O vestido que não usei

Compramos um vestido azul com um discreto decote e uma altura razoável, para não desabrigar os joelhos nem deixar tudo impossível de ver. Ele foi comigo.
Tadeu sempre teve a paciência das horas e a delicadeza da compreensão das imperfeições do outro. Eu abracei a insegurança, desde sempre, e por isso me perdia nos medos das opiniões. Experimentei várias vezes. De vários tamanhos. De cores mais quentes até um branco que me pareceu um pouco demais para aquele dia. Tadeu olhava, concordava, e dizia, sem oferecer nenhuma falsidade, que eu estava linda. O azul era, de fato, o mais bonito.

O meu corpo nunca foi modelo para admiradores exigentes, era o que eu pensava até conhecer Tadeu. Os anos ao seu lado desobrigaram perguntas que eu, antes, fazia em excesso. Sei que a paz é mais uma conquista interna do que um oferecimento de algum alguém. Mas era ele um lugar de paz. Deixei manias de lado, aposentei ansiedades, entreguei o que podia para eternizar nosso amor. O tempo foi desmentindo os meus medos e provando que os seus defeitos não estavam escondidos. Simplesmente, ele era quem ele era.

Outras relações, antes de Tadeu, arranharam a confiança que se deve ter nos humanos. Eu era arredia. Medrosa de revelações. Cuidadosa no pisar em território aparentemente tão sagrado. Fomos vivendo e nos aconchegando no amor.

Um dia, ele me olhou com a mesma sinceridade e anunciou a partida. Um outro amor acendeu nele a paixão. Ouvi a despedida e chorei para dentro. Ele disse que jamais viveria uma mentira. Eu me debulhei em dor sem nada dizer. “Foi lindo”, foram suas duas últimas palavras e saiu. Saiu chorando. Por que saiu, então?

Poucos detalhes, em respeito a mim, deu ele sobre a nova mulher. As inseguranças todas saíram dos baús há tempos guardados. Sofri dias e dias aguardando um aviso de que se tratava de um pesadelo, apenas. Tadeu é bem mais novo do que eu. Conheceu ele uma mulher mais próxima de sua idade? Melhor não saber. O espelho que já tinha se feito amigo agora me avisava dos fracassos. O corpo imperfeito combinava com as imperfeitas rugas que me explicavam o fim da juventude.

Passei meu aniversário sem ele. Apenas um cartão com os dizeres: “O amor encontra novas formas de amar.” Entendi que era um pedido de amizade. Disse nada. Chorei relendo a sua letra que, em mim, escreveu, um dia, tanta felicidade. O tempo vai suavizando o triste ou o bonito e, em um dia comum, desabrochou, novamente, a demorada flor do amor. Felipe me quis na primeira noite. Artista das palavras, me emprestou novo sorriso. Curioso, mergulhou nos meus gostos, e me surpreendeu. Estamos juntos, há poucos meses. Ele ainda não me tem por inteira. Meus pensamentos divagam naquele homem perfeito que me deixou. Será ele perfeito mesmo ou será a distância um esconderijo de erros?

Passei todo esse tempo sem encontrar Tadeu. Encontrei-o exatamente no dia em que olhei para o armário e me lembrei de que nunca havia usado o vestido azul. Saí sozinha, procurando alguma paz para um dia tão quente. Felipe havia me pedido em casamento. Eu havia aceitado, cheia de dúvidas. Foi assim que vi Tadeu. Sem marcarmos dia ou lugar. Na caminhada. Ele chorou, enquanto dizia que era o céu que nos abrigava ali. Pediu perdão pela partida. Disse que precisava saber quem realmente amava e que, agora, sabia.

Nove meses se passaram daquele triste dia. Eu chorava, dessa vez para fora. Chorava e não conseguia dar nome, era tristeza, era alegria, era alívio? Apenas dei um abraço e o beijei no rosto. Nossas lágrimas se misturaram e eu vi um detalhe da dor descendo pelo vestido azul. Não posso falar em perdão, nunca consegui conviver com a raiva. Tive a dor da troca. A angústia do abandono. Mas a docilidade dele me impediu qualquer sentimento menor.

“Você não vai me dizer nada, meu amor?”, disse ele nas delicadas palavras tentadoras de uma nova história. Eu apenas autorizei o choro a prosseguir e prossegui pela calçada da minha vida. Enquanto ando, percebo as gotículas de dor secando em mim.

Por Gabriel Chalita