Outubro, 2021 - Edição 272
O esquecido cronista André Carrazzoni
Quando, na remota adolescência e primeira mocidade, descobri os cronistas,
André Carrazzoni estava entre eles. Eles, quem? Humberto de Campos, Rubem Braga,
Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Elsie Lessa,
Otto Lara Resende, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Moacyr Andrade, Alberto
Deodato, Henrique Pongetti, Ivan Ângelo, Dinah Silveira de Queiroz, Félix Fernandes
Filho, Maluh de Ouro Preto, Vivaldo Coaracy, dentre outros.
Foi quando descobri um livro de André Carrazzoni, intitulado Poesia e Prosa do
Cotidiano, edição da José Olympio, 1957. Gostei das crônicas do autor, menos dos poemas, de dolente viés paranasiano, embora aprecie alguns poetas do Parnaso brasileiro,
como Bilac e Raimundo Correia.
No prefácio do mencionado livro, o poeta Cassiano Ricardo, amigo do cronista,
lembra que o gaúcho escrevia versos parnasianos na juventude, e abre o jogo, com sinceridade: “O jornalismo, que é um ótimo remédio pra curar parnasianismo, o obrigou a
despojar-se dessa exuberância verbal antes que a Semana da Arte Moderna o fizesse.”
Em seguida a essa leve cipoada de amigo sincero, o poeta modernista faz todos
os elogios ao cronista sul-rio-grandense.
O livro a que me refiro tem 245 páginas. É uma espécie de testamento literário do
autor, que deixou outras obras, inclusive duas biografias de seu amigo Getúlio Vargas, de
quem foi diligente assessor.
André Gonçalves Carrazzoni, jornalista político, homem de grande cultura
humanística, nasceu em Santana do Livramento, RS, em 15 de outubro de 1896. Morou
no Rio e São Paulo e depois em Brasília. Faleceu em 12 de outubro de 1982, segundo nos
informa Napoleão Valadares em seu Dicionário de Escritores de Brasília, 4ª edição, André
Quicé, Brasília, 2021.
Foi um cronista de méritos, pode-se dizer um excelente cronista. Suas crônicas
são carregadas de suave carga poética, direi mesmo lírica. São ótimas, seja quando
evoca o poeta Alceu Wamosy (que só viveu 28 anos), seja quando escreve sobre o Rio de
Janeiro e Salvador, seja, ainda, quando expressa sua admiração por Machado de Assis ou
por Paul Valéry, o poeta francês em voga.
A prosa de André Carrazzoni, volto a dizer, se reveste de intensa poeticidade,
como na crônica denominada “Sugestões verlainianas”.
O jornalista andou pelos Estados Unidos e Canadá, inspirações para páginas de
arguto observador.
Na crônica “Um panfletário”, ele comenta a morte de Léon Daudet, e começa
assim:
“Entre as notícias que nos vêm de Paris ou de Vichy, a última, que se resume em
meia dúzia de linhas, é sobre a morte de Léon Daudet. Com ele, certo se extingue um
dos raros sobreviventes daquela raça aristofanesca de panfletários que já floresceu sob o
céu de França. Amando a polêmica, porque era um instrumento de ação e de luta, Léon
Daudet soube transmitir a essa província do jornalismo todas as gamas da violência,
todos os furores da demolição, todos os venenos da irreverência. (…) Mas esse terrível
excitador de paixões coletivas, que se alistou sob a bandeira da restauração monárquica, talvez conduzido pela necessidade ingênita da contradita e do combate, conhecia
também todos os segredos das tintas do lirismo humano. Depois de semear ventos de
tempestades, o artista literário, rico de matizes e sutilezas, gostava de amansar a cólera
elementar com o arco-íris da fantasia e da imaginação.”
Em meio às agitações da política, esse admirador de Getúlio Vargas e de Borges
de Medeiros, de Winston Leonard Spencer Churchill e de D. Pedro II era leitor de
Verlaine e Mallarmé, de François Mauriac e do mencionado Paul Valéry.
Alma lírica, amava as florestas, as flores, a vida bucólica, virgiliana, os pássaros
e os ventos. Na crônica “Sob o signo de Lucrécio”, evoca um passeio campestre, começando assim:
“Um imprevisto lançou-me num passeio através do mais gigantesco e prodigioso parque de plantas vivas que já vi e que é simplesmente o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Não tendo ido ali para herborizar como Jean-Jacques Rousseau nos bosques do
Delfinado ou entre os vales da Suíça, confesso que acabo de regressar impregnado do
sentimento de uma total e reparadora comunhão com a natureza. Aos meus amigos,
que se debatem num dilúvio de boatos, nos cafés da Avenida ou nas poltronas do Jóquei
Clube, gostaria de aconselhar não a volta imediata à natureza, como filosofia de vida,
mas um banho refrescante naquele mar de folhagens verdes, para higiênico repouso da
imaginação. No seio da mata, à sombra das árvores carregadas de confidências dos favônios ou da revolta das ventanias, perto das montanhas lavadas de sol, oscilamos entre a
sensação de eternidade e a consciência da nossa transitoriedade.”
André Carrazzoni – informa Napoleão Valadares – morou em Brasília e aqui se
tornou membro da Associação Nacional de Escritores – ANE. Foi condecorado com a
Ordem do Cruzeiro do Sul, do governo brasileiro.
É sempre bom lembrar cronistas do passado, hoje bastante esquecidos, como
André Carrazzoni, Vivaldo Coaracy (Couves da minha horta), Eneida (Aruanda),
Frederico Branco (Postais paulistas), Lourenço Diaféria (O empinador de estrelas),
Clemente Luz (Invenção da cidade), autores de talento, cujas obras se incorporaram
para sempre à literatura brasileira – e algumas são hoje raridades bibliográficas, peças
gratas aos bibliófilos.