A “Semana de Arte Moderna Capixaba”

Pouca gente sabe (inclusive, no próprio Espírito Santo), mas, de 04 a 10 de fevereiro de 1963, teve lugar, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a “I Semana dos Novos”, com direito até a manifesto, organizada pelos jovens Claudio Lachini, Xerxes Gusmão Neto e Carlos Chenier, os principais expoentes do “Clube do Olho”. Controversa, a semana passou longe de criar novos paradigmas, como foi com o evento no qual ela se inspirou, a “Semana de 22”, mas teve, ao nosso ver, o condão de apontar uma mudança na direção dos ventos que sopravam sobre o fazer literário em terras espírito-santenses.

Os estudiosos da literatura brasileira produzida no Espírito Santo são unânimes em afirmar que a “Semana de Arte Moderna de 1922” não teve repercussão em Vitória, capital do Estado e celeiro da maioria dos movimentos artísticos capixabas. Mesmo a criação da Academia Espíritosantense de Letras, um ano antes, contou com poetas cujas obras refletiam o que ainda se produzia neste rincão: poemas rimados e milimetricamente metrificados, ao sabor de vanguardas que já perdiam força nos grandes centros. Afirmamos que, até a década de 1950, ainda havia muitos poetas capixabas neoparnasianos e neossimbolistas.

Não que não houvesse, no entanto, autores e autoras que já produziam o verso livre e branco, o poema e a prosa modernos. Gente do calibre de Haydée Nicolussi, mulher de vanguarda no Espírito Santo, ou mesmo Achilles Vivacqua, que estava entre os mineiros, já mostravam “modernidade”; Madeira de Freitas, o “Mendes Fradique”, capixaba radicado no Rio, lançaria seu romance Dr. Voronoff três anos antes de Mario de Andrade publicar o seu Macunaíma; e até Antonio Dias Tavares Bastos, campista de nascimento, mas capixaba de adoção, produzia seus versos em francês, em solo vitoriense, flertando com uma forma mais livre, menos presa à rigidez métrica.

Houve uma tentativa de se introduzir, no ES, o “modernismo antropofágico” nas nossas letras. Foi Attilio Vivacqua, irmão de Achilles e de Dora (a eterna “Luz del Fuego”), e então Secretário de Instrução do Governo de Aristeu Borges de Aguiar, juntamente com seu assessor, o jornalista Sezefredo Garcia de Resende, diretor de O Diário da Manhã e membro da Academia Espírito-santense de Letras, quem se aproximou dos “modernos”, tanto paulistas quanto fluminenses, num duplo afã: tentar botar em marcha seu projeto da “Escola Ativa”, que representava um programa modernista da literatura antropofágica; e contribuir para uma modernidade das letras capixabas. Para tanto, Attilio convenceu os “modernos” a transformar Vitória no palco de um “Primeiro Congresso Nacional de Antropofagia”, o que chegou até a ser anunciado na “Revista” de 1929, não logrando, no entanto, êxito: problemas pessoais como a separação de Oswald e Tarsila e, mais adiante, o movimento getulista fizeram com que o projeto jamais saísse do papel. Os poetas capixabas seguiam, em sua maioria, adeptos à poesia “tradicional”.

O advento da “I Semana dos Novos”, portanto, toma corpo muito após a “Semana de 22”. Quarenta e um anos depois, para ser mais exato. Seria, de uma certa forma, uma tentativa de “reproduzir” a semana de São Paulo, em solo capixaba, o que, por si só, já encerra polêmicas. Cláudio Lachini e Xerxes Gusmão Neto eram egressos da Faculdade de Direito da Ufes; tanto eles quanto Carlos Chenier eram jovens de esquerda, que viam neste movimento uma tentativa de “estremecer” as artes capixabas. A “Semana dos Novos”, no entanto, pouco ou nada “estremeceu”, de fato. Não houve, a rigor, uma “ruptura”, mas podemos admitir que alguma contribuição ficou na história da literatura do Espírito Santo.

Primeiramente, seu manifesto: há uma contradição interessante no documento, que, ao mesmo tempo em que funda uma agremiação (o “Clube do Olho”) e se põe, de certa forma, “antiacadêmico” (logo, “não tradicional”), tece loas ao que sobraria da “Academia Capixaba dos Novos” (ACN), criada em 1946 e já dando seu canto de cisne. Jeová Barros, seu último presidente, aliás, aceita uma aliança com os “modernos capixabas”, pondo fim à instituição e migrando para o “Clube”, junto com outros. A própria Academia Espírito-santense de Letras se dividiu entre os que repudiavam e apoiavam os meninos “modernos”. Destaque para a figura de Renato Pacheco, juiz, historiador, escritor e incentivador da literatura do ES. Pacheco, que fizera parte da primeira diretoria da ACN, colocou-se do lado dos “meninos”, junto com o Padre Franz Victor Rudio, que trabalhava no Departamento de Cultura da Ufes. Ambos foram responsáveis por apoiar o evento, que aconteceu na Faculdade de Filosofia.

Ferreira Gullar, Geir Campos e José Carlos Oliveira foram “anunciados” no manifesto. Nenhum dos três apareceu. Nem Carlinhos, que, à época, estava em Vitória, para lançar o seu “Os olhos dourados do ódio”. A semana, no entanto, aconteceu, com seus saraus, debates e exposições. Apesar de ser anunciada como “I Semana”, o evento não passou da primeira edição, transformando-se, em abril daquele ano, em um “Seminário Cultural da Juventude Capixaba”. Houve, também, a tentativa de uma antologia, que não saiu do papel. O advento da ditadura civil-militar de 1964 fez com que muitos desses jovens poetas ou deixassem o ES ou submergissem. A tentativa de fazer uma edição capixaba da “Semana de 22” não passou, portanto, de um ímpeto juvenil. Sua existência, porém, é uma prova de um modernismo, ainda que tardio, nas letras capixabas. Após aqueles agitados anos 1960 e nas décadas que se seguiram, o Espírito Santo viu nascer/acolheu uma série de escritores que trariam a marca da modernidade, culminando, vinte anos mais tarde, com uma geração de autores reconhecidos, até mesmo, fora do Estado (como, por exemplo, Bernadette Lyra, Reinaldo Santos Neves ou Waldo Motta). O “Modernismo de 22” pode ter levado décadas para amadurecer no ES, mas assim o fez. A iniciativa dos meninos “modernos” de 1963 entrou para a História.

Por Anaximandro Amorim - Membro da Academia Espíritosantense de Letras.