Fevereiro, 2022 - Edição 276
Entrevista com Ancelmo Gois - Trabalhar no que gosta cansa menos
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier: Estamos recebendo, com muita
honra, o jornalista sergipano Ancelmo Gois. É difícil catar
notícias para sua coluna de O Globo?
Ancelmo Gois: No mundo de hoje, há uma overdose
de informação. Não estou falando do ponto de vista qualitativo, mas do ponto de vista quantitativo. É uma loucura. Você
realmente é bombardeado por uma quantidade de informação imensurável. Antigamente, o jornal The New York
Times se orgulhava de dizer que, numa única edição de seu
jornal, tinha mais e diversificadas informações do que um ser
humano do século XV ou XVI poderia absorver. E estamos
falando ainda de uma época pré-internet. Da mesma maneira que, na história do Brasil, contamos do século do ouro,
do século da cana de açúcar, estamos vivendo, na minha
opinião, os tempos da informação.
Arnaldo Niskier: O que a 5G pode representar para o
jornalismo brasileiro?
Ancelmo Gois: Representa uma velocidade infinitamente maior, mais do que velocidade, facilidade, incluindo
novas fronteiras, cidades da fronteira ali da Colômbia, cidades da fronteira da Venezuela. Vamos botar mais pessoas
habilitadas a digerir informação, devolver informação numa
velocidade ainda maior, num padrão de qualidade visual
ainda maior.
Arnaldo Niskier: Certamente isso vai ajudar a educação.
Ancelmo Gois: Esse mundo digital é avassalador,
onde passa ele leva. É difícil você olhar hoje a área do conhecimento humano em que o mundo digital não chegou e
causou grandes alvoroços: positivos em uns, negativos em
outros. Acho que a digitalização do mundo é uma coisa
inexorável e não dá para perceber com clareza onde isso vai
parar, quem disser que sabe está mal informado. Na maioria
dos lugares, é coisa boa; em outros lugares, já não é a mesma
coisa. Por exemplo: temos aqui no Rio de Janeiro a sede da
Vale, grande mineradora brasileira. Ela, antes da pandemia, ocupava quinze andares no prédio anexo à Fundação
Getúlio Vargas, na Praia de Botafogo. Estão devolvendo sete
andares. O que vão fazer com esses oito andares? Não vão
demitir ninguém, é o projeto, mas farão com que uma parte
trabalhe em casa e deixarão alguns andares como um lugar
aberto para reuniões. Você está trabalhando em casa, mas
você, de sua área, precisa ter uma reunião presencial, entra
no aplicativo e diz: “Queria, na quinta-feira, uma sala no
prédio.” Acho isso tudo bonito, maravilhoso, mas ao mesmo
tempo fico temendo (talvez seja uma coisa de velhice, me
desculpe) pelo cara que vende cafezinho ali ao lado. Quando
você tira daquela região sete andares entupidos de gente,
você está tirando muito comércio local.
Arnaldo Niskier: Claro, tem que pensar no conjunto.
Ancelmo Gois: Acho que o maior desafio do Paes é
devolver vida ao centro do Rio. Hoje, 1/3 daqueles imóveis
estão à disposição para locação ou venda. Vamos botar
gente para morar lá, mas essas coisas não são fáceis, não são
garantidas.
Arnaldo Niskier: Será que é uma boa ideia?
Ancelmo Gois: Estamos vivendo a verdadeira era
da incerteza. Mas é comovente, é interessante, ninguém
morre de tédio, todo mundo tem que se adaptar de alguma
maneira, mas ainda tenho muitas dúvidas sobre como vai
abrigar... Por exemplo, hoje nos Estados Unidos... Outro
dia estava lendo uma matéria com a qual fiquei encantado,
era o seguinte: há uma situação de pleno emprego, em que
pese boa parte da sociedade americana estar trabalhando
em casa. Então, para mim, é a melhor notícia do mundo,
todo mundo bem, inclusive quem fosse em uma loja do
McDonald’s fazer uma ficha de emprego ganhava 50 dólares.
Isso é uma maravilha. Agora não sei quando você transplanta
isso para uma realidade como a nossa, porque somos vários
países em um só. Temos gente de todo tipo: grandes médicos, grandes arquitetos, grandes professores, mas temos
também grande massa de gente. Enfim, não sei como isso vai
acomodar a sociedade brasileira.
