Um São João de reencontros

Na cultura popular brasileira, principalmente no nordeste brasileiro, as festas juninas têm lugar especial, pois, além de valorizarem as tradições locais do país, também revelam muitos elementos históricos, religiosos e mitológicos curiosos, que passam despercebidos. As festas, como todos sabem, seguem o calendário litúrgico da Igreja Católica, que, no processo de assimilação dos antigos cultos pagãos europeus, na transição da Idade Antiga para a Idade Média, acabou por substituir os rituais dedicados aos deuses médios-orientais, gregos, romanos e nórdicos por festas dedicadas aos santos.

O grande ícone das festas de São João, a fogueira, tem sua origem e fundamento na história do nascimento de São João Batista. A fogueira foi um sinal de Santa Isabel para a sua grande amiga Maria, mãe de Jesus. Santa Isabel estava grávida, e este filho se chamaria João Batista. Quando ele nascesse, seria acessa uma fogueira bem grande e assim Maria poderia ver ao longe e saber do nascimento do menino. Em torno da fogueira de São João, também se desenvolveu no nordeste brasileiro uma série de superstições e simpatias, como passar descalço sobre o braseiro com o “batismo na fogueira”, dentre outras. Já no Brasil, a prática do acendimento da fogueira na noite de 23 para 24 de junho foi trazida pelos jesuítas, e tal prática foi com o tempo associada a outras tradições populares, como o forrobodó africano, um tipo de dança de arrasta-pé, origem do forró nordestino, e a quadrilha caipira, que herdou elementos de bailes populares da Europa. Palavras como “anarriê”, “alavantú” e “balancê”, por exemplo, são termos adaptados de bailes populares da França.

Passados dois anos, o São João de Caruaru, município de Pernambuco, uma das cinco maiores festas juninas do nordeste (sendo a de Campina Grande, na Paraíba, a maior de todas) está oficialmente de volta, com data marcada para o seu início no dia 04 de junho, seguindo até o dia 29. Nomes importantes estão confirmados, como Elba Ramalho, Alceu Valença, Claudia Leitte, Xand Avião, Wesley Safadão, dentre outros. A expectativa dos organizadores é de que, neste ano, sejam movimentados cerca de 250 milhões ao longo do mês. “Será o São João de reencontros e com a expectativa de ser o maior e melhor São João do mundo, com uma programação especial, com artistas locais e nacionais, é tudo que merecemos para tirar este atraso que a pandemia causou”, afirma a prefeita Raquel Lyra.

É que, outrora, em um passado até recente (1968 e 1971), essa fogueira quase se apagou, mas não demorou muito para recuperar a posição de destaque. Por dois anos consecutivos (2020 e 2021), não houve balões no ar, nem xote e baião no salão. Enquanto a pandemia de Covid-19 avançava, aqueles que se dedicam às quadrilhas juninas buscavam alternativas para que o fogo não cessasse e que, em 2022, voltasse a ocupar um lugar central nos festejos tradicionais do Nordeste, e que está sendo preparado para acontecer. O sentido da festa, e de se festejar São João neste ano, será mais forte, afinal a pandemia nos empurra para o uso, a descoberta, o aproveitamento de diversos artefatos “novos”, e é padrão das quadrilhas juninas buscar o novo, experimentá-lo e, se for válido, incorporá-lo à tradição do fazer junino. Os espetáculos juninos, em sua forma e conteúdo, com certeza serão os maiores de todos os tempos.

Por Manoel Goes - Diretor no IHGES e subsecretário de Cultura de Vila Velha.