Outubro, 2021 - Edição 272
O patrimônio literário das Academias de Letras
Se tomamos o termo cultura no sentido de realização material, de
patrimônio palpável, entre as realizações do espírito aí consideradas,
há de se incluir a Literatura. Mas assim como a Música, a Literatura
pode reunir num só produto os dois sentidos nos quais se toma o termo
cultura: o de saberes de uma comunidade e o de produção artística sob
regras pré-definidas.
No sentido do imbricamento da cultura dita erudita com a popular, recordo sempre frase de Renato Pacheco, escritor capixaba falecido
em 2004: “eu vejo as diversas culturas como vasos comunicantes. Então,
o que está numa, permeia-se, passa para outra. E o básico é a cultura
popular [...] Então, acho que a gente deve ter sempre uma inspiração
no que o povo diz e tentar dar àquilo uma forma erudita.” A coisa fica
fácil de entender se lembramos que um Brahms, um Dvòrak, um BelaBartók, um Fernando Lopes Graça, impregnaram suas obras musicais,
compostas sob regras pré-definidas, da coloração local. Dos saberes
das comunidades onde recolheram o material que os inspirou. E não só
na música dita “erudita” se vê tal coisa, o que facilmente se constata se
lembramos, no campo da “popular”, de um músico como Alceu Valença.
Sendo incontestável que a Literatura é parte do patrimônio cultural de um grupo (seja no sentido de grupo nacional ou não), em que
medida a produção literária de um determinado local, numa determinada época, pode ser utilizada para entender a realidade específica
onde foi produzida? Em que medida refletirá os saberes daquela comunidade? Os debates acadêmicos a respeito se sucedem, dando margem
a muita discussão. O que importa é que, reunida a produção literária
num repositório acessível à pesquisa, estamos cuidando de preservação
de patrimônio. É esta, aliás, uma das funções das Academias, locais e
regionais, de Letras.
De fato, a reunião de autores nesta espécie de associações tem a
vantagem da formação de um acervo que, descontadas aí as qualidades
pessoais do acadêmico, representa um “espelho” da produção literária
no âmbito geográfico de atuação da casa. Conservando-a, impedimos
que se perca material que de outra maneira pouca chance teria de ser
lembrado e acessado. É certo que a admissão de candidatos a uma
Academia de Letras não se faz com esta preocupação específica, mas
até mesmo ao cuidar-se da memória institucional esse viés investigativo
pode e deve ser explorado.
Também por este motivo se põe a questão da diversidade. Se na
formação da Academia Brasileira, época de transição entre regimes de
governo, a preocupação era sobretudo com o viés político dos acadêmicos, nos tempos atuais a intenção é a de contemplar segmentos que
tradicionalmente tiveram pouca voz. É certo que essa preocupação com
a representatividade, que não é estranha às Academias, muitas vezes é
usada como recurso “eleitoral” de candidatos a uma cadeira, o que no
final das contas é legítimo.
Abstraídas essas questões, seria bom que as Academias de Letras
incentivassem o estudo do seu acervo, reservando espaço nas respectivas revistas e instituindo prêmios para pesquisadores. Dar a conhecer
ao público de onde se origina a produção de que são guardiãs é parte do
que se entende por papel social das Academias