Novembro, 2021 - Edição 273
Entrevista com Margareth Dalcomo - Um tempo para não esquecer
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura
Arnaldo Niskier: Hoje, com prazer imenso,
recebemos a visita da Dra. Margareth Dalcolmo.
Ela já esteve aqui em outro momento da crise que
chamamos “Crise da Covid” e, agora que as coisas
parecem que estão melhores, gostaríamos de ouvi-la
sobre a atualidade da Covid. O que nos espera, Dra.
Margareth?
Margareth Dalcolmo: Poderia responder brincando, dizendo que essa é a pergunta de um milhão
de dólares, porque não sabemos tudo, mas tem um
prognóstico positivo que acho que podemos passar.
A pandemia não acabou ainda, temos uma taxa de
transmissão que diminuiu muito. O Rio de Janeiro,
neste momento, tem boa cobertura vacinal, São
Paulo também, vários estados, como Mato Grosso do
Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, alcançaram
uma taxa de vacinação muito boa. A terceira dose
tem sido aplicada com bela adesão da população. A
terceira dose faz uma diferença enorme. Alguém já
perguntou para mim: “Por que vocês não disseram
isso antes?” Nós não sabíamos, a doença é nova. A
cada mês que passa, saem vários trabalhos publicados e aprendemos muito. Aprendemos que, nas
pessoas que tem Covid-19, a imunidade vai embora
rápido, muito rápido. Portanto, esse discurso que é
dito de que era para deixar todo mundo ficar doente é uma bobagem, porque a imunidade conferida
pela doença é efêmera. A imunidade duradoura é a
que a vacina nos dá. A dose de reforço faz com que
tenhamos uma produção de anticorpos neutralizantes muito maior, quando se faz esse reforço sobre
as duas doses anteriores ou sobre uma dose, quem
tomou a Janssen, por exemplo, que é uma dose só.
Não há dúvida, o resultado de proteção é muito bom
e o Brasil tomou a decisão correta de vacinar todas
as pessoas, a partir de certa idade, neste momento,
mais todas aquelas que sejam portadoras de doenças de imunodeficiência. No final das contas, todo
mundo vai ser vacinado, é só uma questão de tempo.
Arnaldo Niskier: Por falar em tempo, com sua
larga experiência nessa área, a senhora não acha
que demoramos muito a tomar certas providência
essenciais em relação à vacinação?
Margareth Dalcolmo: Com certeza. Com certeza. Vamos fazer uma matemática simples. O Brasil
foi um local onde se realizaram os melhores estudos de fase 3 das vacinas. Aqui fizemos fases 3 da
Janssen, da Pfizer, da CoronaVac, da AstraZeneca.
Naquele momento em que fazíamos os estudos,
todos tiveram participação de pesquisadores brasileiros. O Brasil contribuiu com quase 50% dos voluntários incluídos nesses estudos e, naquele momento,
deveríamos ter feito as encomendas como todos os
outros fizeram.
Arnaldo Niskier: Por que não fizemos?
Margareth Dalcolmo: Porque o governo não
fez o que tinha que fazer. O dever de casa era governamental. O PNI, o nosso PNI, do qual sempre nos
orgulhamos, entrou na pandemia esfacelado, então
não foram feitas as encomendas. O que aconteceu
foi que se fechou o ano de 2020 com 10 países tendo
comprado 75% das vacinas do mundo. Isso foi muito
injusto, porque impediu que tivéssemos acesso às
vacinas no momento mais precoce. Poderíamos ter
iniciado nossa vacinação em dezembro e só fomos
começar no final de fevereiro...
Arnaldo Niskier: Apesar dos esforços do
Butantã e da Fiocruz, que também esteve à frente
desses trabalhos.
Margareth Dalcolmo: Nós que estamos produzindo vacina. A vacina da AstraZeneca hoje é
totalmente brasileira, já estamos fazendo o IFA no
Brasil. Recebemos ainda IFA importado, para dar
vazão a demanda que temos que atender, mas,
lembrando, como lhe disse, que todo mundo será
revacinado com a terceira dose. Já estamos na faixa
de idade de 60 e poucos anos, mas todas as pessoas serão revacinadas. Hoje há uma informação
que é muito importante, estamos vacinando nossos
adolescentes. Por isso, fui tão veemente, quando
teve aquela Portaria desastrosa, dizendo que ia
suspender a vacina dos nossos adolescentes. Vocês
lembram que, imediatamente, disse que a comunidade acadêmica jamais aceitaria isso e a sociedade
brasileira não poderia aceitar. Os adolescentes são
responsáveis pela grande mobilidade social. Eles
saem de casa, pegam ônibus, metrô, trem, barcas,
então têm que ser protegidos e estão protegidos.
