Novembro, 2021 - Edição 273

Prêmio Nobel celebra literatura pós-colonial

Autor de 10 romances, aos 73 anos, o tanzaniano Abdulrazak Gurnah, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, nunca foi editado no Brasil. Ex-refugiado da Ilha de Zanzibar, quarto negro a conquistar a importante premiação, Gurnah mora na Inglaterra desde os anos 1960. Ao anunciar o vencedor, a Academia Sueca o elogiou por retratar os efeitos do colonialismo de forma intransigente. “A dedicação de Abdulrazak Gurnah à verdade e sua aversão à simplificação são impressionantes”, disse o Comitê do Nobel de Literatura. O prêmio tem hoje o valor de 10 milhões de coroas suecas (R$ 6,2 milhões).
Seus romances fogem de descrições estereotipadas e abrem o olhar para uma África Oriental culturalmente diversificada, desconhecida para muitos em outras partes do mundo. O tanzaniano fala sobre migração e a África para além da colonização, fugindo do clichê eurocentrista. A eterna mudança e a constante agitação são dadas como certas em seus textos. Não é o típico conto de fadas eurocêntrico de integridade e continuidade nacional que se costuma ler. São histórias que envolvem reinventar-se, transformar-se e seguir em frente – através de países, continentes e identidades.

Entre os livros mais famosos, estão Paradise (Paraíso, sem edição em português) e Desertion (Deserção, também sem edição em português). Publicado em 1994, Paradise conta a história de um menino que cresceu na Tanzânia, no início do século XX. O livro ganhou o Booker Prize, marcando a revelação de Gurnah como escritor.
Na ocasião do lançamento do livro By the sea, em 2001, declarou: “Retrato o colonialismo como uma destruição – não de algo mais harmonioso ou melhor, mas de uma realidade que foi resultado de interações entre diferentes culturas, aspecto geralmente ignorado pela historiografia. Quero refutar a ideia de que o colonialismo europeu levou a África Oriental da inércia à civilização. A realidade é mais complexa.”
A migração também faz parte da realidade de sua vida. Em 1964, a elite árabe, que por 200 anos governara a maioria africana em Zanzibar, foi derrubada. Em meio aos massacres que se sucederam, Gurnah trocou Zanzibar pela Inglaterra. Aos 21 anos, começou a escrever em inglês e não mais em suaíli, seu idioma materno.

Formado na Inglaterra, foi professor de literatura pós-colonial na Universidade de Kent por muitos anos, até recentemente. Primeiro tanzaniano a receber o Prêmio Nobel é também o primeiro escritor africano negro premiado, desde Wole Soyinka, em 1986. Embora em grande parte desconhecido, o reconhecimento chega mais do que atrasado, comentou ao jornal britânico The Guardian Alexandra Pringle, sua editora na Bloomsbury: “Ele é um dos maiores escritores africanos vivos e ninguém nunca havia reparado nele. Isso me cortava o coração.”
Quatro livros de Gurnah serão publicados, em breve, no Brasil. Com exclusividade, a Companhia das Letras prepara o lançamento, em 2022, dos seguintes títulos: Afterlives, Paradise, By the Sea e Desertion.
Afterlives, o livro mais recente, será lançado ainda no primeiro semestre do próximo ano. Ambientado no início do século XX, o romance tem como pano de fundo a Rebelião Maji Maji, revolta armada contra o domínio colonial alemão na região da África Oriental.
A Companhia das Letras segue na publicação de vencedores do Nobel no país. Até então inéditos no Brasil, no ano passado a editora comprou os direitos de publicação da poeta americana Louise Glück. Em 2016, Vozes de Tchernóbil, da bielorrusa Svetlana Aleksiévitch, também chegou às livrarias brasileiras.

Por Manoela Ferrari