Novembro, 2021 - Edição 273

Tempo – O senhor das ações

Parece que foi antigamente, mas foi ontem, em 1891, data de seu ritual fúnebre, pois a esteira do tempo metamorfoseia valores éticos, a tornar vil a cultura e a memória, que se esvaem pelos escaninhos do esquecimento societário.

A ralé da República das Alagoas – até parece uma sina –, de cores florianísticas e deodorenses, que vicejam até hoje, emerge sob o manto republicano, a valorar o desdém pela tradição e pelos processos educativos de qualidade. Quadro de Dom Pedro II, exilado em França, em 1891. (Acervo do Museu Imperial em Petrópolis).

Registram-se 132 anos do exílio imposto ao monarca D. Pedro II, embarcado às pressas no navio Alagoas, em 17 de novembro de 1889, rumo à Europa, a fim de a República poder locupletar-se com o processo mandamental.

Relembra Arnaldo Niskier, um dos expoentes do ensino brasileiro, que o jovem monarca, em 01 de janeiro de 1843, numa de suas Falas do Trono, foi imperativo ao afirmar: “Nasci para consagrar-me às letras e às ciências.” Afinal, D. Pedro II falava português, alemão, inglês e francês; estudara sânscrito, latim e grego; cursara Humanidades e tivera professores intelectualmente multifacetados. Seu pai e antecessor, D. Pedro I, mais tarde D. Pedro IV, em Portugal, já em 1824, propusera a criação de escolas de primeiras letras em todos os vilarejos da nação brasileira com a garantia de ensino gratuito, aspiração jamais alcançada.

A visão humanística de D. Pedro II acompanhou-o até nas reuniões noturnas a bordo do Alagoas, fruto de sua extraordinária erudição, quando falava acerca da educação no Brasil, resquício de seu aprendizado junto ao seu tutor José Bonifácio de Andrada e Silva, à sua aia Mariana de Verna (Condessa de Belmonte e verdadeira mãe de criação) e ao negro Rafael, veterano da Guerra Cisplatina, amigos fidedignos de Pedro I, e que forjaram e aprimoraram a gigantesca vocação educacional do órfão.

Ao olhar o continente Brasil pelo calidoscópio da temporaneidade, constata-se que a educação nacional regrediu com relação aos patamares de adequação às realidades tecnológicas e desenvolvimentistas do mundo moderno. Uma minoria seleta estudava Medicina em Montpelier, na França; outra falange era encaminhada à Universidade de Coimbra, a fim de aprender o universo do Direito. Os seminários, verdadeiras forjas humanísticas, a feitio do Seminário de Olinda, começaram a declinar, até nossos dias, gerando uma diminuição dos corpos docentes com qualidade.

O bacharelismo inócuo, voltado aos mestrados, doutorados e pós-doutorados de meandros filosóficos e similares, de inconteste ausência de efetividade laboral e tecnicista, tem seus licenciados a medrarem pelas ruas à busca de empregos, senão pela luta de um serviço público caótico e defasado da realidade trabalhista de um mundo em convulsão.

A atividade de Uber e congêneres, específicas de motoristas e motociclistas, são ocupadas por advogados, filósofos, bacharéis de cursos aleatórios, sem perspectivas de ganho rentável. A educação no Brasil está defasada há um século da realidade mundial, e permanece à busca de cabides de emprego no caótico serviço público, onde a meritocracia não é valorizada.

A repetência é considerada inaplicável, a gerar bacharéis de duvidosa qualificação e a inverter o vértice piramidal do valor do ensino, inclusive para ingresso na Suprema Corte, em que são necessários notável saber jurídico e ilibada vida pregressa. Muitas universidades não deveriam ser fabriquetas de diplomas!

A Alemanha crê em institutos federais, em think thanks, em centros de excelência da gnose humana, voltadas a qualificar mão de obra consentânea com a inteligência artificial. O Programa Internacional de Avaliação de Ensino – PISA, inserto na OCDE, colocou o Brasil na 5ª posição do ranking mundial de leitura no âmbito das escolas particulares, enquanto as escolas públicas ficaram na 65ª posição, entre 79 países avaliados. Vivemos dias pandêmicos e irreais, à mercê do incognoscível!

Por José Carlos Gentili , jornalista.