A atualidade da Semana de Arte Moderna

“Seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulista.” Foi assim que o pintor Di Cavalcante, um dos artistas que expôs sua obra na polêmica Semana de Arte Moderna, descreveu o evento artístico e cultural que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. A proposta, que completa um século este mês, era apresentar uma nova estética artística para todos os campos das artes.

Era a elite paulistana quem formava a plateia do belo Teatro Municipal para participar dos eventos da Semana de Arte Moderna. Acostumados à estética da Academia francesa e à poesia rigorosamente metrificada, vestiam-se elegantemente para assistir as apresentações musicais de Heitor Villa-Lobos e Guiomar Novais.

Na contramão do que desejava a burguesia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Menotti Del Picchia, Di Cavalcanti, Anita Malfatti e outros jovens artistas brasileiros estavam convencidos de que era preciso mudar o jeito de fazer arte no Brasil. Os ventos da modernidade chocaram a plateia do teatro lotado.

Ronald de Carvalho declamou em alto e bom som o poema Os Sapos, de Manuel Bandeira, que criticava o gosto da refinada poesia parnasiana.

O evento buscou implementar novos processos na confecção das artes, o que causou a estranheza de imediato. Nos dias seguintes, os jornais registravam aquele evento como uma “verdadeira falta de respeito à gente tão refinada, à nata da sociedade paulistana, acintosamente agredida por aquele bando de loucos futuristas” (denominação que se dava aos modernistas na época).

Um dos principais objetivos do movimento era o rompimento com a estética da arte acadêmica, especialmente do parnasianismo. A informalidade, o improviso e a liberdade de produção tornaram-se regra da arte moderna, de modo a romper o formalismo das artes até então vigentes



O momento

A Semana de Arte Moderna ocorreu no ano do centenário da Independência do Brasil. O mundo assistia ao fim de uma grande guerra. Tudo se renovava nas estruturas mentais e políticas da sociedade. A ocasião motivou alguns dos artistas a repensarem a identidade nacional e a buscar algo mais brasileiro.

Considerado um divisor de águas na cultura brasileira, a defesa de um novo ponto de vista estético e o compromisso com a independência cultural do país fizeram do modernismo sinônimo de “estilo novo”.

O festival incluiu exposição com cerca de 100 obras, aberta diariamente no saguão do Teatro Municipal de São Paulo, e três sessões lítero-musicais noturnas.

Os artistas, influenciados pelas vanguardas europeias e pela renovação geral no panorama da arte ocidental, uniram esforços para apresentar suas produções ao grande público. Apesar da força literária do grupo modernista, as artes plásticas eram a principal base do movimento.

A principal função da Semana de 22 para a história da arte brasileira foi romper o conservadorismo vigente no cenário cultural da época. Não havia um conceito que unisse os artistas, nem um programa estético definido. A intenção era destruir o status quo. E eles conseguira

Comemoração

A programação para comemorar o centenário da Semana de Arte Moderna de 22 inclui vários eventos culturais, entre exposições, audiovisuais, lançamentos de livros, dança, música, debates, palestras e outros eventos. O Governo de São Paulo lançou o grande projeto “Modernismo Hoje”, uma ação coordenada pelas secretarias de Cultura e Economia Criativa e de Turismo. Uma agenda com mais de 100 iniciativas, de julho de 2021 a dezembro de 2022 (18 meses), celebram o legado. Sessenta instituições, corpos artísticos, espaços e programas culturais participarão das comemorações, entre as quais, citamos:
– Exposição Candido Portinari, um Mestre da Pintura – Coletânea Virtual no Museu Casa de Portinari, com tecnologia de realidade aumentada reunindo a vasta produção do pintor (13 de fevereiro a 22 de agosto de 2022 – Brodowski/SP).
– Exposição e debates “Modernismo Brasileiro, Design e Arquitetura – 1922 e Depois (?)” no Museu da Casa Brasileira, sobre o pioneirismo modernista de designers que atuaram no período da Semana de 22 e a continuidade desses ideais na produção contemporânea (1° trimestre de 2022).
– Exposição e programação cultural “SP Vinte e Dois” no Museu da Língua Portuguesa sobre identidades nacionais e regionais na literatura, à luz do modernismo e da relação centro-periferia em São Paulo (abertura exposição 11 de junho / programação cultural fevereiro a setembro de 2022).
– Exposição e programação cultural “De 1822 a 1922: Brasilidades em Campo” no Museu do Futebol (25 de janeiro a junho de 2022).
– Exposição “Acervo Modernista” na Pinacoteca de São Paulo, com obras de artistas modernistas do acervo da instituição (Até dezembro de 2022).
– Festa literária “Língua SP” no Museu da Língua Portuguesa, com literatura, gastronomia, moda, artes plásticas, tecnologia e música com temática alusiva à Semana de Arte de 22 e seus protagonistas (16 e 17 de julho de 2022).
– Série de concertos “Clássicos Modernistas”, com a execução pela Osesp na Sala São Paulo de 100 obras de compositores influenciados pelo modernismo (março a dezembro de 2022).
– Ciclo de leituras dramáticas “Modernistas na Mesa” na Oficina Cultural Oswald de Andrade, com obras clássicas e contemporâneas de dramaturgos que tratam o modernismo em seus textos (abril a junho de 2022).
– Batalha de poesia “Slam de 22” na Biblioteca de São Paulo, com oficinas preparatórias e uma apresentação durante o centenário da Semana de 22 (outubro de 2021 a fevereiro de 2022).
– Reedição ampliada do raro livro de Mário de Andrade O Movimento Modernista, organizado pela Casa Mário de Andrade (Lançamento em 27 de fevereiro de 2022).
– Lançamento de seis livros (Editora Companhia das Letras) que refletem sobre o legado modernista, do qual Oswald de Andrade (1890-1954) é um dos maiores representantes:
De Oswald, autor do Manifesto antropofágico e Manifesto da poesia pau- -brasil, a editora vai lançar o romance Serafim Ponte Grande – como parte de um projeto, iniciado em 2016, que vai reeditar toda obra do escritor paulistano – e seu Diário Confessional, no qual acontecimentos pessoais se misturam com reflexões sobre filosofia, literatura e arte.
Outro nome do modernismo brasileiro, Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), está presente na iniciativa: “Parque industrial” (1933), da escritora que ficou conhecida como Pagu, analisa a dura realidade da classe operária de São Paulo.
A obra “Modernismos / 1922-2022”, organizado por Gênese Andrade, reúne 29 ensaios sobre os antecedentes e desdobramentos das várias formas de expressão do movimento. E ainda “Modernidade em preto e branco”, de Rafael Cardoso, investiga o florescer – e as várias tensões – do movimento no Rio de Janeiro.
A importância da moda é analisada no livro O Guarda-roupa Modernista, onde Carolina Casarin mostra que a forma de se vestir dos protagonistas do movimento, com destaque para o casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral (1886- 1973), fez parte de um calculado gesto de afirmação.

Por Manoela Ferrari