Agora, muito provavelmente, tudo indica, considerando que a Pfizer já submeteu ao FDA, nos Estados
Unidos, autorização regulatória para as crianças.
Acho que, se lá for aprovado, rapidamente a Anvisa
deve aprovar vacinar nossas crianças também, abaixo de 11 anos, de 5 a 11 anos. Isso também pega uma
faixa pediátrica muito importante.
Arnaldo Niskier: Não vai faltar dinheiro para
isso tudo? O que lhe parece?
Margareth Dalcolmo: Claro que não. O Brasil
é um país que não depende de nada, basta ter
decisão política correta, ouvir a ciência, não ficar
perdendo tanto tempo. Tanta energia gasta nos
fazendo nos ocupar para desconstruir tanta informação boba, que é dita de maneira muito impune,
até dizer que vacinar contra a Covid-19 (essa coisa
tão preciosa que o homem foi capaz de fazer, que foi
criar a vacina, nesse período tão pequeno, sem pular
nenhuma das etapas éticas) dá AIDS ou bobagens e
tolices dessa natureza. É muito ruim, porque isso dá
trabalho. O Brasil é um país com essa desigualdade,
tem muita gente que não tem o mesmo nível de educação e, portanto, as condições de julgar e separar o
certo e o errado, então dá trabalho para nós. Temos
que vir a público dizer que isso é uma bobagem. É
muito triste, porque isso contamina algumas pessoas, contamina determinados grupos, por diversas
razões, porque não sabem fazer a diferença, não tem
a quem perguntar, ou por um componente muitas
vezes até de religião, que é outra coisa que, muitas
vezes, nos dá muito trabalho para desconstruir...
Então, foi muito ruim, foi bem desagradável.
Arnaldo Niskier:A Dra. Margareth Dalcolmo
acaba de escrever um livro, vai lançar no início de
dezembro, chamado Um Tempo para Não Esquecer.
Queria que nos contasse qual o propósito deste livro.
Margareth Dalcolmo: O livro é um pouco
a cronologia de todos os artigos que escrevi no O
Globo ao longo desse período, desde abril de 2020.
Reuni todos os artigos e vou publicá-los sem corte. É
uma cronologia, na verdade, de tudo que aconteceu.
Como gosto muito de literatura, tem sempre uma
veia um pouco literária também nas minhas...
Arnaldo Niskier: Abro um parêntese para
dizer que a senhora é casada com o acadêmico
Candido Mendes, que é uma das figuras notáveis da
Academia Brasileira de Letras, meu amigo querido,
professor Candido Mendes.
Margareth Dalcolmo: A Editora é a Bazar do
Tempo, vou fazer um lançamento aqui no Rio de
Janeiro, na Livraria Travessa do Leblon, no dia 8 de
dezembro e, no dia 9, em São Paulo. É um olhar crítico sobre o que vimos, vivemos e aprendemos, um
olhar sobre o futuro.
Arnaldo Niskier: Hoje, quando confirmei sua
vinda ao nosso programa, a senhora estava gravando com a China. A senhora está chegando à China
com suas ideias sobre a Covid?
Margareth Dalcolmo: Não, é que eu trabalho
na Fiocruz, instituição que tem representatividade
internacional muito grande e muita colaboração
técnica na área de tecnologia, de inovação. Então,
hoje houve essa reunião coordenada pelo Consulado
da China no Rio de Janeiro e a Câmara de Comércio
Brasil/China. Temos muita ligação com a Academia
de Ciências da China, com o CDC, que é o Centro de
Doença Chinês, que tem muita ligação de projetos
em colaboração com a Fiocruz. Vários de nós participamos desses eventos com a China, além do que
você sabe quanto gosto da China.
Arnaldo Niskier: É um contato muito importante, principalmente, porque, em algum momento,
algumas autoridades brasileiras andaram falando
e fazendo bobagem em relação à China. Isso é um
absurdo completo, porque o Brasil tem imensos
negócios com a China, negócios poderosos. Então,
falar mal da China...
