Dezembro, 2021 - Edição 274

Os prêmios literários de 2021

Estaremos em meio a um boom da literatura africana? Ou, para evitar polêmica: estaremos em meio a um boom de autores de raízes no vasto continente? Autoriza-nos a cogitação a mais recente atribuição de alguns prestigiosos, os mais conhecidos entre nós, prêmios literários de 2021.

De início, isso de prêmio literário, embora não seja o objetivo do escritor, trata-se do reconhecimento do seu trabalho por outra espécie de leitor que não o grande público, os que “gostam” e os que “não gostam”. Ganhar um concurso literário, afora o prêmio em dinheiro, é, sim, muito bom, porque distingue. Faz gênero o que diz o contrário. Mas por si só não muda muita coisa na vida do autor, no seu propósito e no jeito de encarar a escrita. Ou não deveria mudar, porque não é esse o sentido dessa espécie de premiação.

Por outro lado, trata-se de evidente chacoalhada no mercado. A cada autor galardoado ainda não editado, ou que pouco o tenha sido por aqui, fica criada uma demanda a ser satisfeita pelo mercado editorial. E se as premiações, coincidentemente ou não, atribuem-se a um perfil determinado, eis aí uma demanda estimável a satisfazer e um possível boom literário a considerar.

Os mais-que-centenários prêmios Nobel e Goncourt foram atribuídos este ano a autores africanos radicados na Europa: o Nobel Abdulrazak Gurnah, tanzaniano, professor de Literatura, radicou-se no Reino Unido no final dos anos 1960, fugido da perseguição religiosa em seu país; o Goncourt Mohamed Mbougar Sarr, senegalês radicado na França, recebeu o prêmio por seu quarto romance, Le Plus Secrète Mémoire des Hommes, ainda sem tradução por aqui. Coincidentemente ou não, o prêmio Camões, o mais prestigioso prêmio literário em língua portuguesa, foi concedido à moçambicana Paulina Chiziane. Se o Camões vez ou outra é concedido a autor de origem africana, consequência natural da lusofonia, assinale-se ser a primeira vez que se galardoa com o Goncourt um autor da África subsaariana. Quanto ao Nobel, em que pese a predominância de autores de língua inglesa, é a primeira vez que se vê contemplado um escritor africano negro desde 1986.

Se é que se pode extrair algo daí, vê-se que a transposição literária da experiência da “descolonização”, da vida durante os movimentos pela libertação colonial e as suas consequências, ocupa em maior ou menor grau a todos eles: de Gurnah, o último romance se passa durante revolta armada contra a dominação colonial alemã na África Oriental; Chiziane, preocupada com as consequências da poligamia, participou ativamente da cena política de seu país como militante da Frelimo. Já Sarr se movimenta em outra esfera, não menos simbólica: a busca por autores africanos fora do seu país, sem concessão a ideias de “exotismo” e outras que tais. Visão, a dos três, diferenciada, pois pouco conhecida. O interesse pelo outro é inerente ao ser humano. Saímos de casa, ou navegamos no mar sem fim da internet, observando pessoas e fatos e lugares. O diferente, antes do exótico, é o que importa na tentativa de buscar novidades e saciar curiosidades – necessidade tradicionalmente provida pela Literatura. Deixando de lado a ideia de exotismo, novos olhares sobre outras realidades constituem algo de mais que natural nos domínios literários, sendo salutar a posição de evidência atual dessa Literatura de origem africana.

Por Getúlio Marcos Pereira Neves - Membro do PEN Clube do Brasil.