Abril, 2022 - Edição 278

Entrevista com Renan Ferreirinha - Programa reforço Rio da SME

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura



Arnaldo Niskier: Hoje vamos ouvir, com muito prazer, o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, professor Renan Ferreirinha. Ele é um estudioso da educação, é formado em ciência política e economia na Universidade de Harvard e tem feito um belo trabalho de renovação da educação na sua secretaria. Como estão as providências para a retomada do ritmo normal dos trabalhos na Secretaria Municipal de Educação?

Renan Ferreirinha: É importante deixar claro que estamos falando da maior Secretaria Municipal de Educação do Brasil em número de escolas próprias. Temos 1.543 escolas municipais na cidade do Rio de Janeiro...

Arnaldo Niskier: Diria a você que ouvi essa frase da professora Terezinha Saraiva, que foi grande secretária municipal de Educação também, mais de uma vez, e tinha muito orgulho dessa liderança da sua secretaria.

Renan Ferreirinha: A professora Terezinha é grande referência para a educação brasileira, educação carioca e é grande responsabilidade termos esse posto de maior rede municipal da América Latina em número de escolas. Temos essa quantidade de mais de 1.500, quase 700 mil alunos, inúmeros responsáveis e é uma rede muito especial, uma rede que tem uma sede de conhecimento, instituições que buscam sempre o aprendizado. A pandemia foi muito forte na educação. Precisamos reconhecer que uma tragédia silenciosa aconteceu na educação nesses últimos dois anos. Primeiro o poder público demorou muito para conseguir reagir. O poder público optou, e a sociedade brasileira também optou por manter as escolas fechadas muito mais tempo do que deveria. Não deveria e não poderia ter demorado tanto. As escolas são insubstituíveis na sociedade, até porque, se não for a escola é o quê? O que fica de alternativa para nossas crianças e jovens? Muitas vezes o que resta são caminhos indesejáveis, o caminho do trabalho infantil, da gravidez precoce, do poder paralelo, do tráfico. Não são os caminhos que desejamos para nossas crianças. O que desejamos é o caminho do conhecimento. A escola precisa estar funcionando e aqui, no Rio de Janeiro, colocamos como mantra que a escola deve ser a última a fechar e a primeira a reabrir durante esse processo. Começamos assim que assumimos, em janeiro de 2021, quando o prefeito Eduardo Paes volta para a Prefeitura e me convida para ser secretário de Educação. Começamos esse trabalho de retomada das atividades presenciais em segurança, com responsabilidade, investindo nas escolas, para que as mudanças na infraestrutura pudessem acontecer e as escolas tivessem sua infraestrutura de maneira adequada. Compramos insumos necessários e, acima de tudo, fazendo um grande programa de recuperação de aprendizagem, de reforço escolar. Isso é vital para que possamos sair desse momento tão complicado na educação.

Arnaldo Niskier: Esse reforço escolar já está sendo feito?

Renan Ferreirinha: Sim, temos o programa “Reforço Rio”, que inclui diferentes estratégias de reforço escolar. Há uma formação específica para nossos professores sobre o que deve ser uma aula de reforço, que não é como outra aula de novos conteúdos. Também temos, dentro da própria carga horária, maior disponibilização de estagiárias ou de pessoas ajudando nesse processo. Estamos passando pelo processo de contratação de mais estagiárias para ajudá-los e pela estruturação do contraturno, que é a expansão para alguns alunos que estão precisando mais. Essa necessidade ficou clara ao longo de 2021, para que consigam ter maior foco onde mais precisam e, para isso, precisamos conseguir fazer avaliações periódicas, que é o que conseguimos voltar a realizar. Todo bimestre temos avaliações de rede, não com intuito de sair ranqueando, comparando. Não queremos isso, o que queremos é saber onde que o aluno está tendo mais dificuldade e como nós, enquanto secretaria, profissionais, professores, conseguimos ser mais efetivos para corrigir essas lacunas de conhecimento.

Arnaldo Niskier: A expressão contraturno está muito em voga hoje em dia. Gostaria de um pouco mais de explicação sobre o que é o contraturno.

Renan Ferreirinha: Acredito muito numa educação integral, educação que ocupe o tempo inteiro do aluno. Particularmente tive minha vida transformada por oportunidades como essa, sou de São Gonçalo, periferia do Rio, fui estudar numa escola pública de qualidade, o Colégio Militar, que oferecia diferentes atividades no contraturno. O que é isso? Estudava pela manhã e, à tarde, tinha esporte, aula de xadrez, liderança, atividades comunitárias, grêmio estudantil. É movimentar a escola de forma que o aluno possa interagir, tanto pela manhã quanto à tarde, o máximo de tempo possível. Estamos trabalhando muito, no Rio de Janeiro, para atingir uma marca muito expressiva de educação de turno único, nossos alunos estudando durante a carga horária estabelecida tanto de manhã quanto de tarde. Hoje, em torno de 30% dos nossos alunos estão estudando turno único. Nossa meta é chegar até 2024 em pelo menos metade das nossas matrículas em turno único. Em relação aos outros alunos que não estão tendo essa possibilidade, precisamos avançar com as ofertas do contraturno, que é o turno em que o aluno não está estudando. Precisamos fazer com que o reforço escolar seja desejado pelas famílias e pelos alunos e utilizado por eles; e que nós, enquanto rede municipal, possamos oferecer isso com qualidade. É nosso grande desafio nesse momento de pandemia.

Arnaldo Niskier: Li outro dia no jornal Folha de São Paulo que o contraturno em São Paulo vai ser muito utilizado para o reforço nas aulas de Matemática. Você pensa em fazer algo parecido aqui, no Rio de Janeiro?

Renan Ferreirinha: Com certeza. Nossos dois grandes pilares de reforço escolar e pilares pedagógicos acabam sendo na Matemática e na leitura, na Língua Portuguesa. Na Matemática, além do reforço, criamos também a Olimpíada Carioca de Matemática, a OCM. Sou fruto dessas olimpíadas de Matemática. Fiz a Olimpíada Brasileira de Matemática das escolas públicas, que transformou minha vida, foi aí que comecei a conhecer pessoas de outros estados, a considerar alçar voos maiores, como estudar fora com bolsa integral, por necessidade financeira, que foi meu caso, quando fui para Harvard. Essas olimpíadas são muito importantes para conseguirmos expandir os horizontes dos nossos alunos. Criamos a OCM e, na primeira edição, tivemos mais de 300 mil alunos participando. Temos entre as premiações uma viagem para a Disney e para a Nasa, para os alunos mais bem colocados. São os filhos da escola pública, os filhos do asfalto, do povo, da periferia, de onde for do Rio de Janeiro, chegando na Disney, chegando na Nasa, sonhando grande. E, na parte de leitura, voltamos a ter parcerias muito estratégicas com diferentes eventos, cirandas pela nossa cidade. O maior destaque aqui para a Bienal, que voltou a ser uma parceira estratégica da prefeitura, através da Secretaria de Educação. Estamos fazendo agora também uma atuação muito forte com Escolas de Samba, através de festivais literários, tem a FLIPortela.

Arnaldo Niskier: A falta do carnaval atrapalhou seus planos?

Renan Ferreirinha: Não. Conseguimos organizar de maneira que fosse também culturalmente relevante para isso, para que a educação através da leitura conseguisse ter esse carro-chefe também nas nossas escolas, sem contar outros grandes parceiros. Estamos nessa cidade que, para a matemática, tem o IMPA, que é um dos principais institutos de Matemática do mundo e, na parte de leitura, temos a ABL – Academia Brasileira de Letras – que tem uma importância secular no nosso país e estamos conversando para parcerias muito importantes com a nossa rede.

Arnaldo Niskier: Isso vai acontecer, porque é bom para os dois. Bom negócio é quando é bom para os dois lados e, felizmente, esse é o caso. Queria que você contasse um pouco como foi sua experiência em Harvard. Não é todo brasileiro que tem esse privilégio de estudar em Harvard. Você fez dois cursos superiores naquela importante universidade americana. Como foi essa experiência?

Renan Ferreirinha: Primeiro foi uma mudança térmica muito forte, imagine eu, de São Gonçalo, quase a Bangu da região metropolitana, pegando 40º e indo para -20º, uma mudança de termômetro bastante significativa, mas foi uma experiência fantástica. Fiz amigos, estudei, na minha turma, na minha classe (que se formou comigo entre os 1.500, 1.600 alunos naquele ano que me formei, em Harvard) com alunos de mais de 75 nacionalidades. Estudava com americanos a amigos do Zimbábue, amigos de Cingapura ao Haiti. Então, essa experiência multicultural foi muito importante para mim. Também foi ali que tive uma exposição muito forte acadêmica a diferentes assuntos que passaram a ser prioritários para mim: ciência política, políticas educacionais, economia como um todo. Entendi que queria trabalhar com políticas públicas em educação. Quando falei para minha mãe (professora aposentada da rede de São Gonçalo) que queria trabalhar com educação, ela achou que isso queria dizer que eu seria professor.

Arnaldo Niskier: Você tem tido todo apoio do prefeito Eduardo Paes, porque ele pensa da mesma forma.

Renan Ferreirinha: Com certeza. Tinha encontrado o prefeito Eduardo Paes três vezes na minha vida, antes de receber o convite. Tínhamos uma relação de admiração, de muitas pessoas em comum. Quando ele me fez esse convite inesperado, naquele momento, fomos conversar e alinhamos também muito da nossa visão de educação, nesse momento de pandemia, até no que diz respeito à priorização das escolas, funcionamento das escolas, da criança, do aluno. Tem sido um grande prazer trabalhar com uma pessoa que é um grande gestor público, uma pessoa completamente apaixonada pela nossa cidade, um carioca nato que consegue fazer com que nosso Rio de Janeiro volte a sonhar grande, volte a dar certo.

Arnaldo Niskier: E acho que está conseguindo, porque a imagem dele, de modo geral, como prefeito é muito boa e sua ajuda no campo da educação tem sido fundamental. Na sua biografia, consta a expressão “Formigueiro”. O que quer dizer isso?

Renan Ferreirinha: Formigueiro foi uma experiência fantástica que comecei com alguns amigos, em 2013, que foi fruto de ações que já tínhamos, comunitárias, de trabalho social. Percebemos que várias organizações não tinham meios para conseguir arcar com as despesas pequenas e que precisavam de ajuda para financiar seus projetos. Definimos que queríamos criar a primeira plataforma de financiamento coletivo totalmente voltada para a educação no Brasil. Isso foi o Formigueiro, que durante três anos conseguiu financiar dezenas de projetos pelo país, ajudando projetos que precisavam de pequenas doações e tinham uma rápida execução e uma larga escala de impacto. Basicamente conectávamos, como toda plataforma de financiamento coletivo, projetos que precisavam de ajuda com pessoas que tinham sensibilidade com aquela causa. Foi uma experiência incrível, que me mostrou um pouco sobre empreendedorismo social, sobre a importância de boas causas e que me levou a atuar na educação de maneira muito ativa. Depois veio a macroeducação, mais voltada para políticas públicas e depois o discernimento. Mais do que influenciar quem segura a caneta sobre quais são os principais projetos que têm que avançar, por que não segurarmos a caneta? Por que não nos colocamos à disposição, como candidato, e aumentamos também esse nível de debate sobre a educação?

Arnaldo Niskier: A Ciranda dos Livros é um projeto muito bonito da sua secretaria que parece estar em vias de ser ressuscitado. Qual sua opinião a respeito?

Renan Ferreirinha: Esse é um dos projetos mais bacanas que fazem parte da nossa estratégia de fazer do Rio uma cidade de leitores. Acreditamos que isso é um pilar fundamental da nossa gestão, com a retomada da parceria com a Bienal, a Ciranda dos Livros, envolvendo a Academia Brasileira de Letras. Então, temos um trabalho de aproximar nossas crianças, nossos alunos para a prática da leitura. Todo carioca é convidado a ser um leitor, convidado a ser exposto a literatura nas suas diferentes formas. Estamos muito abertos a isso e acreditamos que o Rio tem muita vocação para ser uma cidade de leitores e liderar esse debate a nível nacional. Comparado com outros países, deixamos muito a desejar no que diz respeito à leitura. Temos que incentivar, expor nossos alunos a diferentes narrativas, diferentes opções de leitura, para que consigamos, acima de tudo, criar esse belo hábito que é ler. Lendo, viajamos, descobrimos, aprendemos e evoluímos.

Arnaldo Niskier: Educação de qualidade. O que é isso para você?

Renan Ferreirinha: Educação de qualidade para mim é uma educação que não abre mão de dois conceitos principais: a excelência, temos que nos nivelar por alto, a barra tem que subir; e a equidade, ou seja, ninguém pode ficar para trás. Numa rede como a nossa de 1.543 escolas, não adianta termos ilhas de excelência e escolas indo muito bem. A rede como um todo precisa avançar e, no nível da própria escola, é não deixarmos nenhum aluno para trás. É uma educação que envolve todos os alunos e cada um, com a sua especificidade, com a sua condição, desde nossos alunos que usufruem de educação especial, nossos alunos de altas habilidades, nossos alunos com suas diferentes aptidões, isso é muito importante. Essa é a grande tarefa, o grande desafio da escola pública: receber alunos de todas as condições, de todos os contextos sociais e entregar cidadãos preparados para a nossa sociedade, bem formados, com a base ética, com a base cultural, com a base educacional que possa fazer do Brasil o país que tanto sonhamos.

Arnaldo Niskier: É o que todos desejamos como educadores que somos. Você tem uma equipe muito boa, posso falar de cadeira, porque conheço muitas pessoas de sua equipe e sei da qualidade delas e, por isso, seus planos serão realizados, porque você tem equipe para isso. Sem equipe, não fazemos nada. Como você tem boa equipe, tenho certeza de que seus planos serão todos realizados com sucesso.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura