Maio, 2022 - Edição 279
Entrevista com Humberto Casagrande - Aprendiz, jovem, mercado de trabalho
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier: Hoje, com muito prazer, recebemos a visita do superintendente do CIEE de São
Paulo, Humberto Casagrande Neto. Ele tem um trabalho muito bonito dentro do sistema do CIEE, em
São Paulo, e fará uma série de sugestões que, certamente, serão aproveitadas pelo sistema.
Humberto Casagrande: É uma satisfação estar
aqui nesse prestigiado programa dirigido por uma
figura tão importante que tanto tem contribuído
para o Brasil como você e poder discutir um assunto
(aprendiz, jovem, mercado de trabalho) que é tão caro
à sociedade brasileira.
Arnaldo Niskier: E, por falar nisso, como vai a
contratação de aprendizes? Sei que existe uma ideia
de o governo ajudar na contratação. Gostaria que
explanasse um pouco como vai essa contratação de
aprendizes.
Humberto Casagrande: Felizmente, sentimos
uma retomada nas contratações nesse início de 2022,
porque a pandemia atingiu em cheio o mercado de
estagiários e aprendizes. Tivemos queda de 1/3 da carteira de aprendizes e estagiários, porque as empresas,
no caso dos aprendizes, retardaram a reposição nas
vagas e, no caso dos estagiários, deixaram de contratar.
Fazíamos, aqui em São Paulo, 30 mil contratos por dia.
Chegamos, logo no início da pandemia, a cair para 4
mil contratos, e agora já estamos na faixa dos 25 mil
contratos por dia, próximos a retomar a atividade
anterior à pandemia. Isso é uma coisa muito boa,
porque a aprendizagem, o aprendiz é a única maneira
do jovem trabalhar legalmente no Brasil. Não existe
nenhuma outra ferramenta legal que permita o jovem
menor de 18 anos trabalhar no Brasil. A aprendizagem
abarca um intervalo de 14 a 24 anos, então o Brasil
precisa desse potencial, dessa força de trabalho para
os jovens e levar um pouco de esperança para essa
juventude tão sofrida.
Arnaldo Niskier: Fala-se muito no estatuto do
aprendiz. Queria sua opinião a respeito. É fundamental que haja o estatuto do aprendiz?
Humberto Casagrande: Sim, esse estatuto vai
ser muito importante como novo marco legal para a
aprendizagem. As leis que foram feitas no início do
ano 2000 para o aprendiz deixaram muita coisa no
infralegal, ou seja, coisas que podem ser resolvidas
por Portarias, Decretos, então isso gerou uma grande
instabilidade no programa de aprendizagem. Troca-se
governo, troca-se ministro, troca-se secretário e cada
um dava uma canetada lá, alterando a quantidade de
horas que podia ser feita em ensino a distância, alterando regras que seriam aplicadas, mudando o cálculo
das cotas que pode ser mudado na forma infralegal.
Aí então vem o deputado Marco Bertaiolli, que era o
relator desse projeto. Uma pessoa muito dedicada ao
mundo dos jovens, muito próximo da comunidade, da
juventude e está relatando esse projeto, que vai fazer o
quê? Vai subir para lei vários pontos, como esses que
mencionei: quantidade de horas, ensino EaD, a forma
de abordar a aprendizagem. Assim, vai trazer uma
estabilidade maior nesse marco legal, possibilitando
que empresas, jovens, entidades formadoras e todos
saibam as regras e, a partir daí, possam fazer crescer.
Precisamos ir dos milhares para milhões. Hoje temos
500 mil aprendizes, no Brasil, e há 17 milhões de jovens
que precisam trabalhar. Então, vemos que acaba tendo
o aprendiz, o jovem de primeira classe e de segunda
classe. Os de primeira classe são aqueles que acessam
esses programas, tem a sorte (alguns acham até que é
ajuda divina) de conseguir ingressar nesses programas
e outros ficam de fora. Precisamos incluir mais gente,
aumentar o número de vagas e levar, como disse, essa
esperança e transformação na vida do jovem brasileiro.
Arnaldo Niskier: É vantajoso para a empresa
contratar aprendizes. Ela tem vantagens com isso?
Humberto Casagrande: Sem dúvida. Muitas
empresas costumam, às vezes, olhar para o aprendiz
apenas como obrigação (elas têm aquela obrigação
legal de fazer aquela contratação), mas se elas se
detiverem um pouco mais de tempo no assunto e
pensarem, existe uma série de vantagens. Em primeiro
lugar, ela vai trazer para dentro da empresa um jovem
antenado com as novas realidades do mundo: inserção
tecnológica, a nova maneira de pensar do consumidor,
aquela energia toda que o jovem traz, então isso vai
possibilitar a renovação da empresa. Toda empresa
que é permeável ao jovem se renova e se prepara
para o futuro. Segundo, existe um conjunto de benefícios para contratar aprendizes, os encargos sociais
são bastante reduzidos. Terceiro, é uma importante
política de recursos humanos, a empresa pode pegar
esses aprendizes, selecionar os melhores para virar
seus futuros funcionários, pode fazer uma espécie de
test drive, fazer uma seleção daqueles que melhor lhe
agrada, pode moldar (no bom sentido, não no sentido
de adestrar) esse jovem de acordo com as necessidades
da empresa, um novo talento. Então, vejo como muito
vantajosa e ainda, como efeito colateral, vai melhorar
o balanço social dessa empresa. Hoje falamos do ESG
(Environmental Social and Governance), governança, meio ambiente e a parte social. A empresa vai ter
esse benefício de estar melhorando seu quadro ESG,
tornando-se uma empresa moderna, com responsabilidade social, como efeito colateral do trabalho do
aprendiz. Então, vejo que o aprendiz é bom para a
empresa, é bom para o jovem e é bom para o país.
