Março, 2022 - Edição 277
Entrevista com Merval Pereira - Desafios da democracia
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier:
Hoje, com muito prazer, recebemos a visita
do novo presidente da
Academia Brasileira de
Letras, o escritor Merval
Pereira. Quais são seus planos mais imediatos para a presidência da Academia?
Merval Pereira: A Academia está num momento
muito bom, o momento de recomeçar o trabalho presencial, recomeçar seu ciclo de seminários. Temos, este ano,
muitas efemérides para comemorar: o centenário da semana de Arte Moderna, o bicentenário da Independência, o
centenário do Darcy Ribeiro, 125 anos da Academia, que é
o principal da nossa programação. Estamos programando
muitas coisas, inclusive algumas diferentes. Por exemplo,
uma das coisas que estou combinando com nosso confrade
Geraldo Carneiro é aproveitar a volta da visita guiada, que
foi suspensa na pandemia. A ideia é fazer, em homenagem
aos 125 anos da Academia, um pequeno esquete de teatro
aproveitando os móveis do Machado de Assis, que temos
em exposição, e fazer uma pequena peça de teatro sobre a
história da Academia. Estamos começando a criar isso. Nos
125 anos, vamos convidar algumas Academias nacionais,
estaduais e, se conseguirmos, a Academia portuguesa e a
francesa. A portuguesa, porque é a nossa coirmã, e a francesa, porque é o nosso espelho, fomos fundados baseados
na Academia Francesa. Estamos programando uns dois,
três dias de seminário sobre a língua portuguesa, sobre
a importância das Academias. Acho que vai ser uma boa
programação.
Arnaldo Niskier: E haverá recursos financeiros
para isso tudo?
Merval Pereira: Conseguimos equilibrar as finanças da Academia, na gestão do Marco Lucchesi, estamos
bem novamente, no azul, e temos muitos patrocínios.
Conseguimos um patrocínio da Vale, por exemplo, que é
para fazer a digitalização dos nossos documentos. Foi um
financiamento muito importante e acho que conseguiremos patrocínios para essas comemorações especiais.
Arnaldo Niskier: Ouvi dizer que você obteve uma
boa quantia da Light.
Merval Pereira: A Light já fez um acordo conosco,
para retomarmos o prêmio Machado de Assis. Este ano já
concedemos o prêmio para o escritor Ruy Castro. Por dez
anos, a Light vai patrocinar esse nosso prêmio, que é tradicional, o mais importante da literatura brasileira.
Arnaldo Niskier: O que representa, para a
Academia, a entrada de cinco novos acadêmicos, como
está acontecendo agora?
Merval Pereira: É a primeira vez que isso acontece
no mesmo momento, em seguida. Tudo foi por causa da
pandemia, quando foram acumulando essas vagas. Foi um
momento muito bom para a Academia escolher, nesses
cinco novos acadêmicos, representantes de várias categorias culturais.
Arnaldo Niskier: A diversificação foi grande.
Merval Pereira: Foi grande e foi importante, porque
temos a música, representada pelo Gilberto Gil; o teatro,
representado pela Fernanda Montenegro; a medicina, pelo
Paulo Niemeyer. São todas tradições da Academia, e o escritor e jurista José Paulo Cavalcanti. Teremos agora, na quinta
vaga, dois escritores e filósofos disputando com um grande
jurista. É uma diversidade muito grande, que corresponde
à diversidade que buscamos na Academia.
Arnaldo Niskier: Claro. Quem pensa que a
Academia é só escritor está equivocado. A Academia também são notáveis. Em várias categorias culturais, notáveis
estão sendo eleitos e empossados, a partir de março.
Merval Pereira: Você tem razão. Essa é uma história
que foi debatida, na inauguração da Academia, há 125 anos.
Houve um grande debate entre Machado de Assis e Joaquim
Nabuco sobre quem seriam os acadêmicos. Machado era a
favor de serem literatos, escritores e Joaquim Nabuco achava que deviam ser os notáveis, também fora da literatura, e
prevaleceu a ideia dele, prevalece o tempo todo.
Arnaldo Niskier: Você trabalha no rádio, na CBN,
na televisão, na Globo e nas suas afiliadas também, e
acaba de escrever mais um livro. Gostaria que nos dissesse
alguma coisa a respeito desse novo livro.
