Novembro, 2021 - Edição 273

Entrevista Ana Maria Esteves Kaiuca - Para que serve mediação

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Arnaldo Niskier: Ana Maria Esteves Kaiuca é advogada, formada em Administração de Empresas e cuida de alguma coisa sobre a qual vamos conversar detidamente que é a mediação, essa é a palavra do futuro. O que é mediação?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Mediação é um instituto relativamente novo no nosso país, mas é muito antiga, remonta à era a.C. na verdade. Hoje o mundo todo vem utilizando a mediação como forma de resolução de conflitos. A mediação é uma forma de resolução de conflitos não adversarial em que as pessoas envolvidas são as protagonistas, são elas que vão construir a solução para o seu problema. Ela traz, com isso, poder às pessoas sobre suas vidas, sobre suas questões. Acho que ninguém é melhor do que nós mesmos para saber o que é melhor para nós. Então, diferentemente do judiciário, você tem a possibilidade de construir uma solução e ela tem alguns fundamentos muito importantes, porque tudo que você trabalha na mediação é confidencial. A pessoa vai lidar com o problema dela, vai resolver diante de um mediador, que é um terceiro, é imparcial, que vai ajudar essas pessoas a melhorar essa comunicação. Na verdade, é um facilitador, para que possam construir uma solução, ajudando cada uma a perceber o ponto de vista da outra. Então, é um instituto muito produtivo, muito útil, que traz saúde, porque com conflito ficamos mal. Ninguém vive bem com conflito. Então, a mediação é essa possibilidade de resolver conflitos de forma construtiva, com consenso.
Arnaldo Niskier: A mediação é um instrumento que pertence ao judiciário ou não tem nada a ver com isso?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Hoje tem mediação dentro do judiciário, mas é um instituto que deveria ser privado, é uma forma de você resolver alternativa ao judiciário. Hoje, despejamos, no judiciário, milhares de problemas, milhares de ações esperando que ele dê conta disso tudo. Precisamos aprender a resolver problemas e a mediação é uma forma de resolver problemas, é independente do judiciário, apesar de que, no momento, o judiciário tem uma parte de mediação que oferece para as pessoas que querem resolver de outra forma. Então, o judiciário vem oferecendo isso já oficialmente, desde 2010, através da Resolução 125CNJ. No dia 4 de junho, ele assinou a convenção de Singapura que ratifica as decisões em mediação construídas ao longo das relações entre empresas internacionais dentro do nosso país. Se você fez uma mediação em Israel, ela vale aqui no Brasil, vai ser ratificada aqui no Brasil. Se você fez uma mediação em Nova Iorque, ela vai ser ratificada e aceita como uma decisão válida dentro do país. Isso é muito bom, porque as empresas têm maior segurança e mobilidade na resolução de conflitos, visto que o judiciário leva muitos anos para resolver uma questão.
Arnaldo Niskier: O judiciário é muito lento em nosso país, o que é uma pena. Você se interessou por isso a partir dos cursos que fez lá fora? Você estudou em Harvard, nos Estados Unidos, em Portugal. Foi isso que inspirou você a cuidar da mediação?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Na verdade, o que me inspirou foi o curso que fiz na OAB do Rio de Janeiro, com a Gabriela Assmar, e que recebeu o Prêmio Innovare por essa prática. A Gabriela estudou fora, veio para cá, trouxe isso para a OAB do Rio de Janeiro e foi feito esse primeiro curso em 2009. Daí me interessei pelo tema, fui para Harvard fazer negociação; fui para a Argentina fazer o mestrado com o Institut Universitaire Kurt Boach; fui para Portugal, na Universidade Católica do Porto, onde faço uma formação. Já fiz em 2019 e estou fazendo outra agora, uma pós. Então, mergulhei nesse universo para entender melhor, percebendo que era um instituto muito importante para a vida das pessoas, para a sociedade, é uma mudança de paradigmas. Precisamos aprender a resolver problemas de forma tranquila, rápida, célere e com qualidade. Mediação é decisão, resolução com qualidade. É claro que você pode entrar numa mediação e não sair com um acordo, ela não tem a finalidade de um acordo, mas ela está ali para construir e possibilitar às pessoas a construção de um acordo através do diálogo.
Arnaldo Niskier: E a Covid ativou esse interesse pela mediação ou não tem nada a ver?

