Outubro, 2021 - Edição 272

Entrevista Rosa Maria Araújo - A nova fase do arquivo do Rio

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Arnaldo Niskier: Rosa Maria Araújo é professora, historiadora, formada com doutorado em História, na Johns Hopkins University, e tem o título de mestre em História pela Universidade de Paris X-Nanterre. Formou-se licenciada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de JaneiroPUC e é diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Como vai o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, que você preside com muita competência?

Rosa Maria Araújo: Posso dizer que o Arquivo Geral do Rio de Janeiro está numa nova fase. Estamos com uma equipe competentíssima, todos jovens (só tem eu de coroa) e eles são de um entusiasmo revitalizante. O Arquivo saiu da seara da Secretaria de Cultura e foi para a Casa Civil, que agora se chama Secretaria de Governo e Integridade Pública, comandada pelo secretário Marcelo Calero. Ele está apostando que realmente o Arquivo vai fazer uma revolução tecnológica, de transparência e de abertura, trazendo o público para cá, os estudantes e todos os interessados da cidade. Funciona na Cidade Nova, pertinho da sede da Prefeitura, na Rua Amoroso Lima, nº 15, ao lado do prédio dos Correios Centrais da Presidente Vargas. É um prédio muito bonito de 5 andares, foi construído para ser arquivo, o que é raro no Brasil. Foi inaugurado em 1976, na gestão do Marcos Tamoyo, substituindo o antigo Arquivo Geral da Cidade, que ficava em São Cristóvão, que era do século XVII e não tinha mais como comportar documentos. Era quase um depósito. Então, esse prédio foi feito nos moldes, nos padrões modernos do século XX, vendo os arquivos da Espanha, os arquivos franceses e funciona muito bem. Temos refrigeração 24 horas, temos todas as condições de segurança sempre atualizadas, um bom espaço para os pesquisadores, para quem vem consultar as pérolas desse arquivo.

Arnaldo Niskier: E tem muito material raro dos quais os pesquisadores gostam muito?

Rosa Maria Araújo: Tem bastante material raro, inclusive tem um cofre onde você tem livro do século XVI, documentos do século XVII sobre a cidade, primeira sede da Corte, depois Distrito Federal. Há uma belíssima biblioteca sobre o Rio de Janeiro, documentos manuscritos e impressos e documentos que os arquivistas chamam de especiais, que são as fotografias, os filmes, as gravações em fita de áudio, coisas maravilhosas. Estão muito bem conservados. Minha antecessora era uma pessoa brilhante, historiadora também, e todos os outros que dirigiram o Arquivo da Cidade eram desses que acreditavam no Rio de Janeiro. Nos últimos anos, ele foi muito maltratado, a mudança da capital para Brasília deu ao Rio um novo papel e, nesse novo papel, ele está buscando um significado de cidade moderna, de cidade cosmopolita como ele é, mas com dignidade, com bons serviços, numa situação econômico-financeira melhor e, principalmente, com uma melhor situação social. Para isso, é preciso que os documentos da administração pública estejam todos bem conservados, o que vai ficar para sempre, o que o cidadão quer consultar, quer ver, quer conhecer. Criamos dois departamentos, um de promoção cultural e outro de gestão de documentos, porque o Arquivo tem obrigação de fazer a gestão pelo que fica para sempre, o que fica durante 50 anos de toda administração municipal. No entanto, isso estava muito parado, porque não tinha vista, a cidade não tinha dinheiro e a administração anterior não era uma administração que acreditava no Rio de Janeiro como essa prefeitura atual.

Arnaldo Niskier: Eduardo Paes é um carioca legítimo e é muito competente. Sou fã dele como gestor.

Rosa Maria Araújo: É verdade, ele é realmente uma pessoa que ama a cidade. Ele diz que não é trabalhar, é amar o Rio e passa isso para todos nós, para toda sua equipe. Então, temos, nesse departamento de gestão documental, três arquivistas e o chefe é um arquivista jovem, 30 anos, que é doutor em gestão em documentos municipais. Já imaginou o que é isso? Sabe tudo, como é que esses documentos devem ser gerenciados e estamos botando a casa em ordem.

Arnaldo Niskier: Não faltam recursos financeiros?

Rosa Maria Araújo: Falta mais recurso de pessoal. Não chegamos a 30 funcionários, dentre os que são e os que não são da Prefeitura, e precisávamos ser 100. Precisamos mais de recurso de pessoal até do que financeiro, porque o Arquivo não gasta muito, mas precisa também um pouco de recursos financeiros. Agora, por exemplo, para modernizar todo o lado de tecnologia da informação, internet. Temos andares que a internet não pega, temos Wi-fi, mas vamos ter todo apoio do secretário de Governo Marcelo Calero, do secretário do IPLAN, que é o que cuida de tecnologia da cidade, então acho que vamos chegar lá. Sobre a promoção cultural, abrimos esse departamento para poder divulgar a memória do Rio, o que você faz tão bem com seus trabalhos de educação, na sua posição na Academia Brasileira de Letras. Então, abrimos os Depoimentos Cariocas uma vez por mês, muito influenciado pelo que fiz no Museu da Imagem e do Som (Depoimentos para a Posteridade). Fazemos o depoimento sobre o Rio de Janeiro com um carioca que tenha produzido textos, filmes, livros, colunas de jornal, reportagens sobre o Rio de Janeiro. Está sendo um sucesso, começou com Zuenir Ventura, o segundo foi Roberto DaMatta e, semana que vem, é Nei Lopes, e por aí vamos.