Merval Pereira: Esse livro tem uma origem interessante. O Moacyr Scliar, a quem sucedi na Academia
Brasileira de Letras, me cobrava sempre que publicasse um
livro com ensaios e artigos que não fossem dedicados ao
dia a dia da política, que fossem dedicados a debates conceituais. Quando comecei a fazer essa coluna, há 18 anos, a
minha ideia era essa, fazer uma coluna que não se limitasse
a cobrir só o dia a dia da política. É claro que há momentos
em que você não pode sair dele, não tem jeito, mas procuro sempre abordar temas mais amplos, como liberdade
de expressão, temas econômicos, política internacional.
Então, esse livro tem essa característica. Selecionamos as
colunas, desde o início até hoje, que tratavam de assuntos
que dão debate sobre conceitos de democracia. O nome do
livro é Desafios da Democracia. Analiso a primavera árabe,
por exemplo. Há vários artigos e ensaios sobre a primavera
árabe e sobre a liberdade de expressão – a importância do
jornalismo e da independência da imprensa para a democracia, outro assunto que está muito debatido no livro. São
temas que não se limitam ao dia a dia, são colunas que
levam para uma discussão mais ampla de conceitos dentro
da democracia.
Arnaldo Niskier: Você escreve diariamente ou escolhe uma hora do dia para escrever alguma coisa? Como é
que funciona sua criação?
Merval Pereira: Geralmente começo a escrever às
18h, mas passo o dia escrevendo na minha cabeça, passo
o dia lendo, conversando, porque uma das minhas preocupações é exatamente não repetir o assunto que vai estar
no jornal do dia seguinte, tentar fazer com que a coluna,
a partir de um fato do dia a dia, seja original, tenha uma
evolução de pensamento para além do fato. Então, almoço
com alguma fonte ou telefono ou fico lendo, mas é o dia
inteiro pensando na coluna. Isso é inevitável, mas, quando
me sento para escrever, já tenho um caminho pronto e é
mais fácil.
Arnaldo Niskier: É uma responsabilidade terrível
escrever praticamente o editorial de um jornal da importância de O Globo e fazer isso sistematicamente. É uma
responsabilidade que cai sobre seus ombros e que se
desincumbe muito bem, porque faz muito sucesso.
Merval Pereira: É duro mesmo, mas o país também
é muito pródigo de temas e de assuntos, infelizmente...
Arnaldo Niskier: Temos um presidente que não
deixa cair a peteca, está sempre agitando e movimentando as coisas de tal maneira que não falta munição para
alimentar sua apreciada coluna. E rádio? Você também
gosta de rádio.
Merval Pereira: Todo dia, CBN com Carlos Alberto
Sardenberg, é um programa já muito tradicional, já tem
muito tempo. É bom, porque o Sardenberg é um craque não
só no rádio, como na análise política. Escolhemos os temas
que vamos abordar com base no que está acontecendo e
é uma conversa de dois especialistas na área, então fica
muito fácil, muito boa de fazer. E acho que é boa de ouvir,
porque é uma conversa que tem muita informação.
Arnaldo Niskier: Você ganhou o Prêmio Maria
Moors Cabot, que é um dos mais importantes do jornalismo no mundo, concedido tradicionalmente pela
Universidade de Columbia. E você ganhou, em grande
estilo, em 2019. O que representou esse prêmio para você?
Merval Pereira: Foi importantíssimo, porque, como
você disse, não é um prêmio pontual por uma reportagem
ou por um livro, é o prêmio pela carreira, pelo trabalho
desenvolvido. Sendo o principal prêmio do jornalismo
mundial para a América Latina, é uma honra receber um
prêmio desse. Passei o ano de 2008 nos Estados Unidos, em
Nova Iorque, acompanhando a eleição do Obama, e fui professor visitante de Columbia nesse período. Depois disso,
recebi esse prêmio e, realmente, é um reconhecimento da
sua carreira. E isso me fez muito feliz. É como a eleição para
a Academia Brasileira de Letras. São muitos os jornalistas,
você, por exemplo, entrou como jornalista e como educador. Há vários jornalistas que são escritores. Agora entrar
como jornalista pura e simplesmente é uma chancela...
Arnaldo Niskier: O Austregésilo de Athayde, que foi
presidente da Academia durante mais de 30 anos, prezava
muito a condição de jornalista dele. Ele era jornalista e
se orgulhava disso. De maneira que, quando podia, naturalmente prestigiava a escolha de outro jornalista. Você
particularmente não trabalha a vida toda em O Globo, trabalha boa parte da sua vida no maior jornal do país, mas
foi também da revista Veja, trabalhou em outros veículos.
