Há 150 anos nascia Júlio Salusse, o poeta dos cisnes
O fluminense Júlio Salusse escreveu vários sonetos, mas ficou famoso por um apenas, que em outros tempos se tornou um sucesso: Cisnes.
Românticas senhoras e moças sabiam-no de cor, suspirosas. Os homens
também gostavam. O célebre soneto rompeu o tempo e deu fama a Salusse,
como o Soneto de Arvers imortalizara o francês Alex – Felix Arvers. Júlio
Salusse tornou-se, para sempre, “o poeta dos Cisnes”.
Cysnes (segundo a grafia vigente na época) veio a lume em 1893.
Júlio Mário Salusse nasceu na Fazenda de Gouguy, no município de
Bom Jardim, estado do Rio de Janeiro, em 30 de março de 1872. Formouse em Direito, em São Paulo. Foi promotor público em Nova Friburgo.
Abonado, passou boa temporada boêmia em Paris (onde mais poderia ser
poeta Márcio Catunda?). Tinha o tal savoirvivre. Em Paris, o poeta encontrou-se inúmeras vezes com Santos Dumont, um ídolo da alta sociedade
local. Voltou para o Rio. Escrevia em jornais. Exerceu a advocacia, sendo seu
último escritório na Rua São José. Teve namoradas, mas não se casou com
nenhuma, nem com Laura de Friburgo, nem com Vera van Herven, pelas
quais se apaixonara; e em Paris se perdeu de amores pela resplandecente
beldade Cléo de Merode. O avô do poeta, Guillaume Marius Salusse, foi
soldado de Napoleão Bonaparte, no posto de capitão; lutou na Batalha de
Trafalgar, vencida pelo Almirante Nelson. Esse avô veio morar no Rio, quando da queda do imperador, e no Rio morreu aos 86 anos, fumando cachimbo e tomando bons vinhos franceses.
Não vou aqui fazer um esboço biográfico do poeta, que é o patrono da
Academia Friburguense de Letras, fundada em 1947. Quero apenas registrar
que Salusse levou vida boêmia no Rio de Janeiro e foi amigo de escritores
como Raul Pompeia, Emílio de Menezes, Paula Ney, José do Patrocínio,
Olavo Bilac, Lima Barreto, Guimarães Passos, Leôncio Correia, Luís Murat
e outros.
Júlio Salusse teve dois biógrafos: Nilo Bruzzi e Carlos Heitor Castelo
Branco. Este último, eu conheci em São Paulo, em 1980, ano em que publiquei meu livro Uma Rua Chamada Ouvidor. Em minhas peregrinações por
livrarias e sebos, encontrei-o com sua mulher, Zelina, na Learte Livraria e
Encadernação Ltda., na Rua Peixoto Gomide, 1805, Jardim Paulista (que
você conheceu, Humberto Werneck).
Esses dias reli o livro de Carlos Heitor Castelo Branco, que ele me
enviou de presente naquele ano de 1980, com esta dedicatória: “Prezado
Danilo Gomes, como falo da Rua do Ouvidor, mando-lhe o Salusse, o Carlos
Heitor. 1980”.
O título desse livro é Salusse, o Poeta dos Cisnes, da Editora Hucitec,
São Paulo, 1979. A primeira orelha do volume é assinada por Vasconcelos
Machado Florense e o prefácio é do escritor Abguar Bastos.
Carlos Heitor Castelo Branco, autor de vários livros e bibliófilo de
escol, nasceu em Belém do Pará e foi, menino ainda, para o Rio. Muitos anos
depois, foi morar em São Paulo, onde faleceria. Deixemos que ele conte a
história:
“Guardo, em minha memória enevoada pelo inverno dos anos, o dia
em que o poeta Júlio Mário Salusse, sabendo de minha situação, convidou-
-me para morar em sua casa na Rua Nascimento e Silva, 564, em Ipanema.
Estávamos em 1929; ainda não havia cajueiros e amendoeiras no imenso
areal que circundava a lagoa Rodrigo de Freitas, que ficava ali perto. A
imensa praia do Ipanema, do Arpoador ao Leblon, era quase deserta; por
ali morava o professor Barros, que ensinava uma mocinha a cantar: ‘Taí, eu
fiz tudo pra você gostar de mim, música e letra de Joubert de Carvalho; a
mocinha era Carmen Miranda.