Margareth Dalcolmo: Escarneceu-se da vacina chinesa, quando a vacina chinesa salvou muitas
vidas no Brasil. No início da vacinação, só tínhamos
a CoronaVac, feita pelo Butantã, e muitas vidas
foram salvas por ela, temos que reconhecer isso.
Então, as relações do Brasil com a China são as
melhores possíveis. Estive na China várias vezes.
Vi grandes embaixadores brasileiros na China, vi
um respeito ao Brasil e a nossa capacidade de fazer,
de modo que temos que olhar essa grande civilização e esse país – com essa imensa capacidade de
produção, de tecnologia, de inovação – com muito
respeito, que é aquele que nós da Fiocruz temos em
relação à China.
Arnaldo Niskier: E a tradição, o respeito oriundo de uma tradição cultural que a China impôs nas
nossas relações que não pode ser abandonada de
jeito nenhum, ao contrário, isso tem que ser respeitado em todos os momentos. Há alguns resquícios
no país da presença da Covid perturbadora? Temos
razões para nos preocupar que, em determinados
locais, ainda existam manifestações inquietantes
sobre a Covid-19?
Margareth Dalcolmo: Ainda temos 400 mortes por dia pela Covid-19 no Brasil. Estamos no fim
de outubro, quase final do ano. Temos algumas cidades, como o Rio de Janeiro, que estão com taxa de
vacinação boa, tivemos um decréscimo na internação hospitalar bastante significativo, mas tememos
várias coisas. Primeiro, precisamos vacinar mais
pessoas e, particularmente, temo o final do ano.
Tenho muito medo das festas de fim do ano. Essas
aglomerações, essas liberações, ou seja, vamos jogar
as máscaras para o alto, isso é uma bobagem, é um
erro grande.
Arnaldo Niskier: A máscara ainda é necessária?
Margareth Dalcolmo: Não caiam nessa esparrela. As máscaras só podem ser liberadas por qualquer um de nós em ambiente ao ar livre. Se você me
disser: “Vou passear no Jardim Botânico”, eu digo:
“Pode ficar sem máscara”. Se você me disser: “Vou
andar numa beira de praia sozinho, sem estar com
outras pessoas”. Pode ficar sem máscara, mas não
pode entrar no elevador sem máscara, não pode
estar no seu local de trabalho sem máscara, os trabalhos estão voltando a serem presenciais, as escolas
voltaram. Todo mundo tem que estar de máscara,
as universidades podem voltar, mas todos terão que
estar de máscara.
Arnaldo Niskier: Tem que respeitar o uso da
máscara.
Margareth Dalcolmo: Todo mundo tem que
estar testado e vacinado. Essas festas de final de ano
me preocupam muito. Já externei minha posição,
acho que não deveria ter Carnaval, deveria ser adiado, pelo menos, para o meio do ano, mas as decisões
estão tomadas.
Arnaldo Niskier: A Dra. Margareth Dalcolmo,
recentemente, venceu o concurso “O Globo faz a
diferença” não só na categoria a que se dedica, que
é a ciência, mas em todas as outras, o que prova o
prestígio da Dra. Margareth hoje na ciência brasileira. Com essa sua experiência, o que nos espera em
relação ao futuro? Estamos próximos do fim do ano,
próximos ao que seria o Carnaval. Temos que ter
cuidados especiais nessas épocas? O que lhe parece?
Margareth Dalcolmo: Acho que sim. No ano
passado, lembro que teve gente que achou que eu
era uma megera, porque disse que não podia nem
ter festinha de Natal. Neste ano está melhor, podemos ter pequenas reuniões de família de Natal, de
Ano Novo, pequenas celebrações...
Arnaldo Niskier: Podemos cumprimentar o
Papai Noel.
Margareth Dalcolmo: Podemos receber o
Papai Noel desde que tenha tomado a terceira dose,
porque ele é velhinho.
Arnaldo Niskier: Qual a importância da terceira dose? Fala-se tanto nisso.
