O mistério de Ayanna
Ayanna era uma aldeia como qualquer outra. Tinha casas, ruas e pessoas
como em qualquer outro lugar. Vila pequena, pacata, com pouco trânsito, árvores frondosas e crianças brincando na rua.
Mas havia uma diferença e um grande segredo. No centro da aldeia, havia
uma torre alta coberta com estranhos desenhos coloridos: a torre do destino. No
centro da torre, uma estreita escada em caracol, com 365 degraus, levava a um
mirante. No alto do mirante, um globo transparente continha o olho de um gigante boiando em uma gelatina azul clara. Quem olhasse dentro do olho do
gigante, no momento exato do primeiro raio de sol, saberia imediatamente o
dia e a forma como iria morrer.
Isso era conhecido como “a informação terminal”.
Os habitantes de Ayanna sabiam do segredo e o passavam cuidadosamente de mãe para filha.
Cada um podia escolher se iria subir na torre ou não, e quando. Livre
arbítrio total.
Ninguém sabia exatamente quem havia subido na torre. Mas o comportamento de cada um mostrava diferenças. Aliás, como em qualquer outra
aldeia.
Eles se dividiam entre “os que sabiam” e “os que não sabiam”. Mas nunca
tinham certeza de quem sabia e de quem não sabia.
Para alguns, o mais importante não era saber o dia no qual iriam morrer. Mas saber sobre todos os outros dias anteriores nos quais não morreriam.
Então faziam miséria, pintavam o sete, inventavam mil loucuras como se
tivessem um superpoder. E alguns diziam: “esse aí deve ter olhado no olho do
gigante.”
Uns cometiam erros, como Pedro padeiro: ele não morreu, mas ficou 12
anos em coma, um desperdício.
As profissões mais arriscadas eram magistralmente executadas pelos que
sabiam.
Não foi por acaso que o circo de Ayanna ficou conhecido internacionalmente. Não pela graça de seus palhaços, mas pelo arrojo mortal de seus trapezistas. O Pedro da padaria fazia bico como trapezista, por exemplo. Uma triste
lição para todos...
Alguns soldados de Ayanna voltavam das guerras extremamente condecorados.
Curiosamente, os que subiam na torre do destino voltavam transformados na forma como viam o amor. Sim, porque, se cada dia representa uma
pequena morte (principalmente nas segundas-feiras), conhecer a informação
terminal transformava mulheres e homens em amantes ardentes, extraordinariamente dedicados às suas famílias.
Os ortopedistas estavam bem de vida. A religião sofria um pouco e a
filosofia mais ainda. Aliás, todas as artes e ciências que normalmente cresciam
nutridas por incertezas da vida foram impactadas nessa vila de videntes.
Os mais idosos ainda se lembram quando Zulmira, conhecida como “a
última cartomante”, fez as malas e deixou Ayanna para sempre.
Um dia, um enorme raio atraído pela gelatina azul do olho do gigante
transformou o mesmo em uma massa escura, disforme e inútil.
As pessoas passaram a subir na torre do destino apenas como passatempo ou exercício.
Do alto do mirante, viam a beleza do nascer do sol. Viam o colorido das
nuvens. Fechavam os olhos e escutavam pássaros e o ruído do riacho irmanando as coisas vivas.
Assim como antes, desciam da torre transformados.
Não por possuir uma única certeza, mas por poder valorizar todas as
dúvidas.
Um dia de cada vez.