Quando os bons silenciam...
Diante do apocalíptico desencadear da violência que diariamente toma de
assalto a nossa sociedade, surge uma inquietante pergunta: será que esses terríveis
acontecimentos estão nos arrastando novamente para a idade das trevas?
Será que já não somos suficientemente humanos e bons para promovermos
o amor e o respeito pela vida?
Diante das barbáries amplamente divulgadas pela mídia e que ecoam em
nossas mentes como um doloroso grito de revolta, nos deparamos com uma verdade que machuca e inquieta: o ser humano já não parece tão humano assim. Seu lado
animal, feroz, atroz parece que aos poucos está dominando a sua essência divina
que somente amor e bondade pode produzir.
Às vezes me pergunto: como nos sentiríamos se estivéssemos no lugar de
DEUS? Como deve estar o seu coração a presenciar seus filhos cometendo atos tão
repugnáveis, tão desumanos?
Como será que está se sentindo Aquele que nos escolheu para amar primeiro? Aquele que imprimiu sua assinatura em cada criatura que criou, mas que
na gente colocou algo a mais: a faculdade de amar, de ser bom, de nos reconhecer
como irmãos e reconhecê-lo como Pai?
Escrevo esse texto com lágrimas nos olhos. E choro. Choro porque ao pressionar as teclas do computador me vem à mente a imagem do menino João Hélio preso
ao cinto de segurança sendo arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro; do menino de
um ano e meio Mário Neto morto por uma bala perdida enquanto cortava o cabelo
em salão de Mesquita; das primas Rebecca Beatriz de 7 anos e Emmylli Victoria de
4 mortas aos serem baleadas na porta de casa; da menina indígena ianomâmi de 12
anos estuprada e morta por garimpeiros...
Queria chorar como uma criança inocente que traz nos olhos a pureza de
um mundo bom. Mas choro como um adulto que presencia outros homens, seus
irmãos, a cometerem atos que envergonham e diminuem a nossa própria espécie.
Sei que minhas lágrimas não irão diminuir a violência nem trarão as vítimas
inocentes e indefesas de volta (que pena, queria ter esse poder!)
Meu choro é um desabafo e um pedido de perdão:
Pai, perdoai-nos pela nossa falta de amor e humanidade; perdoai-nos porque
estamos renunciando a plenitude da Vida e nos acostumando a sobreviver da pior
maneira possível: nos devorando como animais irracionais, nós, seres pensantes.
Perdoai-nos porque, além de estarmos destruindo a nós mesmos, estamos
destruindo também, em nome da riqueza e do progresso, a casa que criastes para
ser nosso lar: o Planeta Terra.
Perdoai-nos porque já não vivemos mais para os passeios tranquilos com a
família; para o jogo nas tardes de domingo com os amigos, para os encontros festivos num barzinho... Vivemos para nos proteger de todas as maneiras possíveis e
imagináveis da violência: muros altos, carros blindados, cercas elétricas, câmeras,
drones, armas... Mas nunca nos sentimos tão vulneráveis: o medo está no ponto e
no trajeto do ônibus, na porta da escola e dentro da sala de aula; na fila do supermercado e do caixa eletrônico; na estação do metrô e no banco da praça; nas arquibancadas dos estádios e nas areias da praia, nos becos das favelas e na vitrine do
shopping...
Dormimos e acordamos com medo. Temos medo do olhar e do sorriso do
outro; temos medo de ser amigo, de nos relacionar, de nos envolver; tristes e solitários,
temos medo de ser solidários.
A violência está aí e há duas maneiras de se lidar com ela: fazer de conta que
está tudo bem e que ela é um problema do governo, da polícia, dos marginais... ou
entender que todos somos vítimas e, como tais, precisamos nos unir para enfrentá-
-la de igual para igual. Com mais violência? Não. Aí não haverá vencedores, apenas
vencidos. Precisamos enfrentar a violência com as únicas armas que podem derrotá-la:
o respeito à Vida, a prática do Amor, da Justiça e da Paz e os investimentos que
devem ser feitos e bem feitos em Educação, Saúde e Esporte. Afinal, não podemos
esquecer: quando os bons silenciam, a violência grita e proclama o seu reinado.