Dezembro, 2021 - Edição 274

Tempo das frutas

As árvores aqui estão floridas, um novo tipo de beleza se assentou, beleza em cores no meio da vegetação ressecada. As mangueiras se carregam de frutos verdes que bebem o sol e amadurecem. Bananeiras derramam cachos pequeninos. As frutas do calor se aprontam. Nosso pomar aqui em casa é ainda uma criança, plantamos uma mangueira-moscatel, coqueiros, pés de tangerina, jabuticaba, limão, pitanga, seriguela, banana, abacaxi, abacate, goiaba, falta replantar mamoeiros e um pé de acerola. Tenho o sonho de cultivar uma figueira, adoro figos, os mais doces comi nas areias de Aquiraz.

Enquanto espero meu limoeiro crescer e dar frutos, vamos ganhando limões dos vizinhos. Também mangas, bananas, limão siciliano... Nosso centenário cajueiro está florido, frutifica loucamente, a areia amanhece cheia de cajus caídos e os sabiás-da-praia, que não são bobos, bicam as delícias. A vizinha sabe que gosto e me manda bacias de cajus do seu cajueiro-anão. Nunca tomei tanto suco de caju, jamais comi tanto doce de caju e trato de aprender receitas de moqueca de peixe com caju, ou croquete de caju. Os cajás ao pé da cerca estão de vez, todos de olho neles: soins, passarinhos, besouros, eu, o jardineiro... Outro dia fomos ao assentamento da reforma agrária colher uma fruta desconhecida: cajarela, uma novidade sertaneja. Vou ganhar uma muda e plantar aqui, nem sei onde, não tenho mais espaço.

Nos dias que vem o caminhão de frutas, corro para comprar mamão, melão, maçã, pera, laranja, uva... Difícil viver sem frutas. Fui criada comendo-as no pé, eram jabuticabas nas fazendas mineiras, goiabas do quintal, roletes de cana, ou soltavam a criançada no pomar de mangueiras do clube, subíamos nos galhos, eu chupava mangas até doerem os maxilares. Eram docinhas.

Mas doces, mesmo, são as frutas aqui no Ceará. O sol do sertão desperta sua doçura, talvez a falta de chuvas, ou os ventos, talvez a cor do céu, talvez o luar sertanejo... Meu pai, engenheiro agrônomo, dizia que a doçura das frutas nordestinas se deve à refração da luz, à secura do ar e ao calor. Aqui, dizem que são as águas termais que jorram nas terras de Mossoró e se espalham em lençóis subterrâneos.

O Brasil tem tantas frutas nativas, tantas, que seria impossível enumerar todas. Mangaba, cambuci, bacuri, camucamu, cagaita, biribá... Mas as frutas nativas do semiárido, dizem que se perdem milhares de toneladas tanto nas propriedades como na caatinga. Umas são medicinais, outras forrageiras; ou para alimento, trabalho e renda de humanos: umbu, jenipapo, maracujá-da-caatinga, o próprio caju que brota nas mais áridas areias como uma bênção da natureza. Árvores que aprenderam a sobreviver às estiagens, aos incêndios. Dão frutos que podem nutrir os desnutridos.

Em Brasília, há pomares plantados em praças, ruas, quadras: mangueiras, jaqueiras, jaboticabeiras... Isso foi trabalho de um cearense de Barbalha, o Ozanan, Francisco Ozanan Coelho de Alencar, e sempre penso, ah, se Ozanan tivesse feito seu trabalho também em Fortaleza, se tivéssemos ozanans em todas as nossas cidades para plantar pomares nas ruas, praças...

Por Ana Miranda - Premiada escritora é Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará.