Agosto, 2022 - Edição 282

Entrevista com Roberto Boclin

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Faculdade voltada para a Avaliação



Arnaldo Niskier: Hoje, temos o prazer de receber a visita do educador e engenheiro Roberto Boclin. Ele dirige a Faculdade de Educação da Fundação Cesgranrio e tem um passado extraordinário de serviços prestados à educação brasileira. Vamos falar de assuntos dos quais você gosta muito, como o ensino de 2º grau, o ensino médio. Como você vê o ensino médio hoje em dia?

Roberto Boclin: Antes de falar do ensino médio, queria dizer a você que é um especial privilégio estar hoje aqui ao seu lado, convidado, porque além de tudo é grande amigo meu, além de toda sua competência. Sempre fui grande admirador e levo comigo, desde 1980, uma gratidão profunda, porque foi você que me colocou no Conselho Estadual de Educação. Aquilo foi para mim realmente um aprendizado extraordinário, porque você se depara com situações ligadas à educação de todos os tipos.

Arnaldo Niskier: Mas eu tinha a solidariedade do governador Chagas Freitas, ele gostava das boas ideias, não reagia, ao contrário, concordava. Quando falei no seu nome, você era diretor do SENAI há muitos anos, ele concordou imediatamente e nomeou você, que ficou lá muito tempo.

Roberto Boclin: Fiquei 20 anos. Fui quatro mandatos de presidente lá e, toda vez que assumia a presidência, me referia ao dia que você me nomeou. Você era o secretário de Educação e Cultura, mas também foi secretário de Educação, Ciência e Tecnologia com Negrão de Lima.

Arnaldo Niskier: Construí o Planetário aqui do Rio. Hoje o Planetário vacina contra a Covid.

Roberto Boclin: Visitei o Planetário algum tempo atrás e é realmente um projeto extraordinário.

Arnaldo Niskier: Ali era uma favela, Parque Proletário da Gávea. O governador cedeu o espaço e construímos o Planetário, projeto dos irmãos Menescal. Ficou muito bonito e acho que até hoje presta belíssimos serviços à cultura...

Roberto Boclin: E tem lá pessoas ligadas à tecnologia que são competentíssimas.

Arnaldo Niskier: Eles cuidam de astronomia.

Roberto Boclin: Não é a nossa praia, mas eles são estudiosos. Agora um voou lá para cima. Ele deve ter pensado antes se seria castigo, mas depois se animou.

Arnaldo Niskier: Dez minutos, foi, voltou e conheceu o espaço.

Roberto Boclin: Mas sempre apreciei muito o seu governador e a D. Zoé, a esposa dele. Um dia, ela me convidou para visitar o Palácio Laranjeiras, que estava completamente abandonado. Ela reformou e queria que os governadores usassem o Palácio como a sede do governo. Fiz um trabalho para ela, porque queria colocar nas casas de grandes nomes do passado umas placas para homenagear (“aqui morou fulano de tal”) e quem fez as placas foi o SENAI a pedido dela. As placas estão lá, os homenageados não estão mais, mas as placas estão.

Arnaldo Niskier: Você guarda boa lembrança desses 20 anos que dirigiu o SENAI?

Roberto Boclin: Foram 20 anos dirigindo e 40 anos como funcionário. Comecei como professor de matemática lá na Escola do SENAI de Benfica. Tenho lembranças maravilhosas do SENAI e do meu tempo no SENAI, porque tivemos uma equipe boa e uma visão boa (essa que você falou de inovação e tudo), isso está presente lá até hoje. Não sei como andam as coisas, mas foi uma época de convênios com a Universidade Federal, convênios com os Centros de Tecnologia de Israel.

Arnaldo Niskier: Já havia a ideia da profissionalização no SENAI.

Roberto Boclin: Havia, claro. É que a ideia da profissionalização tinha uma característica de cuidar dos analfabetos, dos pobres e tal, e fomos criando nos pobres...

Arnaldo Niskier: Sofisticando um pouco mais...

Roberto Boclin: Sofisticando um pouco mais e dando aos pobres oportunidades que não tinham de estudar determinadas áreas e conseguir empregos muito bons. Todos os ex-alunos do SENAI saíram empregados, muitos viraram empresários. O SENAI me deu muitas alegrias. Passei 20 anos como diretor, só tive alegrias e, nos outros 20 anos, como professor e diretor de escolas, também foi um período maravilhoso.

Arnaldo Niskier: E havia uma competição entre o SENAI e o SENAC?

Roberto Boclin: Não. Não existia essa competição. Tínhamos até uma relação muito boa com o SENAC aqui do Rio. É que o SENAC cuidava da área comercial, dos negócios, setor terciário. Outro que também tínhamos boa relação, não sei como anda hoje, era o SEBRAE, também nessa área do empreendedorismo...

