Janeiro, 2022 - Edição 275
Paris é uma festa móvel e deslumbrante
Há sessenta anos, Ernest Miller Hemingway dobrava os sinos da literatura e da
história. Em dois de julho, sob o signo de Câncer, o lendário escritor usurpou anos de sua
vida com a mesma coragem com que viveu.
A intensidade dessa existência é recontada em Hemingway e Paris: um caso de
amor (Editora Gryphus, 2021, segunda edição), um livro “mui” particular de Benjamim
Santos, fluente narrador, visceral conhecedor da alma e do estilo parisienses e o mais
profundo legatário brasileiro da cosmovisão de Hem, como carinhosamente elege
Ernest nesta bela, vasta e rica evocação sobre o fértil e o singular amor que permaneceu
registrado na mobilidade do tempo entre Hemingway e Paris, em romances, contos,
reportagens, missivas e nas memórias contidas em Paris é uma Festa, que aborda a sua
juventude na Ville-Lumière.
Paris, cidade cuja ambiência exalta, em si, charme, grandiosidade, cultura, arte e
beleza. Terá Hem aprendido a amar com os parisienses? Paname, que possui o símbolo
mágico para os amantes, misticamente uma urbe contempladora da sedução. Paris do
encantamento e dos parigots, mas também uma capital metafórica e misteriosa na vida
de Hem.
Hemingway é cultuado por sua trajetória mítica. Desde a infância era afeito às
armas, às caçadas de animais silvestres, ao boxe, à pesca e amava gatos. Possuía porte
físico de homem resistente e valente, que apreciava uma boa bebida com álcool.
Hem fez a vida como jornalista profissional e, sobretudo, como escritor: contista,
romancista e poeta.
Seus livros jamais saíram de catálogo no mundo inteiro, sendo um best-seller com
O velho e o mar (Prêmio Pulitzer, de 1953, que lhe rendeu também o Nobel de Literatura
no ano de 1954) e Paris é uma Festa (esse vendeu milhares de exemplares em novembro
de 2015, quando une ilustre dame teve o delicado gesto de colocar um exemplar da obra
entre as flores e as velas acesas, na calçada da casa de espetáculos Bataclan, onde noventa pessoas haviam sido mortas pelo atentado terrorista de fundamentalistas islâmicos).
Hemingway está presente, sempre esteve, eis a verdade. Certamente, é o escritor
mais amado de todos os tempos e o mais reconhecido e homenageado. É aquele que
exerce deslumbramento e move paixões.
É nome de um asteroide, que orbita o sol, o 3656 Hemingway. É um prato gastronômico dos mais pedidos no restaurante La Closeriedes Lilas, o Filé Hemingway. Batiza
o bar do Hotel Ritz, o Bar Hemingway.
O Harry’s Bar, na romântica cidade italiana de Veneza, faz parte do cenário narrativo de Hem.
Todos os anos, no mês do nascimento e da morte de Hem, em julho, acontece o
Festival Hemingway, em Key West, na Flórida, quando é escolhido o sósia do ano pela
Sociedade de Sósias de Hemingway.
Hemingway é uma categoria de bêbado, dos mais resistentes, daqueles que não
ficam ébrios após ingerirem uma garrafa de uísque.
Seus livros foram incinerados pelos nazistas na Alemanha, em 1933. Alguns lugares que Hem frequentava em Paris, Veneza e Havana tornaram-se pontos turísticos a
partir de seus livros.
Benjamim Santos oferece em vinte e um capítulos um mergulho extraordinário e
inesquecível pelo universo de Hemingway, através das veias abertas pelo próprio escritor
no velho Paris, dentre os anos de 1921 a 1959.
Hem esteve pela primeira vez em Paris na Guerra, em 1918, enquanto a cidade
estava sendo bombardeada pelos alemães. Retornou na década de 1920, nos chamados
anos loucos, quando Paris se refazia, com centenas de homens feridos e marcados pela
guerra, uma geração perdida.
Hem também passou por Paris no entre guerras, com a cidade já apaziguada e já
sem aquela multidão de americanos, quando a caminho do continente africano.
Uma vez mais, desembarcou em Paris, nos anos 1940, na festa da Libertação de
Paris, quando nascia o Existencialismo, bem como por lá esteve pela última vez na paz
dos anos 1950.
A dicção em primeira pessoa confere ao livro intimidade. Mais do que uma
biografia entrecortada pelas paisagens seculares de Paris, esta peça é um relicário fiel
de impressões, de sentimentos, de exaltações, de leituras e de releituras, de registros
sociológicos e hagiológicos.
Benjamim consegue ainda realizar um apanhado historiográfico da própria cultura dos anos vinte, trinta, quarenta e cinquenta do século vinte, com análises comparadas sobre a literatura e sobre a sétima arte.
Esta segunda edição de Hemingway e Paris – um caso de amor, ampliada com
fotografias e caprichada pelo selo da Gryphus, nesta época em que se registram cronologicamente os sessenta anos da ausência física de Hemingway, é um notável acontecimento que evidencia a elegância e a sutileza das anotações ímpares do flanar de
Benjamim Santos sobre o requinte e o esplendor de Paris, com a eternidade e a bravura
humana do inesquecível Hemingway.