarto e macaco. Quanto ao lagarto, esta anotação:
“Fornece uma carne branca como a de frango; e, preparado com fricassê, certamente ninguém dirá que não comeu um delicado guisado de
frango.” Páginas adiante, um antológico artigo de Pedro Nava intitulado
A fabulosa cozinha de Dona Íris. Na verdade, o livro todo é antológico,
nas suas quase 200 páginas, com excelente prefácio de Pedro Costa,
filho de Odylo e Nazareth, que, na pág. 72 de Cozinha do Arco da Velha,
vamos encontrar até uma receita de lagarto ensopado com ervilhas e
outra de lagarto assado. E esta história, à pag. 41, sob o título de Um
lagarto assado suborna o marquês de Barbacena, que integra um longo e
maravilhoso artigo de Odylo Costa, filho:
“Quando o visconde de Barbacena – depois marquês – comandava
as tropas brasileiras no Sul, em 1828, atrasou-se o pagamento do soldo.
O oficial de um dos batalhões, Carl Seidler, alemão esperto, viu um dia
no jardim um lagarto, “extraordinariamente grande e gordo”. Correu
para casa, trouxe a espingarda, atirou no bicho. E o destinou ao general-
-em-chefe, que – sabia ele – “o apreciava como o melhor petisco”. Não
errou o alvo: “o assado de lagarto enterneceu o coração do visconde
e poucos dias depois eu recebia uma ordem escrita pela qual na
Tesouraria me pagariam três meses de soldo.”
Mas voltemos às iguanas. Não devo encerrar este “papo de iguana” sem uma
referência às famosas e feiosas iguanas das Ilhas Galápagos, pertencentes ao Equador. O
famoso Darwin andou por lá, como se sabe. Consta ser a única espécie
mundial de lagarto marítimo. É com a poderosa cauda achatada que
consegue nadar. Suas patas fortes, providas de garras, lhe permitem
subir pelos penhascos vulcânicos, base de suas operações. Hábil nadador, nutre-se de algas. Apesar do desgracioso aspecto, talvez dê um bom
ensopado com alho e pimentão, cebola e salsa, até um molho inglês.
As Ilhas Galápagos constituem rica atração turística do Equador
(terra do chapéu panamá). Em Quito, em 1986 ou 1987, vi grandes cartazes em outdoor, convidando a emocionantes viagens àquelas paragens
de um mundo primitivo, quase jurássico. Bandos de álacres turistas
chegavam ao Hotel Colón sobraçando belos livros sobre aquelas ilhas
e seus exóticos habitantes. Só não fui às ilhas porque não tive tempo,
naquela viagem de serviço, durante o governo do Presidente Sarney, que
tinha ido a Quito visitar o presidente Rodrigo Borja e ali cumpriu vasta
agenda.
Talvez um dia o ensopado de iguana chegue às nossas mesas.
Quando isso acontecer, concedei em prová-lo, ó vorazes devoradores
de rabanadas, picanhas, costelas de boi e galinhadas de domingo! Pois
em verdade vos digo, ó incréus: nem só de feijão tropeiro com leitão
assado à pururuca, baião de dois e frango ao molho pardo com angu
vive o homem!