Vozes femininas de há muito
Enquanto as atenções se voltam avidamente para a busca de vozes exóticas
(providência, aliás, necessária para a renovação das ideias), podem perder-se outras,
tão interessantes quanto, e que podem ter algo de relevante a nos dizer. O fato é que, na
Literatura, a voz feminina vem de há muito, e mesmo se revelando ao longo dos tempos
em menor quantidade, nada fica a dever em termos de qualidade.
Tome-se o exemplo de autora hoje pouco conhecida, de família abastada, mas
que sofreu na pele de maneira intensa os problemas – sociais e políticos – da sua época:
Dona Leonor de Almeida de Portugal Lorena e Lencastre, que ficou na história literária
como Marquesa de Alorna. Seus escritos foram reunidos e comentados por Hernâni
Cidade, estando publicados em dois volumes da Editora Sá da Costa. Pelo conteúdo das
obras, fica-se a conhecer a expressão e o pensamento, lírico e político, de uma mulher
vivamente influenciada pelo espírito da época – a segunda metade do século XVIII,
quando as “Luzes” faziam ir abaixo o imaginário reinante, e a primeira metade do século
XIX, em que se viam em confronto as ideias de Tradição e de Revolução.
Presa desde tenra idade no bojo do célebre Processo dos Távoras, movido aos
pretensos autores do atentado ao rei D. José I, só com a morte deste foram-lhe abertos os
portões do cárcere. O tempo de clausura num convento – longos 18 anos – Leonor utilizou para se ilustrar, escrever, discutir ideias filosóficas e políticas, que lhe possibilitariam
intervir no intrincado quadro das relações políticas e diplomáticas que desaguariam na
invasão da Europa por Napoleão Bonaparte. Atividade esta que, adiante, a levaria ao
exílio na Inglaterra por quase dez anos.
Uma vida atribulada pelo ativismo político e as dificuldades do cotidiano, inclusive as de ordem financeira, não afastou de Leonor o cultivo do espírito – gosto que, a par
da queda natural, adquirira na clausura. Ali atraiu a atenção de árcades que, liderados
por Filinto Elísio, iam com ela dialogar por entre as grades do convento. Por essa época
recebeu o pseudônimo de Alcipe, e as suas Poesias de Chelas (do nome do convento onde
esteve encarcerada em Lisboa) colheram grande fama. Desta fase, diz Hernâni Cidade
que, “longe de repetir os temas gratos ao arcadismo em que é educada, os encontra no
drama da sua própria vida de enclausurada” (CIDADE, Hernâni. Marquesa de Alorna: