Novembro, 2021 - Edição 273

Sobre Einstein, Spinoza e Deus

“O diabo pode citar a Bíblia para atingir seus propósitos.” (William Shakespeare)

Quando perguntaram a Einstein se acreditava em Deus, ele respondeu: “Eu acredito no Deus de Spinoza.” Fiquei curioso e fui pesquisar. “Que diabo de Deus será esse?” Não sei muito sobre filosofia, mas sei que todo filósofo reflete seu tempo e sua história. Hegel escreveu: “Toda grande filosofia representa seu próprio tempo apreendido em pensamento.” Segundo Nietzsche, “Toda grande filosofia é uma confissão pessoal de seu criador”. A filosofia de Baruch Spinoza reflete sua época: filho de judeus portugueses que migraram para a Holanda fugindo da Inquisição, ele nasceu em Amsterdã em 1632. Foi expulso da sinagoga local em 1656, aos 34 anos, por blasfêmia. Se ele vivesse hoje, teria sido expulso de muitas igrejas, muitos programas de TV e de muitos fã-clubes de artistas superficiais. Uma ótima pessoa. Gostaria de tomar uma cerveja com ele.

Spinoza viveu numa época de transição entre o medieval e o moderno. Ele observou que os avanços da ciência estavam tornando obsoleto o Deus medieval todo-poderoso. Ele foi talvez o primeiro a perceber que a felicidade não é uma questão de sorte, mas de consciência. Até hoje, muitas pessoas ainda jogam na loteria sem perceber isso. Spinoza descreveu uma sociedade secular e democrática pelo menos 100 anos antes que o mundo produzisse um exemplo concreto disso. Vivendo 200 anos antes de Darwin, ele entendeu que o design da natureza evolui através de processos que não dependem de um designer. Spinoza finalmente propôs um Deus que não está “acima da natureza, mas faz parte dela”. Então entendi a admiração de Einstein.

Einstein, grande cientista, acreditava no Deus de Spinoza. Segundo Einstein, Deus se manifesta na harmonia ordenada do que existe na natureza e não se preocupa com o destino e as ações dos seres humanos. Mas isso responde apenas parte da pergunta. Afinal, o que governa o destino e as ações dos seres humanos? Aquela parte que não interessou a Einstein me interessa muito. Einstein escreveu seu famoso artigo sobre a teoria da relatividade em 1905, quando tinha 26 anos. Ele viveu a transição entre o moderno e o contemporâneo. Ele propôs o modelo físico mais atual para o universo, muito antes de inventarem a televisão, o computador, a internet e o samba. Mas vivemos melhor por causa disso?

A física quântica, por exemplo, evoluiu muito nos últimos trinta anos. Mais recentemente, físicos e místicos tentam alinhar as teorias físicas de Einstein sobre espaço, tempo e movimento com as teorias da física quântica para estudar o comportamento caótico da matéria em um nível microscópico. A ideia básica é que tudo está conectado. O que acontece ou não em nossas vidas teria mais a ver com a forma como nos relacionamos com os outros do que com um poderoso ser que viveria nos céus.

Resumindo: existem pessoas que não se importam com os outros, mas conhecem a Bíblia e pensam que Deus os ama por causa disso. Algumas pessoas acumularam muitos bens materiais porque se corromperam e enganaram, mas oram fervorosamente e acreditam que Deus as ama por isso. Existem pessoas que fazem chantagens obscuras com o espiritual para obter o material, tendo a sensação de serem amados por Deus por isso. A história está repleta de exemplos de grupos de pessoas que usaram o nome de Deus para aniquilar outras pessoas. O que mais me incomoda é que isso seja considerado historicamente normal.
Por outro lado, algumas pessoas são de fato melhores porque acreditam num Deus, qualquer que seja sua religião. Respeito a todos. Pessoalmente, sou budista, judeu, ateu, cristão, espiritualista, muçulmano, umbandista, confucionista, confuso, equilibrado, agnóstico, diagnóstico, prognóstico, não necessariamente nesta ordem. Acho que Deus entende tudo, até diferenças entre religiões.

Acredito em qualquer religião que melhore o comportamento das pessoas e a forma como tratam os animais. Espero que Deus goste de mim por causa disso.
Podemos discordar sobre Spinoza, Einstein ou Deus, mas como seres humanos dividindo a mesma época, nossa melhor oração seria respeitar mais o outro. Se Spinoza aparecesse aqui hoje, certamente seria bem-vindo para tomar uma cervejinha com a gente.

Por Jonas Rabinovitch - Arquiteto urbanista e conselheiro sênior da ONU em Nova York para Inovação e Gestão pública