Outubro, 2021 - Edição 272
O Acariciar das mãos
Foi em um dia triste quando, tristemente, senti o peso das mãos duras de
um professor.
Era um escolher de crianças para algumas canções que encerrariam o ano
em uma escola pequena do interior. E eu queria ser escolhido. Sorri as horas que
separavam a hora da decisão. Arrumei o melhor de mim para ser visto e, talvez
por isso, exagerei quando ele pediu a voz.
Sem envelopar as palavras, depositou a pesada mão sobre o meu ombro e
explicou que o meu problema não era apenas cantar mal. Era cantar mal e alto.
Abaixei o volume do entusiasmo e me sentei embaixo de uma árvore que nos
escondia do calor dos dias de verão do fim do ano.
No silêncio do “não” recebido, esqueci que eu era criança e que crianças
são ensinadoras de prazeres cotidianos. Pensei em pedir para que devolvessem
meu sorriso. Desisti. Sozinho, pensava em meu pai. Eu havia dito a ele que cantaria na festa do fim de ano, e ele sorriu orgulhoso.
Na parte da aula depois do intervalo, intervalei nada as minhas tristezas.
Não culpo o professor. Faz tempo demais para julgamentos.
Andei da escola até minha casa. Meu pai me viu da loja e me chamou com
sorrisos. Leitor dos detalhes dos sentimentos, ele viu meu vazio. “Filho, venha
ficar comigo um pouco, preciso de você.” Foi dizendo e acariciando o meu rosto
com suas generosas mãos. Não me perguntou da dor, apenas me apresentou
novamente a alegria.
Olho as minhas mãos gastas de tempo e viajo em seus significados.
Quantas carícias fui capaz de oferecer? Quantas atenções desperdicei ao negar as
minhas mãos aos agachados das dores da vida?
Construí, com ela, caminhos. Coloquei tijolos sobre tijolos na argamassa
dos “sins” e dos “nãos”, das pontes e dos muros.
Acenei aliviando medos, mas, com ela, ameacei, quando, medroso, esqueci
pensamentos.
Escolhi dedo para apontar, demonstrando arrogâncias. Errei. Com elas,
pedi perdão, quando amadureci. Que beleza a arquitetura das mãos. As mãos do
pianista que antecipam o paraíso. As mãos do cirurgião que arrancam males, que
arrancam vidas. As mãos calejadas dos colhedores de esperança, aliviadas pela
alegria das mudanças de estação.
Meu pai me chamou para a horta. E, antes do jantar, apanhamos verdes.
E falamos da terra. Subindo a escada, ele emprestou sua mão para chegarmos
juntos. Com a outra, o que colhemos. Minha mãe limpava o feijão em uma mesa
iluminada pela sua alegria. Ao lado de Rosa, que trabalhava conosco e que, desde
sempre, nos enfeitou a vida. As mãos do meu pai e da minha mãe se encontraram
e os dizeres combinaram com os seus gestos.
Lavei as mãos, mas não o constrangimento do não recebido antes do jantar. E, então, minha mãe fez a pergunta que eu não gostaria sobre o coral. E só
perguntou de tanto que eu havia dito antes, tamanha era minha empolgação em
fazer parte. E eu pensei em mentir. E eu abaixei a cabeça e apartei as mãos de
raiva de mim por não ser cantor.
Meu pai entendeu e disse: “Melhor não participar esse ano, assim temos
mais tempo para plantar, você me ajuda com a horta, não é meu filho?” E o
assunto ganhou despreocupação. Meu pai piscou para mim e prosseguiu agradecendo as mãos de minha mãe, capazes de nos alimentar com tanto sabor.
Disse eu, depois, a ele do professor. Quis dizer alguns dias depois. Valorizou
nada a minha voz boa ou ruim. Disse não entender de canções, mas de sentimentos. E que ele me amava muito. Sem compreender muitas teorias, plantou em
mim a certeza de que o amor não exige perfeições.
Anos depois, minhas mãos foram as últimas a segurar a cabeça do meu pai.
Em um quarto de despedidas. Ele teve forças de sorrir para mim antes de plantar
gentilezas no outro lado dos mistérios.
Uso, hoje, as minhas mãos para escrever. Olho para elas e me lembro das
mãos grandes do meu pai. Ah, tempo indomável. Os dias jovens foram escapulindo das minhas mãos e me permitindo apenas segurar as lembranças.
Hoje, canto a canção da vida no tom que consigo, que compreendo ser
capaz de aliviar outras vidas das mãos pesadas dos que não prestam atenção na
dor alheia.