Arnaldo Niskier: Essa é a sua curiosidade como jornalista e é a minha também como jornalista. É um privilégio
trabalhar no O Globo, o maior jornal do país e com repercussão extraordinária. Você tem esse prazer com a atividade
que exerce de estar trabalhando no jornal O Globo?
Ancelmo Gois: Com certeza. A primeira coisa que
acho é assim: trabalhar no que você gosta cansa menos.
Exemplo: uma coisa é você dirigir um carro se não gosta
de dirigir. Se dirigir meia hora, está cansado. Se um amigo
seu gosta de dirigir, dirige cinco horas e parece que acordou
agora, está bem. Então, gostar do que faz, isso vale para qualquer profissão, é meio caminho andado, ao lado de outra
coisa que é a humildade. Se você tiver humildade, vai crescer.
Mas, voltando ao O Globo, tenho quase 50 anos de jornalismo aqui no Rio de Janeiro. Tenho quase 20 anos de Globo e
fiz os primeiros 30 anos da minha profissão no Rio fora de O
Globo. Jornal do Brasil, Veja... Tinha dúvidas, porque era uma
grande novidade e, na verdade, era o seguinte: nesses 30 anos
anteriores, trabalhei praticamente com as mesmas pessoas.
Mudava de emprego, mas não mudava no meu entorno, o
que me dava um conforto muito grande...
Arnaldo Niskier: Você está falando do Informe JB?
Ancelmo Gois: Isso. Estava trabalhando com o
Marcos Sá Corrêa, Roberto Pompeu de Toledo, Flávio, estava
trabalhando com os de sempre. Lá no O Globo, conheci o
Merval, ele foi editor de política da Veja numa época em que
eu trabalhava lá, então tinha uma relação pessoal com ele,
mas não conhecia mais ninguém e fui muito bem recebido.
Fui tratado, como se diz lá na minha terra, “a pão de ló”, sempre muito bem tratado, sempre muito respeitado, sem ter
dificuldade de fazer a coluna. A coluna é um negócio assim
de umas 8 mil notas por ano, então é evidente que você
comete erros, é evidente que você tropece, num universo de
8 mil e com a pretensão que tem a Coluna de ser, não ter um
assunto só. Quando você só cobre política, é mais fácil você
entender aquele mundo, porque só é um mundo, mas falar
desde mulata a artistas... São muitos mundos para um ser
humano conhecer só. E, nessas horas de dificuldade, sempre foi uma relação, digo a você com a maior tranquilidade,
muito respeitosa, até às vezes diferente, mas respeitando,
porque é aquele negócio do poeta lá: quando a alma não
é pequena, vale a pena. Quando você está jogando o jogo
direito, não está a fim de esculhambar, está a fim de fazer um
trabalho sério, pode errar, mas está de boa fé no jogo, é tudo
mais fácil. Encontrei boa fé e acho que eles encontraram em
mim também, jogando muito limpo.
Arnaldo Niskier: Você admite que erra de vez em
quando?
Ancelmo Gois: Pela diversidade de assunto, é impossível. Você vai aprendendo os truques. Por exemplo: você
sabe que, para notícias envolvendo a área financeira, tem
que pesquisar mais de uma vez, porque evidentemente,
mais ontem do que hoje, esse tipo de notícia desestabiliza,
provocaria, em tese, corrida bancária, provocaria estragos
enormes.
Arnaldo Niskier: Isso não é bom.
Ancelmo Gois: Não é bom. Vou confessar algo aqui
muito claramente. Adoro o Ziraldo e, para a literatura infantil
brasileira, não conheço ninguém que tenha contribuído
tanto no livro infantil como ele. Tinha que dar uma nota dele
e tinha uma foto recente que ele não estava bem de saúde (o
que também é normal, com todos nós vai acontecer isso),
mas não publiquei. Por que não publiquei? Porque não
publiquei, não queria...
Arnaldo Niskier: Você resolveu não publicar.
Ancelmo Gois: Publiquei a informação, mas não
publiquei a foto dele, porque achei que não deveria. Quero
que as pessoas guardem sempre uma outra imagem. Sabe
o que estou falando? Você vai aprendendo a manejar, não
estou dizendo que você não erra, mas vai aprendendo os
truques. Vai aprendendo, por exemplo, que o Antônio Carlos
Magalhães era a grande fonte do Brasil, que não lhe botava
em fria, e que outros que estão aí podem lhe botar em fria,
podem jogar uma casca de banana para você escorregar.
Então, é uma relação que você vai aprendendo. Acho que
você termina estabelecendo relações de confiança múltipla.
Você vai aprendendo, ainda assim erra, mas vai aprendendo
quem são as pessoas...
Arnaldo Niskier: Você se dava com o também sergipano Joel Silveira? Ele escrevia muito bem.
Ancelmo Gois: Gerações diferentes, muita coisa em
comum, ele foi presidente... Antigamente, em Aracaju, cidade pequenininha, tinha lá o Colégio Estadual, que é o Pedro
II daqui. Aliás era o único colégio público da cidade e o Joel
foi presidente do grêmio, eu fui presidente do grêmio...
Arnaldo Niskier: Você tem admiração pela educação?
Ancelmo Gois: Evidente que tenho e acho que a
educação poderia estar mais no centro de debate no Brasil,
se não fossem as confusões do país, a inflação... Era muito
amigo do professor Mário Henrique Simonsen. Toda primeira terça-feira do mês, comíamos um macarrão juntos.
Ele gostava de educação, como gostava de tudo, tinha uma
inteligência brilhante, chegou até a ser o primeiro presidente
do Mobral, que era um programa de alfabetização de adultos. Uma vez ele mostrou, por exemplo, como o Plano Real,
que é de 1994 e acabou com a inflação muito alta, mudou
a cara do noticiário brasileiro. As pessoas comprovam o
jornal, ligavam o rádio ou viam televisão e se interessavam
principalmente pelas questões econômicas, por exemplo:
o salário mínimo vai aumentar tanto, o aluguel de casa vai
ser tanto, a caderneta de poupança esse mês vai ser tanto.
Acho que poderíamos (não sei se é um mea-culpa da mídia)
ter dado mais espaço a educação, que merece, como dão a
média da imprensa internacional, poderíamos dar mais relevância a esse tema, todas as plataformas, se não tivéssemos
um país tão complicado. Esse negócio da pandemia (aí já é
um problema mundial)... Evidentemente que 10%, 15, 20%
do espaço jornalístico no mundo inteiro é dedicado à pandemia. Então, se tinha na agenda inicial falar da educação,
diminui. Esses temas mais polêmicos, sensacionais, Fla x Flu
terminam dominando a pauta. Na minha modesta opinião,
visto o que aconteceu comigo nos últimos 50 anos, a educação é uma das vítimas do jornalismo que fizemos, envolvido,
naturalmente, de coisas do dia a dia...
Arnaldo Niskier: Qual a notícia sobre educação que
você gostaria de dar na primeira página de O Globo?
Ancelmo Gois: Gostaria que a educação pública...
Gostaria que a educação que tive com meus professores, o
meu prazer eu tivesse. Em Sergipe, estudei no curso clássico.
Tínhamos um clube de geologia, fundamos e existe até hoje
a arcádia cultural do Colégio Estadual de Sergipe. Eu era o
árcade de José Lins do Rêgo, defendi uma tese sobre José Lins
do Rêgo, num curso clássico. Tinha aula de latim, de francês,
de inglês, de humanidade. Tive professores maravilhosos.
Arnaldo Niskier: Cuidava-se de cultura como nunca.
Ancelmo Gois: Sergipe é a terra do Tobias Barreto e
do Sílvio Romero. Fizemos uma Biblioteca Tobias Barreto no
nosso colégio, tinha jornada de geologia...
Arnaldo Niskier: O Tobias Barreto nunca esteve no
Rio de Janeiro. Ter a cultura que teve e usar essa cultura
como usou na literatura brasileira sem nunca ter estado
na capital do país, que era o Rio de Janeiro. Qual a notícia
que você gostaria de dar brevemente no O Globo? “Acabou a
pandemia” seria uma?
Ancelmo Gois: Seria ótimo, mas gostaria que o país
fosse mais justo, que fosse igual para todo mundo.
Arnaldo Niskier: Para isso, era preciso que houvesse
emprego para todo mundo. Em última instância, que haja
justiça social, todos ficaríamos felizes e muito felizes.