Novembro, 2021 - Edição 273

Encontro Nacional de Escritores

Havia em Brasília o Encontro Nacional de Escritores. Isso, ali pelas décadas de 1970 e 1980. O encontro se dava de forma tão brilhante que deixava para trás todos os eventos culturais da época. Eram palestras proferidas por especialistas em cada área, concursos literários com prêmios em dinheiro, bate-papos de escritores que não se viam há muito e daqueles que estavam se conhecendo. Coquetéis de primeira linha ao fim de cada encontro. E certificados que se concediam aos participantes. Ainda guardo os certificados do XIV Encontro (1980) e dos seguintes até o XIX (1985).

O primeiro de que me lembro foi o de 1978. Estávamos em casa, à noitinha, e vimos pela televisão a notícia do Encontro Nacional de Escritores, que acontecia nas dependências do Teatro Galpão, na 508 Sul. Corri para lá. Como era noite, nada mais havia. Apenas uns repentistas tocavam violas e cantavam desafios. Gente zanzando, papel picado pelo chão e o falatório dos que tomavam leite-de-onça, bebida preparada com cachaça e leite condensado. Tomei um leite-de-onça, andei perguntando alguma coisa e fiquei sabendo que o encontro era de dia. Na manhã seguinte, eu estava lá. Aí sim. Palestrantes, debatedores, moderadores. Muito escritor famoso, muita literatura. Nesse tempo, eu tinha uns continhos debaixo do braço. Tinha também vontade de mostrá-los a alguém que entendesse de literatura, mas sem oportunidade para isso.

Certo momento, no auditório, um homem pediu a palavra no meio de um debate e falou com tanta segurança e precisão, que pensei: “Quem será esse? Só pode ser escritor. E é com ele que vou falar.” Findo o debate, abordei-o. Antonio Olinto. Atendeu-me gentilmente e disse que podia dar uma lida em um texto meu, mas depois, porque Mário Quintana já o estava esperando, tinha que ir antes que ele sumisse. Ia lançar um livro à noite no Hotel Nacional e falou para que eu aparecesse por lá, que a gente conversaria. Fiquei animado. Antonio Olinto era um escritor muito conhecido e conceituado. Tanto que eu já havia escrito uma pequena biografia dele para o Correio do Vale. Mas não era sobre isso que eu queria falar. Fui ao lançamento com meus pequenos textos debaixo do braço. Uma fila tão grande e cheia de gente importante, que não tive coragem de entrar nela. Sabia que Antonio Olinto não teria a mínima condição de ler alguma coisa num momento daqueles. Fiquei por ali tomando vinho, tirando conversa com um e com outro, até que apareceu na roda Domingos Carvalho da Silva, meu conhecido dos tempos da UnB. Conversa vai, ele me disse que havia aqui a Associação Nacional de Escritores, que funcionava na 415 Sul, com reuniões nas noites de terças e sextas-feiras. Para que aparecesse por lá. Apareci e foi lá que conheci a ANE, seus escritores e mais um caminho da literatura.

Mas vamos ao encontro. Promovido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, que tinha como diretor-executivo Carlos Fernando Mathias de Souza, o encontro realizava-se anualmente. Mathias, arrojado homem de cultura, convidava os grandes vultos da literatura de todos os cantos do país. Assim, em 1978, estiveram aqui Antonio Olinto, Zora Seljan, Cyro dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens Filho, Antônio Carlos Vilaça, Mário Quintana, Oswaldino Marques, Luís Vilela, Henriqueta Lisboa, Carlos Nejar, Vianna Moog.

Em outros anos, o encontro se deu em lugares diversos: Instituto Nacional do Livro, Cine Brasília, Secretaria de Cultura, Centro de Convenções. Num desses, estavam José Cândido de Carvalho, Adonias Filho, Murilo Rubião, Mauro Mota, Fausto Cunha, Bernardo Élis. Noutro, pude ver Orígenes Lessa, Lêdo Ivo, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Aderbal Jurema, Elysio Condé. E presentes os daqui: Almeida Fischer, Herberto Sales, Domingos Carvalho da Silva, Pompeu de Sousa, Anderson Braga Horta, Alan Viggiano, Danilo Gomes, Branca Bakaj, Lina Tâmega, Gaudêncio de Carvalho, Nataniel Dantas e vários outros.

E o Encontro Nacional de Escritores acabou. Como é que pode? E como conseguiram acabar? Ouvi dizer que um dia, já com outra pessoa da direção da Fundação Cultural, resolveu-se entregar o evento a um grupo jovem. Uma turminha modernosa, alguns dos quais editavam suas obras no mimeógrafo e se diziam poetas marginais. E essa turminha – me contaram – fez tanta “porralouquice” que acabou dando fim ao encontro. Até mesmo subir de joelhos uma escada do Centro de Convenções, gritando: “Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus!” vezes e vezes repetidíssimas, quando o público não entendia que amor era esse nem que deus era esse. E muito menos entendia o que significava aquele gesto estranho de subir escada de joelhos... Os da turminha se diziam também promotores culturais e deviam achar que cultura era bagunça. Pois foi. Foi um tempo em que a cultura floresceu e, com as mudanças, começou a murchar, a secar, a acabar.

Depois a Fundação foi extinta. Mas isso não impede que o encontro volte a acontecer. Agora, passado tanto tempo, talvez seja a hora de a Secretaria de Cultura, num dos seus projetos de ativar movimentos culturais, incluir a volta do Encontro Nacional de Escritores.

Por Napoleão Valadares é da Academia de Letras do Brasil.