Ana Maria Esteves Kaiuca: A Covid aumentou em 400% a procura pela mediação, porque o judiciário, nesse momento, também está trabalhando com algumas limitações de funcionários, de idade, de material, de computador. Então, não está a pleno vapor e tem sido mais frequentes as decisões de tutela antecipada, medidas de urgência. As decisões das questões estão ficando para trás, porque o volume também de procura pelo judiciário nas tutelas de urgência foi muito grande. Então, agora, as pessoas estão procurando as câmaras privadas, os mediadores, para resolver suas questões e muitas coisas estão sendo resolvidas em tempo muito breve, muito rápido. Você resolve um divórcio, um inventário, em dois, três meses, o que que levaria anos para ser resolvido. A mediação é muito própria para as relações continuadas. Imagine um divórcio de uma família com filhos, você pode resolver muito rapidamente na mediação em dois, três meses e de forma qualitativa, porque ela visa a necessidade, o interesse das pessoas. Para os filhos, é ter pais que conversam, que têm um diálogo cortês, não precisa virar amigo de infância, mas precisa caminhar, dialogar, porque é uma relação para sempre.
Arnaldo Niskier: Você estudou em Harvard, que é uma referência universitária de primeira ordem, mas você estudou também em Portugal, por exemplo. É muito diferente o que se aprende num país e noutro?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Portugal está mais voltado para a mediação, vem avançando muito. Estive em Portugal, em 2010, no primeiro Congresso da Universidade de Ciências Políticas de Lisboa e, de lá para cá, o crescimento em mediação foi muito grande. O país tem feito aliança com todos os trabalhos do Brasil. Tive uma grata surpresa, nessa pós-graduação, de estudar em materiais de brasileiros. Muita coisa construída aqui pelo CNJ, pelo Marcelo Girade, André Gomma, que trouxeram a mediação para o judiciário. Então, foi uma grande surpresa, mas eles estão trabalhando de forma muito efetiva, muito boa, trazendo todo esse estudo, os estudos deles e os nossos. Eles fizeram, na verdade, uma grande aliança entre Brasil e Portugal. Eu me vi representada também como brasileira nesse estudo da Universidade Católica de Lisboa. Muito, muito bom.
Arnaldo Niskier: Você se formou em Direito e Administração de Empresas. Esses dois cursos foram essenciais para o seu interesse pela negociação de conflitos?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Na verdade, administrei muitos contratos em empresas multinacionais durante muitos anos. Trabalhei em várias empresas, administrando contratos, e vi, ao longo desse tempo, quantas coisas não saíram do papel, quantos projetos não caminharam, não avançaram por questões de conflito. Quando conheci a mediação, em 2009, começou a passar um filme da minha vida, gerenciando contratos em multinacionais, quanta coisa poderia ter ajudado aquelas pessoas a resolverem se tivesse esses conhecimentos. Na verdade, a mediação veio, não foi pela minha formação, mas pela vivência em que você não tem avanços quando você tem um conflito. Então, a mediação é extremamente útil no conflito, inclusive nas organizações. Fiz uma formação também com o Rudi Ballreich, do Instituto Trigon, na Alemanha, e ele traz muito isso. Stuttgart, mas fiz aqui no Brasil pelo Instituto EcoSocial. Eles têm uma parceria com o Rudi, que é do Instituto Trigon, e ele traz uma pesquisa falando do custo para as empresas da perda de um funcionário, que é o custo dele anual mais 150%. Então, é custoso, caro para as empresas perder um profissional. Um profissional, um gestor em conflito decide mal, ele adoece, tem úlcera, enfarto, uma série de coisas, porque o conflito adoece as pessoas. Um profissional com essas ferramentas da mediação – não precisa ser um mediador, basta ter essas ferramentas – vai poder ajudar a empresa a decidir de forma melhor. Se um advogado in-house tem uma formação em mediação, ele vai saber o que vai ajuizar e o que não vai ajuizar. Por exemplo, uma empresa tem um fornecedor que está lá há muitos anos com ela, contratou esse parceiro e deu um problema. Antes, você só tinha o judiciário para entrar, hoje há diversas câmaras que são capacitadas para ajudá-los na resolução desse conflito. Você vai resolver o conflito, vai manter o seu fornecedor, que é bom, e vai resolver num tempo muito pequeno. Imagina que você tem um contrato de um milhão de um fornecedor que vai cuidar do seu ar-condicionado ou da sua empresa. Você tem um problema com ele vai para o judiciário, vai ficar 10 anos brigando. Você já comprometeu a verba, tem que andar com aquilo ali e não vai ter solução. Então, para as empresas, especialmente, não só intraorganizacional, entre pares, entre diretores, entre gestores como na relação dela com o cliente, com o fornecedor, com o mercado. É muito célere e qualitativo. Raramente há descumprimentos. Tenho 12 anos de mediação, se tive dois descumprimentos em acordos que fiz, foi muito, porque se você constrói, você se compromete. Estou fazendo isso, sei o que posso, vou oferecer o que posso, e eu cumpro, diferentemente de alguém que determina que eu faça isso ou aquilo.