Margareth Dalcolmo: Foram feitos estudos
que provaram que a imunidade conferida, mesmo
pela vacina, vai se estiolando um pouco depois dos
6 a 8 meses. Então, já tem estudo com recuo de um
ano, vacinados com a AstraZeneca, por exemplo,
que é a vacina que mostra grande capacidade de
proteção após um ano. Quando você faz um estímulo imunogênico sobre o que você já recebeu, você
aumenta a produção de anticorpos neutralizantes,
perdura por mais tempo a proteção conferida por
esse conjunto tão imunogênico. As vacinas são
muito imunogênicas. Você me perguntava há pouco
sobre a questão dos efeitos, por isso é que, às vezes,
elas dão algum efeito adverso, desagradável. Elas são
muito reatogênicas, nada grave, eventualmente uma
dor de cabeça, uma febre. Eu mesma tive, quando tomei a segunda dose da AstraZeneca, e passa
em 24 horas, nada que você não consiga controlar
com uma medicação sintomática. Respondendo a
sua pergunta, acho que nos espera o controle da
pandemia, ao longo dos próximos meses, revacinar
toda população, vacinar nossos adolescentes, nossas crianças, recuperar um pouco a economia com
esse baque todo que tivemos. Se tivéssemos ajuda
das nossas autoridades, que não têm sido nada
felizes nas suas decisões, sobretudo no que tange à
saúde, à educação.
Arnaldo Niskier: Equipes precárias.
Margareth Dalcolmo: Exato. Na educação,
desastre que foi a condução da educação, da saúde.
Acho que o resultado está aí mostrado nesse relatório de mil páginas da CPI.
Arnaldo Niskier: E nos surpreendemos negativamente a cada momento com cortes incríveis em
verbas dedicadas ao desenvolvimento científico e
tecnológico.
Margareth Dalcolmo: Seiscentos milhões cortados da ciência brasileira.
Arnaldo Niskier: O que esse pessoal pensa?
Que sem dinheiro vai se conseguir fazer alguma
coisa?
Margareth Dalcolmo: Enquanto alguém olhar
investir em ciência como gasto e não como investimento no nosso futuro, nas futuras gerações, alguma
coisa está muito errada. Você não está consumindo,
está investindo numa nova geração. Olha quantos
cérebros preciosos o Brasil perdeu, que foram embora por não encontrarem aqui condições adequadas
para trabalhar.
Arnaldo Niskier: O ministro da Economia
disse que o ministro da Ciência e Tecnologia é muito
burro. Olha que harmonia maravilhosa na equipe, o
ministro da Economia chama o ministro da Ciência
de muito burro. O que se pretende com esse tipo de
tratamento?
Margareth Dalcolmo: Acho que o mínimo de
processo civilizatório exige que colegas e congêneres se tratem com civilidade, com educação e com
muito respeito. Foi assim que aprendemos e não foi
a escola que nos ensinou isso. Quem nos ensinou
foi nosso pai, nossa mãe. Desde que nascemos,
ouvimos isso: “Tem que respeitar o igual, o que é
diferente.” Enfim, a vida é bonita por isso. É inadmissível essa maneira de tratar, é muito difícil para
aceitarmos como normal. Resumindo, acho que
esperamos um ano ainda de 2022 difícil, ninguém
pense que vai jogar máscaras para o alto, porque
não vai. Ninguém vai embarcar num voo sem estar
protegido com máscara, e o passaporte de vacinação
é uma exigência absolutamente defensável, correta
e em prol do bem comum. Então, para que não paire
dúvida de que eu sou... sou defensora da exigência
do passaporte de vacinação. Quem não está vacinado, não pode voltar ao trabalho presencial, não pode
frequentar lugares públicos com outras pessoas,
porque não estamos falando de uma doença simples, estamos falando de uma doença que transmite
de uma pessoa para várias outras mesmo quando
não tem sintoma.
Arnaldo Niskier: A senhora acha que ainda
teremos o ano de 2022 difícil?
Margareth Dalcolmo: Acho que sim, muito
menos do que foi 2021. Isso tudo se não surgir nova
onda. Esperamos que realmente estejamos caminhando para certa normalização epidemiológica.
Estou falando aqui de epidemiologia, mas podemos
ser surpreendidos. Tem uma cepa nova que surgiu
na Inglaterra há 10 dias, a delta plus, e não sabemos
o quanto pode ser uma cepa complicada.
Arnaldo Niskier: Vamos rezar para que não
chegue ao Brasil, que não nos atinja.