Novembro, 2021 - Edição 273
Por que escrevemos
Refletir sobre a escrita, o ato de escrever, é assunto interminável.
Talvez porque desperte interesse semelhante nos dois tipos de pessoas
que se ocupam da Literatura: as que escrevem e as que não escrevem.
Recentemente falecido, o poeta capixaba Sérgio Blank desenvolveu há
alguns anos uma série de encontros com escritores locais para
falar da relação de cada um com a escrita. Cronistas, contistas,
romancistas, num total de doze escritores, deram um panorama do que se
faz atualmente por estas plagas, mas principalmente compartilharam
com o público experiências e processos criativos. A série de entrevistas
acabou virando livro, publicado em 2018. Não que se trate de iniciativa
original (e Blank e os participantes e até o público sabíamos disso), mas
essa reflexão, para dizer o óbvio, é importante. Mais do que isso, volta
e meia ocupa o escritor, que às vezes permeia de traços reflexivos as
tramas e situações que oferece ao leitor. Quando não produz reflexões
sistemáticas sobre o tema.
A respeito ocorre-me o exemplo de Umberto Eco. O professor italiano,
falecido em 2016, se tornou, como se sabe, um caso raro de ensaísta que conheceu sucesso semelhante, ou até maior, fazendo ficção: O
Nome da Rosa, de 1984, trata-se de best-seller que até hoje frequenta
as listas dos mais vendidos. A história foi adaptada para o cinema, com
Sean Connery como protagonista, e cogita-se que vire série televisiva. O
interessante é que Eco, como bom estudioso, cuidou de teorizar a respeito do processo de criação no seu Pós-Escrito a O Nome da Rosa (Nova
Fronteira, 1985). No livro, que pode ser lido como um estudo sobre a
elaboração romanesca, sentencia o autor: “um narrador não deve oferecer interpretações de sua obra, caso contrário não teria escrito um
romance, que é uma máquina para gerar interpretações (...) O autor não
deve interpretar. Mas pode contar como e por que escreveu.” Vale dizer:
Por que você escreve?
Por que Escrevo (Novera, 2007), organizado por José Domingos de
Brito, é parte da série “Mistérios da Criação Literária”, publicada sob
patrocínio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Trata-se
de compilação de depoimentos de vários escritores consagrados, anteriormente publicados na forma de entrevistas, e que por certo deve ter
inspirado a iniciativa de Sérgio Blank. Ao final do volume, ficamos com
a impressão registrada pelo prefaciador, o crítico literário Fábio Lucas,
que parte da cogitação de que o tal questionamento estaria no rol das
perguntas sem resposta.
Particularmente me agrada a análise formulada a respeito por
George Orwell no ensaio Por que Escrevo (1946), para quem “deixando
de lado a necessidade de ganhar a vida, creio que há quatro grandes
motivos para escrever, ao menos para escrever prosa”. E lista: o egoísmo,
o entusiasmo estético, o impulso histórico e o propósito político, desenvolvendo o assunto com a maestria que lhe era peculiar.
Se consideramos, como Orwell, que “os escritores sérios [...] são
ainda mais vaidosos e autocentrados que os jornalistas”, sem dúvida
teremos aí uma pista interessante a seguir. Mas ao final, não podemos
nos distanciar da impressão deixada no crítico pelo trabalho de José
Domingos de Brito: por mais respostas que colecionemos, a questão
continuará em aberto, desafiando a busca. De fato, eis aí um dos encantos da Literatura.