Coração de Medusa de Renata Bomfim
Coração de Medusa (Editora do Autor, 2021) é a última obra poética de
Renata Bomfim, que pertence à Academia Feminina Espírito-santense de Letras, e
foi presidente na gestão de 2016-2018.
Renata Bomfim graduou-se em Artes Plásticas, mestra e doutora em Letras,
pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Especializou-se em Psicologia
Analítica Junguiana; Arterapia na Saúde e na Educação e em Psicossomática.
Gestora cultural e educadora socioambiental com foco na sustentabilidade.
Destaca-se, nesta autora, a sua preocupação pela leitura, pela escritura, pela
divulgação de obras literárias. Exemplo são as dedicatórias a escritor, as epígrafes
de suas obras e de poemas, e as citações de escritores no interior de poemas.
Suas obras são também marcadas pelos prefácios e posfácios, verdadeiras
críticas literárias, nas quais o leitor não pode deixar de ler para mergulhar no “coração” do “eu lírico” que assim explica em Coração de Medusa (p. 95): “O coração
que pulsa,/ O corpo que vibra, a despeito/ Da dor, da dor, dor... e do medo!/ Meus
poemas são, todos eles.” Logo, sua “verdade” está em sua poesia, em seus versos, na
comunicação que estes estabelecem.
Coração de Medusa, obra bilíngue, português/espanhol, traduzida pelo poeta
espanhol Pedro Sevylla de Juana, creio que a mais resenhada de suas obras, surge
num período da pandemia da Covid-19. O poema “O coração da Medusa” (p. 21),
que dá nome à obra, trata da entrega amorosa e da consumação do ato da entrega:
“A volúpia eternizada/ numa estátua de carrara.” Esse mito se repetirá em outros
poemas. Em “O silêncio da Medusa” (p. 47): “Incompreendida, só,/ mal vista e mal
dita, / Medusa guarda silêncio,/ já não necessita das palavras/ A pedra é consolo e
guarita.” O erotismo exala no terceiro poema desta obra, com 17 versos, na maioria,
heptassilábicos. Esse poema dá nome à obra, “O coração da Medusa”, p. 21, mas não
a representará em sua temática, pois esta é muito variada. O poema relembra uma
obra de arte da mítica figura de Medusa: “A volúpia eternizada/ numa estátua de
carrara” (v. 16-17).
Nessa obra, intensificam-se poemas eróticos e o aproveitamento dos mitos,
já ilustrados nas obras anteriores, e adentra-se na temática do feminismo, na
valorização da mulher, na transformação da mulher e da importância da escritora
(que mergulha os dedos “no abismo do tinteiro” (p. 23), que constrói “castelos com
palavras” (p. 42), e que leva outras mulheres a escrever, a modificar-se: “A sua pena
traçou a minha sina”, “[...] se minha avó me visse agora, /Quanto orgulho teria
da sua linhagem” (p. 23). Também surge na obra aumento da indicação de mitos
femininos: Circe, Penélope, Medeia, Salomé, Cleópatra, Medusa, Eva, Lilith, e se
acrescentam mitos literários: Florbela, Beatriz, Renata, ficcionada, mitificada – “[...]
Florbela e Renata./ A nova Eva, desbocada e louca,/ traz no céu da boca o mel, o
fel” (p. 18).
A obra se divide em quatro partes, todas com epígrafes: 1- Canto iniciático,
a epígrafe são versos de Piedra del Sol de Octavio Paz, seguidos de dez poemas; 2-
Queda, a epígrafe é formada de versos de Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor de Hilda Hilst, seguidos de dez poemas; 3- Ascensão com a epígrafe de
versos de Canto Cômico de Hernesto Cardenal, seguidos de onze poemas; 4- Outros
poemas não consta epígrafe, mas uma nota da autora explicando como e o porquê
foram gerados e fazem parte do livro. Era como se a autora tivesse necessidade de
um dizer mais de um desejo de “[...] ressoar a voz serpentina da Góngora” [... e que]
“Foi entretecido nas sombras de mim mesma, fio a fio... cada ponto uma busca,
cada busca uma surpresa, um vazio, uma saudade, uma esperança: medusa é a
sombra de Penélope” (p. 98). Os sete poemas desse acréscimo são construídos por
subdivisões.
O poema Litania à serpente ou a nova gênese (p. 17-18) dedicado às “mulheres desse novo mundo”, com 17 versos, apresenta um valor emotivo, sensorial em
estado abstrato. Os olhos maravilhados, espantados, do “eu lírico” assiste a um
encontro sigiloso do mundo e deseja renová-lo, e aumentar o amor, livrar-se “da
luz que cega e separa” (v. 24): “O mundo,/ Nave? Claustro? Túmulo?/ Espaço vazio e
nulo,/ esteriliza pelo horror, o absurdo./ [...]/ Preciso repovoar o mundo,/ dar novos
nomes a tudo e,/ para Eros, missão precisa:/ flechar a si mesmo!”