Arnaldo Niskier: Há uma ideia hoje vigente de
reforma do ensino médio. Fala-se muito que estamos
diante de um novo ensino médio com o fim da seriação, os livros didáticos teriam outra conformação.
Como fica o ensino médio com essa reforma?
Humberto Casagrande: Essa é uma grande
oportunidade para colocarmos em conjunto o novo
ensino médio e a aprendizagem. O novo ensino médio
prevê a dupla jornada, ou seja, os jovens estudarão
tanto de manhã quanto à tarde. A ideia é boa, ocupar
esses jovens, entretanto a dificuldade de implantação
é enorme, precisa-se de verbas, de professores, as
escolas têm que se adaptar. Também há uma menção
de que o ensino deve melhorar a empregabilidade dos
jovens. Então o que seria feito? No primeiro período, o
jovem teria aulas normalmente, como sempre teve, e
no segundo período, seja de manhã ou à tarde, trabalharia como aprendiz, então poderíamos buscar essa
conjugação de atividades. A reforma do ensino médio
prevê cinco itinerários e o jovem vai fazer a opção dele,
em qual itinerário quer seguir. Um desses cinco, que
é o chamado itinerário número 5, prevê a profissionalização, o trabalho técnico. Nesse itinerário 5, seria
acoplado o programa de aprendizagem. A escola, seja
particular ou pública, faria um convênio com entidades capacitadoras e o jovem seria, ao mesmo tempo,
um estudante do ensino médio num período e aprendiz no segundo período.
Arnaldo Niskier: Cite um exemplo de entidade
capacitadora, para que o público entenda bem o que
é isso.
Humberto Casagrande: Não posso deixar de
falar que o CIEE é uma das maiores entidades capacitadoras do mercado em termo de aprendizes. Não
tem só o CIEE, temos vários outros capacitadores. O
que fazemos? O aprendiz tem 20% do seu tempo na
formação teórica e 80% na empresa. Considerando os
cinco dias úteis da semana, um dia o aprendiz não vai
à empresa, vai a uma das salas de aula onde fazemos
a capacitação e, nos outros quatro dias, vai trabalhar
normalmente na empresa como empregado CLT que
é. Nesse dia que ele passa conosco, fazemos uma formação técnica básica para ele.
Arnaldo Niskier: Quais são os setores da economia em que há emprego maior de aprendizes?
Você tem isso de cabeça?
Humberto Casagrande: Sim. Hoje a maior parte
dos aprendizes estão no arco administrativo, vamos
chamar assim, que é aquele que trabalha no escritório,
trabalhando com RH, faturamento, contas a receber.
Isso inclusive é objeto de crítica das empresas, porque
gostariam que os aprendizes estivessem mais alocados
na atividade principal da empresa. Então, está havendo um deslocamento. No CIEE, por exemplo, criamos
o aprendiz do agronegócio, que está sendo uma maravilha. Criamos há pouco tempo e temos 5 mil aprendizes no agronegócio. O agronegócio está representando
26% do PIB, então temos que enxergar isso. A indústria
de transformação no Brasil, em 1986, era 27% do PB,
hoje é 11%, caiu para menos da metade. O arco administrativo é o principal que temos, seguido pelo arco
do agronegócio, o arco bancário e logística, comércio e
varejo. Esses são os que mais empregam. Mencionava
que, no Brasil, hoje 70% do PIB são serviços. Nosso PIB
mudou muito, hoje a indústria representa só 11% por
viés de baixa. O Brasil está passando por processo de
desindustrialização já há alguns anos.
Arnaldo Niskier: Você foi muito claro e mostrou a importância da adesão de todo esse processo
ao ensino técnico profissional. O Brasil fez uma
reforma na Lei, a Lei nº 5692, parecia que ia emplacar
o ensino técnico profissional e depois se viu que as
coisas não funcionaram bem. Agora, podem funcionar bem. Qual sua opinião?
Humberto Casagrande: Menos dos 10% dos
estudantes do segundo grau, do ensino médio, estão
no ensino técnico. É um número muito pequeno, precisamos prestigiar mais o ensino técnico, fazer crescer
o número de escolas, preparar melhor esses jovens...
Arnaldo Niskier: Aqui, no Rio, tem a antiga
Escola Técnica Federal, famosa, que depois se transformou no CEFET – Centro Federal de Educação
Tecnológica, mas tem uma tradição muito grande de
bons serviços prestados à educação.
Humberto Casagrande: Tenho certeza que
temos aí no Rio escolas ótimas e no Brasil, mas elas
são insuficientes. Então, a primeira porta de entrada
é o aprendiz, a segunda porta de entrada é a escola
técnica e a terceira porta, um estagiário. O estagiário
que adentra uma empresa passa a ser conhecido, tanto
estagiário do ensino médio quanto estagiário de ensino superior. O primeiro emprego está muito ligado a
essas três coisas. Tem que estar sempre.