Como foi essa experiência?
Merval Pereira: Comecei a trabalhar em jornal aos
17 anos. Estava fazendo vestibular, tinha que arrumar um
emprego e não tinha nenhum tipo de atração por nada.
Gostava muito de ler, escrevia, fazia crônicas, para mim
mesmo. Tinha um grupo de amigos, conversávamos muito
sobre literatura e o único lugar que me pareceu possível
foi o jornalismo. Gostava de escrever, de ler e fui fazer um
estágio no jornal Diário de Notícias, que tinha sido um
grande jornal, muito importante e estava muito decadente.
Fiquei uns meses lá, acabei saindo, porque descobri que o
meu editor não recebia salário há quase um ano, ele vivia
vendendo anúncio. O jornal estava muito ruim, muito mal.
Saí e acabei indo para O Globo. Entrei em O Globo em 1968,
com 18 anos, tem mais de 50 anos. Peguei uma fase do
jornal de muita modernização, entrei em 1968. A partir de
1970, entrou o Evandro Carlos de Andrade para assumir a
redação e passou a fazer uma verdadeira revolução no jornal. Virou um grande jornal, grande empresa...
Arnaldo Niskier: Curioso que o Evandro foi homem
de jornal (eu o conheci bem, porque fomos colegas de
colégio, no Colégio Vera Cruz, e o irmão dele também,
Fernando), mas depois se destacou na televisão, fez um
trabalho notável na TV Globo. Você acompanhou isso
também?
Merval Pereira: Fui dirigir a redação de O Globo,
substituindo o Evandro, que tinha ido para a TV Globo. Foi
um momento de mudança no jornalismo da TV Globo, em
que o Evandro teve muita importância, como teve na reformulação de O Globo. Foi fundamental a mudança que ele fez.
Arnaldo Niskier: E ele tinha o prestígio absoluto do
Dr. Roberto, que gostava muito dele.
Merval Pereira: E os filhos também. Então, acompanhei essa trajetória toda de O Globo. Quando entrei, não
tinha O Globo no domingo, era o Jornal do Brasil, que era o
grande jornal de domingo, e O Globo na segunda-feira era
o grande jornal de esportes. Isso foi evoluindo e acabamos
dominando o domingo, dominando o mercado carioca. Saí
de O Globo três vezes. Uma vez, para ir para a Veja; outra
para ir para o Jornal do Brasil; e uma vez para estudar fora.
Ganhei uma bolsa e fui estudar, na Universidade Stanford,
“política internacional”, fiquei um ano lá e foi um ano muito
bom para mim, muito produtivo. Tive, portanto, a capacidade de acompanhar a evolução da imprensa brasileira,
porque O Globo foi o primeiro jornal a se profissionalizar
realmente de maneira organizada. O Jornal do Brasil era um
jornal muito importante, que já tinha certos parâmetros,
inclusive para o profissionalismo. Tinha um grupo de repórteres especiais, que era o grande sonho de todo mundo, que
ganhava um bom salário, fazia as matérias mais importantes. E O Globo foi se adaptando a essa nova realidade e se
transformou num exemplo de empresa jornalística moderna, com participação no lucro dos empregados, dos jornalistas e todos os demais funcionários. É um jornal que tem
metas a serem atingidas anualmente, inclusive na redação.
Então, foi uma revolução realmente na imprensa brasileira.
Hoje, a Folha de São Paulo também fez uma revolução no
jornalismo com o seu projeto editorial. Trabalhei na Veja no
auge, quando era dirigida por José Roberto Guzzo e por Elio
Gaspari, foi o grande período da Veja. Tive a sorte de estar
no lugar certo na hora certa.
Arnaldo Niskier: O que esperamos é que, com sua
boa estrela e o bom profissional que você é, isso tudo se
transforme em ações concretas em favor da Academia
Brasileira de Letras, que é uma instituição poderosa,
importante e que merece todo o apoio para que se desenvolva e ajude a cultura do nosso país a crescer também.
Desejamos de coração que você, que agora assume a
condição de presidente da Academia Brasileira de Letras,
com esse brilho tradicional, faça pela Academia tudo que
é possível para que ela se desenvolva cada vez mais.