Dezembro, 2021 - Edição 274

Olhar amazônico

A aurora levantou-se faceira e mais que depressa acordou a floresta. A arara vermelha deixou o seu ninho e muito ligeira se pôs a voar. A passarada partiu em revoada e o jacaré-açu procurou um banco de areia onde se esquentar... E assim amanhecia mais um dia de verão em um dos rincões ainda verdes da região norte do país. Mais precisamente em Eirunepé, cidadezinha ribeirinha distante 1.159 km de Manaus, de onde havia partido um jovem professor universitário vindo de São Paulo, para atuar como voluntário do Programa de Alfabetização Solidária nas escolas rurais daquele município.

Muito educado e atencioso, foi logo bem acolhido pelo povo simples das comunidades ribeirinhas, passando a visitar as escolas navegando em voadeiras pelo rio Juruá. Após as aulas, aproveitava o tempo livre para tomar banhos nos igarapés e caminhar com os pés descalços sentindo a fluidez da energia do solo sagrado da floresta, apreciando o espetáculo dos botos tucuxis e cor de rosa. À noite dormia em redes sob à luz de velas, contemplava o céu amazônico estrelado e os olhos brilhantes dos jacarés em contato com a luz de sua lanterna.

Cada dia naquele lugar trazia em si uma aprendizagem única, jamais estudada em livros ou adquirida em cursos de pós-graduação e mestrado. Pena que o tempo era curto: apenas duas semanas e sua experiência de professor voluntário nas escolas rurais de Eirunepé chegaria ao fim. Para compensar o pouco a ensinar e o muito a aprender, ele se esforçava ao máximo em seu mister e mesmo cansado, sempre arrumava um tempinho para passear nas praias de areias brancas que davam um tom poético às margens do rio.

Às vezes, permanecia um longo tempo sozinho e em silêncio só para escutar o som inconfundível dos grilos em noite iluminada por pirilampos alados e o diálogo entre rãs e pedras, regatos e estrelas. O que viu, ouviu e viveu deixaram marcas profundas em seu espírito. E ao se despedir daquele lugar e daquela gente simples e humilde que tanto lhe ensinara, foi tomado por um profundo sentimento de comunhão, respeito, amor e solidariedade à Mãe Natureza que o fez compreender que, diante de uma perspectiva cósmica, fazemos parte de um todo e habitamos a mesma casa planetária.

E com um novo olhar, um olhar amazônico sobre a vida e o planeta, aquele professor universitário se transformou num professor-poeta. E ao lerem o seu relatório final, encontraram esse lindo poema que até hoje é declamado em diversas salas de aulas da rede pública de ensino:

Convite

Dizem que não passa de um sonho os verdes versos que componho.

Que lutar pela natureza é luta em vão, porque o homem pensa mais em dinheiro que na preservação.

Dizem que minha esperança é utopia, porque o Meio Ambiente não é páreo para os “donos da Economia”.

Que é preciso “curtir” o agora, pois, se para todo mal existe cura, que descubram o remédio as gerações futuras.

Estão enganados, contaminados pela ganância e ignorância. Os fatos falam por si.

A terra precisa urgentemente dos nossos cuidados, porque “a Natureza não aceita transplantes ou curativos apressados”.

A areia escorre veloz pela ampulheta; o tempo está contra nós e passa ligeiro feito cometa.

Salvaremos a nós mesmos, se preservarmos juntos o Planeta.

Faço-lhe este convite: você aceita?

Por Peilton Sena - Membro da Academia Santista de Letras e da Academia de Letras e Artes de Praia Grande – ALAPG.