Janeiro, 2022 - Edição 275
Entrevista com gilberto Gil - Imortal
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier: Hoje, poderia dizer que se
trata de um programa especial, porque se refere
a uma figura extraordinária da cultura brasileira,
cantor, compositor, homem de letras. Gilberto
Gil foi eleito agora para a Academia Brasileira de
Letras. O que representa para você a entrada para
a Academia Brasileira de Letras?
Gilberto Gil: Ainda há pouco, conversando com um
amigo aqui em casa, ele me perguntou: “Qual a maior motivação para sua chegada à
Academia, o seu estar lá, a sua vida agora com essa
nova dimensão no seu dia a dia?” Disse: “Acho que
a coisa mais interessante é encontrar essas pessoas
que estão lá, esses homens, essas mulheres, esses
criadores. Alguns já estão idosos, como começo a
ser agora, outros mais jovens.” Então, a grande alegria,
a grande satisfação é poder agora privar dessa
condição, desse convívio, retomar com muitos de
vocês contatos que foram mais vivos, mais intensivos em outras
épocas das nossas vidas. Vou reencontrar, na verdade, pessoas que são importantes,
que têm um papel na vida da cultura brasileira. Essa
é a principal motivação mesmo.
Arnaldo Niskier: Você venceu o escritor
Salgado Maranhão, por 21 a 7, foi uma vitória
muito bonita e certamente memoráveEntrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futural. Agora você
vai ter uns três meses para preparar o discurso e
colocar o fardão em ordem, demora uns dois, três
meses para ser feito. Você está muito emocionado
com essa oportunidade?
Gilberto Gil: Tenho a impressão de que tenho
que guardar no meu interior um espaço para essa
emoção, que vai chegar efetivamente naquele
momento dela. Hoje faço questão de não antecipá-la, é uma coisa que temos que guardar para
aquela hora, aquele momento que vai chegar daqui
a alguns meses. Vou ter a oportunidade de vestir
o fardão agora, de verdade. Vesti o fardão fantasia,
quando fui fotografado para a capa do meu disco
da Tropicália pelo David Zingg, que era um grande
fotógrafo, mas agora vou vestir a indumentária oficial.
Arnaldo Niskier: Você é autor de mais de
seiscentas músicas na cultura brasileira. Isso é
inédito, é um número bastante expressivo. É uma
emoção especial chegar a esse número na cultura
brasileira?
Gilberto Gil: É uma conta que dá conta de
uma acumulação de trabalho, de atenção, de visão,
de cuidados com o gosto popular, com a língua
brasileira, com o espírito da nação. Tudo isso está
no meu trabalho, está nas canções e elas foram se
acumulando. São canções de amor, são canções de
preto ao sentimento da nacionalidade, são canções
ligadas às visões de mundo, aos contrastes entre as visões de mundo.
Arnaldo Niskier: Você fala em língua brasileira, você acaba de voltar
de uma vitoriosa excursão em Portugal. Será que eles ficariam felizes
de saber que você fala na língua brasileira ou na língua portuguesa?
Gilberto Gil: Um garoto de 10 anos agora,
ali ao lado de Cantanhede (pequena cidade portuguesa que dá o nome a uma de nossas queridas
repórteres), estava brincando com meu neto que
nos acompanhava na excursão. Num determinado
momento, ele perguntou ao meu neto, se queria que
ele falasse em brasileiro.
Arnaldo Niskier: Na Academia Brasileira de
Letras, existe o auditório Raimundo Magalhães
Júnior (que tive o privilégio de batizar quando
estive na presidência da Casa de Machado de Assis)
e você realizou um show memorável nesse auditório. Você tem lembrança desse fato?
Gilberto Gil: Sim, lembro muito bem, já
era presidente naquela ocasião o Marcos Vilaça.
Reinaugurava-se o teatro, que tinha passado por
uma reforma, e houve o convite para que eu lá
comparecesse, fizesse uma apresentação, cantasse
algumas coisas e fui com muita satisfação. Lembro
também que foi nessa ocasião que alguns dos nossos (agora) colegas sugeriram muito levemente a
possibilidade de que, em algum momento, eu viesse
a pleitear... Essa ideia, esse sentimento de acolhida
por parte da Casa de Machado é uma coisa que
já vem povoando minha vida, mas aquele foi um
momento muito especial, porque foi o primeiro
momento que, na verdade, tive um convívio, ainda
que breve (por duas ou três horas), mais direto com
uma parte significativa do corpo da Academia.
Arnaldo Niskier: Lembro bem, foi um show
espetacular, memorável sobre todos os aspectos.