A casa do poeta, um bangalô com torre; celibatário, morava só. O convite, além de grande ajuda em época tão difícil, ainda me proporcionava o
esteio de uma cultura, a prosa de um homem vivido e viajado e ainda livros
para ler. Salusse não era mais o moço estroina de sua mocidade, vivia de seu
escritório de advocacia na Rua São José. Levantava cedo, ia para o banho de
mar e, antes de escurecer, já estava na sua cadeira de balanço, esperando a
chegada da marmita, que nos trazia o jantar do qual eu participava com a
fome juvenil dos meus dezenove anos.
Salusse gostava de contar sua vida e lá vinham estórias de poetas e
escritores que eram para mim monstros sagrados. Evocava um velho Rio
que conhecera como ‘Capital do Império, aquela mesma cidade que Pereira
Passos, abrindo a Avenida Central, transformaria completamente de burgo
colonial em metrópole, com grande influência de Paris. Toda uma geração
passava nas estórias contadas por ele.
Assim decorriam as noites, e quase um ano se passou em que convivi
intimamente com o autor de Cisnes.
Renan, Eça e Théophile Gautier eram a trindade que reverenciava e
que por sua influência passaram a ser os meus autores preferidos: Renan,
com sua Vida de Jesus, Eça com A Relíquia e Gautier com Mademoiselle de
Mapin, que ele costumava ler. Acabei sabendo de cor os trechos mais belos
destes livros.” (Págs. 1 e 2.)
E o biógrafo vai contando a vida de seu famoso benfeitor, nas páginas
e nos capítulos seguintes, de que destaco alguns títulos: Laura de Friburgo,
Por estas tardes pálidas de agosto, Político e jornalista, Café Belas Artes,
Salusse e Raul Pompéia, Sonetos que são outras tantas pérolas de Salusse.
Carlos Heitor Castelo Branco registra que o coração do poeta balançou entre duas musas: Laura de Friburgo, bela morena (“introvertida, orgulhosa de sua nobreza”) e Vera van Herven, sedutora loura (“comunicativa,
lendo os últimos romances, gostando de poesia e música, e também nobre e
rica”). O jovem poeta, “muito louro, de olhos profundamente azuis, elegante no trajar”, apaixonou-se por essas bonitas moças da “belle époque”. E o
biógrafo e amigo anota: “Indeciso entre as duas, acabou por perdê-las, mas
foram elas as inspiradoras da maioria de seus versos.”
Outro grande amor de Júlio Salusse foi a linda Cléo de Merode, cujo
retrato encontramos na pág. 36 do livro de Carlos Heitor Castelo Branco.
O poeta ficou em ciclópica desvantagem: Cléo de Merode era amante do
Príncipe de Gales e do Rei Leopoldo II da Bélgica! Desolado, meteu a viola
no embornal e voltou para as rodas boêmias do Rio de Janeiro, nos restaurantes e cafés.
Júlio Salusse foi membro da Academia Fluminense de Letras, onde
ocupou a cadeira 28, cujo patrono é o conselheiro Macedo Soares.
É de justiça lembrar aqui que outro biógrafo de Júlio Salusse foi seu
leal amigo até os dias da mortal agonia, Nilo Bruzzi, sempre mencionado
por Carlos Heitor Castelo Branco. Essa biografia escrita por Nilo Bruzzi
intitula-se O Último Petrarca. Salusse morreu vitimado pelo câncer, em 30
de janeiro de 1948. Não se casou, não deixou filhos. Mas meu amigo Carlos
Heitor Castelo Branco, à pág. 105 de seu livro, legou-nos estas filosóficas e
afetuosas palavras, tendo em conta que o poeta era um devotado leitor de
Machado de Assis, o nosso grande Bruxo do Cosme Velho: “O certo é que,
tanto Machado quanto Salusse deixaram filhos; filhos que não morrem e
que transmitirão, por séculos, o nome imortal de seus pais.”
Não é, senhoras e senhores, um grandfinale, um gracioso epílogo de
gala, digno de Machado e de Salusse?
OS CISNES
A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós, constantemente
um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vogamos indolentemente,
como dois cisnes de alvacentas plumas!
Um dia, um cisne morrerá, por certo...
Quando chegar esse momento incerto,
no lago, onde talvez a água se tisne,
– que o cisne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cisne.
Júlio Salusse