Arnaldo Niskier: O que você fez lá no CIEE que brilhou intensamente?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Propomos ao CIEE uma palestra sobre os métodos de resolução de conflitos adequados e alternativos ao judiciário. Até hoje, só tínhamos o judiciário como forma de resolução de conflitos ou de um problema. Hoje tem um tribunal multiportas, são várias portas que você pode abrir e resolver o conflito. Então, você tem a negociação, a mediação, a conciliação, a arbitragem e o judiciário, além de mais alguns outros métodos menos populares. Um gestor dominar as técnicas de negociação também é importante, ainda que não seja o mediador, mas pode evitar conflitos, pode identificar departamentos que não estão avançando por alguma questão, que pode ser o conflito e ser sanado, e a empresa avançar. Então, queríamos trazer para esses alunos do CIEE a possibilidade, a visão nova de mundo. O mundo mudou e o consenso é a palavra de ordem hoje. É isso que precisamos mostrar para esses jovens, essa possibilidade, essa nova forma de resolver. Até um estagiário pode auxiliar numa empresa dizendo: “Olhe, isso aqui podemos resolver assim, você pode resolver de outra forma.”
Arnaldo Niskier: Você trabalhou com estagiários e aprendizes, o público-alvo do Centro de Integração EmpresaEscola, e fez muito sucesso. Queria que você se detivesse um pouco sobre a conciliação nas escolas. Como educador, esse tema me interessa muito. O que se pode fazer para melhorar o relacionamento entre professores, alunos, diretores nas escolas brasileiras?
Ana Maria Esteves Kaiuca: Mediação. Na Argentina, tem criança de 5 anos fazendo mediação. Eles aprendem a resolver conflitos desde pequenos. Isso é muito importante. A Argentina é muito avançada em mediação e o projeto escolar aqui também já está avançando. Estamos trabalhando num projeto escolar, porque na escola você tem uma série de lados. Você tem a relação da escola com os pais, que hoje é bastante complicada, porque exige uma legislação que não favorece a escola quando o pai está devendo, então normalmente a escola perde o aluno e ainda fica com a dívida. Temos atuado nessa área, negociando, mediando entre pai e escola essa resolução da dívida, esse pagamento da dívida, porque ninguém escolhe uma escola para o filho para ficar um ano. Você escolhe como projeto de vida, você quer o seu filho naquela escola, porque acredita naquele método pedagógico que você quer que seu filho tenha. Então, resolver essa questão, começando nesse momento de pandemia especialmente, tem sido um avanço, tem sido muito útil, porque a escola ficaria no judiciário muito tempo. Ela tem que ficar com aquele aluno o ano todo, o pai pagando ou não, então o pai também precisa compreender que existe esse outro lado da escola, que também tem suas dificuldades. Isso tem sido muito bom. Na escola, com professores, inspetores que lidam no recreio com uma série de questões, as ferramentas da mediação são extremamente úteis e trazem muita harmonia e muita paz para essa escola.
Arnaldo Niskier: Sobre isso e a sua experiência notável, queria lhe dizer que, na semana passada, escrevi um artigo sobre homeschooling, a educação doméstica, na Folha de São Paulo e tive uma repercussão muito boa. Você acha que existe possibilidade, quando forem vencidos os obstáculos da Covid, de avançar esse estudo de educação doméstica? Ou você é a favor, francamente, da educação nas escolas e para casa fica o trabalho dos pais com os filhos e, naturalmente, com suas consequências óbvias? O que você acha da educação doméstica?
Ana Maria Esteves Kaiuca: A educação doméstica é fantástica, tenho uma amiga que mora fora, ela faz isso, pratica isso e os filhos são muito bem-informados e tem outra compreensão. Entendo que, aqui no Brasil, ainda não estamos preparados para isso. Por quê? Tenho 3 filhos e ia a todas as reuniões da escola. No universo de uma escola que tem 3 mil alunos, se você encontrar 100 pais, encontrou muito. Os pais podem participar. Meus filhos foram educados no São Vicente de Paulo, você participa do projeto pedagógico, você é ouvido.
Arnaldo Niskier: Na verdade, não defendi a educação doméstica, porque acho imprescindível que a garotada se frequente, que se veja nas escolas, que jogue seu joguinho nos intervalos das aulas, que namore e explore esse relacionamento, que é muito importante. Muita gente boa está defendendo essa educação doméstica. Na minha opinião,

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