Você é muito confundido, às vezes, com Caetano
Veloso. Você é uma espécie de irmão em carreira
do Caetano Veloso. E agora, como vai ser? Você vai
trazer o Caetano para a Academia também?
Gilberto Gil: No sentido da qualidade, do trabalho, da
importância do trabalho em todos esses
aspectos, do manejo da língua, do manejo do linguajar popular que é típico da canção popular e até
em alguns outros, o Caetano deve ter naturalmente uma precedência em relação a mim mesmo. Isso
é absolutamente sincero, é uma percepção verdadeira que tenho em relação aos valores, até porque,
como você disse antes, somos irmãos.
Arnaldo Niskier: E o Chico Buarque, como é que fica?
Gilberto Gil: Esse é outro que mencionaria.
Poderíamos considerar em relação a ele uma precedência no sentido da reunião de todos os méritos
para estar numa Casa como a Academia. Como
depende da vontade, do impulso, da vontade pessoal de cada um deles, sei que assim como eu tive
suaves acenos por parte de alguns acadêmicos lá
atrás no sentido de que eu me dispusesse a fazer
parte da Casa, eles também já tiveram, tanto o
Chico quanto o Caetano.
Arnaldo Niskier: O caso do Chico convém
falar aqui. Ele atribui à aversão do pai dele, o escritor Sérgio Buarque de Holanda, à ideia da imortalidade. Como o pai não quis ser da Academia e
teria esse direito pela carreira bonita que teve, o
Chico diz que não quer, porque o pai não queria.
Como lidamos com esse argumento?
Gilberto Gil: Não sei, é algo difícil, de foro
absolutamente íntimo, pessoal. É uma grande dificuldade. Como convencer alguém como o Chico
com o grande balaio, cesto de méritos que o qualificam indiscutivelmente para ocupar uma cadeira da
nossa instituição?
Arnaldo Niskier: Você já imaginou uma
Academia que tenha entre seus membros Gilberto
Gil, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso,
fora os que já estão lá brilhando? Acho que podemos sonhar com essa presença ilustre. Você tem
uma carreira internacional. Você acha que, com
essa ida para a Academia Brasileira de Letras, pode
ativar mais ainda a construção de novas letras
para o mundo internacional?
Gilberto Gil: Espero que sim, que o convívio
com os poetas, os letristas... Temos o Paulo Coelho,
que teve papel importantíssimo na atualização do
texto da canção popular com um trabalho indiscutivelmente interessante e outros poetas, como
Antonio Cicero, que tem experiência já bastante
considerável.
Arnaldo Niskier: Na comemoração da sua
vitória, Antonio Cicero era uma das pessoas mais
felizes daquela noite. Estava feliz da vida como se
fosse vitória dele, pessoal.
Gilberto Gil: É um colega muito próximo,
muito íntimo, amigo, quase parente. Ele é de uma
família a qual pertence uma das minhas ex-esposas,
a Sandra Gadelha, que é aparentada com a família
do Cicero. Temos laços de amizade por essa via
familiar também e o coleguismo natural da militância na época do tropicalismo, naquele impulso pela
renovação do modo de tratar a canção popular no
Brasil... Secchin, que é um poeta importantíssimo, o
Nejar também importantíssimo. Espero que tenhamos interação nesse sentido, nessa provocação que
você fez.
Arnaldo Niskier: Você tem boa lembrança de
seu tempo de ministro da Cultura?
Gilberto Gil: Tenho, sim. Primeiro, porque
fazíamos parte de um governo que, de certa forma,
reativava interesses coletivos no Brasil, estabelecendo uma visão popular, republicana, de democracia,
de pluralidade, de diversidade. Nesse contexto de um governo desse tipo, com esse perfil, que fui
escolhido ministro da Cultura. Tive, na medida do possível, os recursos mínimos necessários para
exercer um trabalho, fiquei ministro mais ou menos seis anos no primeiro mandato. Tivemos oportunidade de estimular o governo e a sociedade brasileira
a prestar maior atenção nas transformações tecnológicas que estavam chegando com impacto muito
grande no mundo das comunicações, no mundo da criação artística, literária etc. Era o momento em
que a internet chegava, a banda larga. Havia necessidade de que o governo investisse na infraestrutura
da formação da rede brasileira de internet, através da implantação da banda larga mais extensivamente possível no país. Nós, no Ministério da Cultura,
batalhamos fortemente nesse sentido, criamos programas que dotavam comunidades variadas no
Brasil inteiro de equipamentos, computadores, que pudessem qualificá-los ao uso intensivo da internet.