Arnaldo Niskier: Você aplicou esses conhecimentos criando a Faculdade da Fundação Cesgranrio. Quais são exatamente as matérias que estão nessa Faculdade da Fundação Cesgranrio?

Roberto Boclin: A Faculdade Cesgranrio foi uma idealização do professor Carlos Alberto Cerpa, porque lá na Cesgranrio ele entendia que os concursos de vestibulares tinham que ser direcionados também para o ensino superior da Faculdade da Fundação Cesgranrio. Um dia, ele me pediu para criar uma Faculdade voltada para avaliação, que sempre foi a vocação da Fundação Cesgranrio. Criamos a Faculdade de Avaliação e o curso de Gestão da Avaliação; também o de recursos humanos, que está indo muito bem, chamado de Gestão de Recursos Humanos Sustentáveis. A ideia da sustentabilidade é um princípio desse curso. O curso de avaliação está sendo para mim motivo de muito prazer, porque leciono a disciplina Avaliação institucional, é aquela que cuida dos processos de avaliação, tem o INEP presente com seu sistema nacional do ensino superior e tem uma série de modelos já adotados em vários países e que são apresentados nessa disciplina. A Fundação Cesgranrio tem também o mestrado Cesgranrio, ela já possui esse mestrado há bastante tempo, há cerca de seis, sete anos.

Arnaldo Niskier: O mestrado está incorporado à Faculdade?

Roberto Boclin: Está sim. É conduzido pela professora Ligia Elliot, que é muito dedicada a esse mestrado, e tem as disciplinas que são típicas do modelo de avaliação. Na realidade, é uma coisa muito nova, porque você não encontra isso em outros lugares.

Arnaldo Niskier: E tem muitos alunos?

Roberto Boclin: Não muitos, mas tem, curiosamente, alunos muito interessados. Por exemplo, agora mesmo terminei uma turma, que tinha engenheiros da UFRJ. Já tive várias turmas de engenheiros, essa agora de engenheiros da UFRJ, tem de médicas, tem de estudantes de medicina...

Arnaldo Niskier: Interessados em avaliação?

Roberto Boclin: Sim, porque a avaliação, dentro de um contexto de acreditação, andou uns tempos na moda, acreditação de hotéis, de hospitais, enfim. É um modelo que avalia a qualidade da instituição e atribui a ela pontos para que possa ser entendida no mercado.

Arnaldo Niskier: Hoje, com a avaliação do MEC, os cursos da Fundação Cesgranrio que você dirige só tem nota 5, que é a máxima.

Roberto Boclin: São todos nota 5 de avaliação, de recursos humanos. O Cerpa lançou o curso de Teatro, tem avaliação de sistemas da informação. São cursos que estão tendo boa receptividade.

Arnaldo Niskier: Tem professor para isso tudo?

Roberto Boclin: Tem. Os cursos funcionam, a maioria, à noite. Agora o Cerpa está instalando a Faculdade junto à Fundação, lá no Rio Comprido, porque ela começou no Cosme Velho.

Arnaldo Niskier: Antiga sede da Fundação Cesgranrio.

Roberto Boclin: Exatamente, mas o prédio ficou pequeno. Então ele aproveitou o antigo prédio da Fundação Cesgranrio, no Rio Comprido, reformou o prédio e agora estamos passando para lá os cursos. Os de mestrado ainda estão no Cosme Velho.

Arnaldo Niskier: O sonho do Cerpa é criar uma Universidade.

Roberto Boclin: O próximo passo da Faculdade Cesgranrio é passar para Centro Universitário e, depois, para Universidade e vamos trabalhar para isso.

Arnaldo Niskier: Com os cuidados dele, naturalmente isso tudo vai ser alcançado.

Roberto Boclin: Ele é empreendedor.

Arnaldo Niskier: Agora é importante dizer que a sua Faculdade é dirigida pelo Paulo Alcântara Gomes.

Roberto Boclin: É diretor acadêmico. Com muito prazer para nós, o Paulo está lá, tem experiência trazida da Federal, foi reitor da Universidade, é muito competente. Ele é o diretor acadêmico, está indo muito bem, com muito sucesso. O futuro nosso vai ser mesmo esse: Centro Universitário e Universidade.

Arnaldo Niskier: Você tem no gatilho algumas ideias de novos cursos?