Arnaldo Niskier: A sua experiência internacional passou por muitos lugares, inclusive Paris, John Hopkins, nos Estados Unidos. O que isso trouxe para o Rio de Janeiro? O que ela representou?

Rosa Maria Araújo: Acho que foi muito rica. Não devemos ficar fechados no nosso casulo. O Rio está dentro do Brasil e o Brasil dentro do Rio. Aprendi muito, morando em Paris, morando em Washington e depois viajando, conhecendo os arquivos das bibliotecas. Trabalhei na Biblioteca Histórica da cidade de Paris, que é o Arquivo Municipal de Paris. Isso me ajuda muito aqui no Arquivo da Cidade. Pude ter noção da importância do Rio de Janeiro como metrópole. O Rio é uma cidade cosmopolita, uma cidade que foi capital durante mais de 200 anos, e me especializei em história urbana, principalmente na América Latina. Então, foi muito bom ver como as outras cidades funcionavam e qual era sua história.

Arnaldo Niskier: Quando escreveu Sassaricando – E o Rio inventou a marchinha, o famoso musical que fez muito sucesso no Rio de Janeiro, você se inspirou na realidade do Rio de Janeiro?

Rosa Maria Araújo: Quis fazer história, mas fazer história com novos instrumentos, porque história, na concepção moderna, é feita por uma conjugação de fatores, quer dizer, uma conjugação de testemunhos, de documentos e as marchinhas de Carnaval são documentos que contam a história do Rio. Elas são crônicas musicadas que mostram, entre 1920/1970, como era a situação dos serviços urbanos, do transporte, da luz. Agora, com a crise hídrica e a elétrica, “de dia, falta água e, de noite, falta luz”. Isso tudo as marchinhas mostraram. Revelaram também como era a vida doméstica, o homem e a mulher no casamento, a família, a menina levada que tinha muitos namorados, o machismo, os preconceitos contra os quais estamos lutando até hoje. Então, as marchinhas davam um retrato do Rio de Janeiro, da evolução do Rio de Janeiro. Sugeri ao meu parceiro, o jornalista Sérgio Cabral, que fez tantas biografias importantes... Perguntei se ele não queria fazer comigo uma pesquisa sobre as marchinhas de Carnaval e ele topou na hora. Até pensava em fazer um documentário para a televisão ou uma série para os jovens conhecerem as marchinhas. O Sérgio disse: “Não, vamos fazer um musical, porque não há nada como a música ao vivo.” Escolhemos um elenco de primeira, uma bela orquestra, um ótimo maestro e botamos o “Sassaricando” no palco, dirigido pelo Cláudio Botelho, excelente diretor de musical, com a direção musical de Luís Filipe de Lima. Foram 10 anos de sucesso. Percorremos o Brasil, todas as capitais.

Arnaldo Niskier: Assisti mais de uma vez, tamanho o gosto pela atração, não resisti. Gostaria de que você falasse também sobre sua experiência no Museu da Imagem e do Som, um museu que, infelizmente, começou a obra lá em Copacabana, parou, e não sabemos quando vai continuar. Você tem alguma boa notícia sobre isso?

Rosa Maria Araújo: Tenho esperanças. Tenho sempre esperança de que a obra seja retomada, porque o Museu da Imagem e do Som foi um dos meus trabalhos mais queridos e mais importantes. Fui presidente do MIS durante 12 anos, cuidei de todo acervo, digitalizei tudo. Tem uma coleção preciosa, tem as partituras de Pixinguinha, os maestros da Rádio Nacional, tem coleções também muito boas. Fizemos, junto com a Fundação Roberto Marinho, um projeto de uma nova sede em Copacabana e é esse projeto, que ganhou um concurso de arquitetura, de arquitetos americanos, que está parado e que é uma pena. Não é só por falta de dinheiro, porque tem um financiamento do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, só faltam 75 milhões, faltavam, agora está tudo destruído, vai ter que cuidar mais da construção. Mas o importante é o que está lá dentro, o projeto está pronto, contamos ali a história da cultura do Rio, a memória da cidade, o Carnaval, a música, o choro, o samba, as artes plásticas, é um museu que vai ser um sucesso monumental. Essa obra tem que ser retomada. Espero que o governo do Estado cuide disso agora antes que aquele prédio acabe. E a nossa vergonha? O que a gente diz para os arquitetos que ganharam o concurso? Eles nunca tinham vindo à América do Sul, eles não acreditam. Eles choram vendo nosso prédio deteriorado. É muito importante, tenho esperança de que vamos retomar aquela obra e vamos inaugurar a nova sede do Museu da Imagem e do Som.

Arnaldo Niskier: Tudo isso que você falou certamente calará fundo no espírito dos nossos telespectadores espalhados pelo Brasil todo.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura