Uma casa pelos escritores
Sede do Vice-reino, capital do Império e da República, a cidade
do Rio de Janeiro abriga as principais associações culturais brasileiras:
por ordem de fundação, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(1838), a Academia Brasileira de Letras (1897) e o PEN Clube do Brasil
(1936). Saem das três, em vária medida, ideias, proposições e realizações
imprescindíveis para o que em termos de cultura se produz entre nós.
Cada qual revestida dos seus propósitos, reunindo peculiaridades de funcionamento e características de atuação, ao longo do tempo
juntaram-se às suas fileiras homens e mulheres que contribuíram para
conformar a ideia que hoje fazemos de nós mesmos. De fato, a primeira
– criada como uma especialização da Sociedade Auxiliadora Nacional –
veio catalisar a atividade de prospecção e escrita da história nacional;
a segunda, reunindo homens de letras de várias tendências e visões de
mundo, catalisou a ideia de união em torno da cultura letrada; a terceira,
congregando escritores interessados na sobrevivência mesma da atividade, fez-se um local de amparo à ideia de liberdade de expressão.
Sobre o PEN Clube, registrei, no meu Breves Notas Quase-literárias
(2019), trecho que reproduzo: “Da Praia do Flamengo, abre-se aos olhos
vista apaixonante, de lá da varanda. Uma ex-residência, num décimo
primeiro andar, abriga a sede da associação. Aliás, a única associação
de escritores no Brasil de caráter internacional. E prossegue a nota: “De
fato, o PEN Clube do Brasil é a sucursal brasileira do PEN Internacional
– este, inicialmente um clube londrino, no melhor estilo dos clubes
londrinos – hoje dedicado a, para ser sucinto, velar pela liberdade de
expressão ao redor do mundo.”
Associação nestes moldes já havia sido tramada pelo acadêmico
Ribeiro Couto (autor de Cabocla), mas a fundação deveu-se mesmo a
ação do acadêmico Cláudio de Souza, que inclusive lhe legou bens pessoais. Paulistano, médico de talento, genro do Barão do Socorro, Cláudio
de Souza abandonou a medicina e a cátedra na Faculdade de Farmácia
para dedicar-se às letras. Teatrólogo e escritor, conquistou prêmios literários ao longo da carreira. Flores de Sombra, de 1916, será talvez sua
peça de maior repercussão.
Mas o legado mais visível é a associação. Sobre ela, o volume
organizado com esmero por presidente que tempos depois sucedeu
a Cláudio de Souza, o também teatrólogo e escritor Cláudio Aguiar,
reproduz texto revelador dos propósitos que moviam o fundador: “Seu
(do PEN Clube) fim é congraçar os escritores, defender-lhes os direitos,
dirimir-lhes as divergências e bater-se pelo respeito às obras de pensamento como patrimônio da humanidade” (AGUIAR, Cláudio. PEN Clube
do Brasil: 80 anos. Rio de Janeiro: Batel, 2016).
Nunca terá sido fácil, presentemente também não o é. A liberdade de expressão, algo de diáfano, sem o concurso do bom-senso (eis aí
tentativa de limitação!) mostra-se difícil de exercer descuidadamente.
Mesmo entre escritores. Em tempos de redes sociais, em que opinar é
quase sinônimo de existir, a banalização da opinião serve a muitos propósitos, nem todos eles negativos, como se parece supor. Que a ideia de
congraçamento se difunda pelos novos meios de exercer a liberdade de
expressão é algo que a todos deveria inspirar o exemplo da nossa quase
nonagenária associação, verdadeira casa pelos escritores.