Roberto Boclin: Na verdade, o Centro Universitário... Não sou unanimidade nessas minhas ideias. Por exemplo, por ser engenheiro, gostaria muito de ter um curso de engenharia. Essa é uma proposta que o Paulo, que também é engenheiro, está aceitando. Essa ideia, que é natural, não tem nenhuma novidade, mas um bom curso de engenharia ligado, por exemplo, à produção. Existem, já aprovados pelo MEC, cursos de engenharia da produção. Esse é um que gostaria.

Arnaldo Niskier: Tenho uma neta que se formou em engenharia da produção pela PUC, onde você se formou também.

Roberto Boclin: Me formei na PUC, em 1958. Sempre fui muito ligado ao SENAI. Precisava trabalhar e comecei minha vida dando aula para o SENAI, lá no Viaduto Ana Neri, em Benfica, um prédio maravilhoso, um centro tecnológico.

Arnaldo Niskier: Conheci você brilhando, na rua Mariz e Barros, na Tijuca. Você dirigia aquele complexo com uma competência extraordinária. Como você vê o ensino médio hoje? Com precariedade?

Roberto Boclin: Realmente. Tenho uma imagem muito ruim do ensino médio, principalmente porque está dividido em duas frentes: uma frente das escolas privadas, particulares, que têm o ensino médio de certa qualidade, algumas até de muita qualidade; tem o outro lado do ensino médio, principalmente voltado para as famílias mais pobres, que é o ensino médio do governo, oficial, e que infelizmente está muito distante do ideal, ainda mais quando você começa a pensar em novas tecnologias. Agora mesmo, com essa pandemia, algumas escolas privadas funcionaram depois de algum tempo on-line.

Arnaldo Niskier: Li hoje na Folha de São Paulo... Está se anunciando que a metodologia 5G vem aí. Mas a própria Folha de São Paulo esclarece que estamos longe de universalizar o 4G e já estamos pensando no 5. Como você vê isso?

Roberto Boclin: Vejo mal, porque agora, com a pandemia e com as escolas privadas oferecendo cursos on-line, muitas disciplinas on-line (alguns alunos conseguiram superar o problema da falta as escolas), mas a classe pobre não teve acesso, porque ninguém tem computador, nas favelas não existem computadores. Existe um pensamento também um tanto contrário ao que sempre pensamos. Agora ouvi falar que querem fazer a escola domiciliar, um absurdo, está voltando a 1800 e qualquer coisa, quando tinham lá os preceptores. Na realidade, o ensino médio não pode ser só livro e professor.

Arnaldo Niskier: A chamada sociabilidade dos alunos tem que ser considerada.

Roberto Boclin: E a profissionalização também, que vem em paralelo, principalmente deveria vir nas escolas pobres.

Arnaldo Niskier: Você batalhou tanto por isso.

Roberto Boclin: Muito. Os ex-alunos do SENAI de antigamente saíam das escolas empregados. Tenho um exemplo até interessante. Um ônibus da General Electric parava na porta da escola, essa lá onde comecei, saíam os meninos, filhos dos operários que vinham fazer os cursos de aprendizagem no SENAI.

Arnaldo Niskier: Isso não tem mais hoje.

Roberto Boclin: Hoje, inclusive, a visão sobre a profissionalização para os pobres está muito ruim.

Arnaldo Niskier: E há muito abandono.

Roberto Boclin: Não vejo planos educacionais de modo geral. Já estamos no final do governo, dessa gestão, e tivemos cinco ministros, não houve um plano de educação que pudéssemos dizer “não, aconteceu isso, isso, isso”. Lembro do seu tempo como Secretário de Educação, você tinha planos que aplicava nas escolas e isso não tem. Vejo mal o ensino médio e não sei como vamos resolver isso, porque não se discute educação. Agora mesmo cortaram todas as verbas.

Arnaldo Niskier: Como se educação não fosse a prioridade número um do país. Educação é a mais importante.

Roberto Boclin: Sem educação, você não faz economia.

Arnaldo Niskier: Não faz nada. E o Ministério da Economia é que corta as verbas da educação para servir a outros interesses. Acho um absurdo.

Roberto Boclin: Uma pena. Cortaram da educação, da saúde e do meio ambiente.

Arnaldo Niskier: Você acredita que vindo um plano possamos recuperar o tempo perdido na área do ensino médio?

Roberto Boclin: Acho que sim, tem que haver uma política bem definida e voltada para a melhoria das classes menos favorecidas. As classes que têm famílias de posse podem resolver os seus problemas numa boa escola particular, mas as classes menos favorecidas precisam de atenção especial, porque você vê os meninos irem para a escola e não tem aula. E as crianças pobres voltam para casa e não tem computador para ensinar nada.

Arnaldo Niskier: Falta muito. Temos que ter esperança de que as coisas daqui para frente possam melhorar bastante.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura