O Anjo

Passeando pela Floresta da Tijuca, João percebeu que aquele graveto tinha uma cor diferente, uma espécie de brilho. Apanhou o graveto e viu que cintilava. “Que coisa curiosa”, pensou. Ele nunca tinha visto um objeto tão comum irradiar uma luz assim tão intensa...

No caminho para casa, viu que um cachorro ia ser atropelado. Sobressaltado, ele desejou que o carro parasse. O carro parou, instantaneamente. O cachorro veio e fez festinha, agradecido, abanando o rabo. Chegando em casa, encontrou a pilha de pratos sujos na pia. Desejou que já estivessem limpos. No mesmo segundo, lá estavam os pratos limpinhos, reluzindo. “Mas isso é incrível! Fantástico! Extraordinário!” João ficou excitadíssimo.

Nos cinco minutos seguintes, havia uma bolsa com dez milhões de dólares no chão da sala, uma passagem para dar uma volta ao mundo em primeira classe (só para não ter trabalho de ir comprar), um equipamento de som e TV de última geração, uma piscina no quintal, um Porsche na garagem e vários vizinhos enciumados e muito curiosos. Foi quando o anjo apareceu. “Desculpe, mas acho que você encontrou meu bastão mágico de justiça?” “Eu?? Não, não encontrei nada não. Bastão mágico?? Não vi não...”

O anjo apenas olhou para João com aquela cara angelical que só os anjos sabem fazer. “O problema é o seguinte: cada vez que você usa o bastão para uma finalidade que não seja justa, morre uma criança no mundo. Ou, para ser mais exato, ela deixa de nascer.”

João não sabia o que dizer. Ele pensou que o mundo não precisava de mais gente, que a reprodução humana era uma atividade puramente recreativa de qualquer maneira, que aquele anjo estava inventando histórias ou que poderia solicitar outro graveto no departamento competente. Como sempre acontece quando a gente abre a boca sem saber o que dizer, ele disse a primeira bobagem prática que lhe ocorreu. “E será que dá para eu ficar com as coisas que já estão aqui em casa?”

O anjo fez aquela cara que os anjos fazem para dizer “não” de forma condescendente. E se foi num raio de luz, levando tudo consigo… Até o Porsche.

Além da decepção, o mais difícil para João foi explicar para os vizinhos e para a polícia o que tinha acontecido. A experiência o transformou. Ele passou a passear na Floresta da Tijuca todos os dias, olhando com muito cuidado para o caminho no chão e para o céu. E passou a pensar de um jeito muito diferente nas crianças que nasciam a cada dia.

Por Jonas Rabinovitch - Arquiteto urbanista e Conselheiro Sênior da ONU para Inovação e Gestão Pública em Nova York.