Setembro, 2021 - Edição 271
Pobre Vasco
Não, não estou me referindo ao time de futebol, nem ao ex-prefeito de Vila Velha, mas, sim, ao
primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo,
Vasco Fernandes Coutinho, hoje, nome de colégio,
em Vila Velha, e o que mais?
Há, no Espírito Santo, além de Vila Velha,
cidade, bairro, rua, hospital, biblioteca, comenda, com o nome do “Pai do Povo Capixaba”? Sei
que Domingos Martins, Maria Ortiz, Anchieta,
Jerônimo Monteiro, Afonso Cláudio, Rubem Braga,
Augusto Ruschi são nomes bem lembrados, mas
e o Vasco Coutinho, o que fizeram com ele? Uma
grande injustiça, que redundou em esquecimento
coletivo, fruto de difamações e inverdades históricas. Por quê?
Ao contrário da maioria dos donatários,
Vasco Coutinho manteve a posse e autonomia de
sua Capitania, que se tornou Província e Estado
com o mesmo nome, Espírito Santo. S. Tomé, Porto
Seguro, Ilhéus, Itamaracá, Sant’Ana, S. Vicente e
outras desapareceram ou se tornaram, apenas, cidades. A família dos Coutinho manteve
a Capitania do Espírito Santo em seu poder de l535 a l675, por 140 anos. O último da
família, Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, rico e letrado, foi governador de
Pernambuco e governador-geral do Brasil, vendeu a capitania por 40.000 cruzados, uma
fortuna na época. Vasco Coutinho não morreu pobre, “sem um lençol que o cobrisse”, em Portugal, mas em sua Capitania, o seu “Vilão farto”, que deixou para seu filho de
mesmo nome. Seus ossos estavam numa arca na Santa Casa de Misericórdia, em 1682,
conforme Mário Freire, em A Capitania do Espírito Santo, belíssima reedição organizada por Fernando Achiamé e Reinaldo Santos Neves, publicada pela Lei Rubem Braga,
recentemente.
Excomungado pelo bispo Sardinha, em l553, em Olinda, por seu hábito de “beber
fumo”, Vasco Coutinho se defendeu dizendo que “nessa terra o fumo cura os homens e
as alimárias de muitas doenças”. O próprio superior dos jesuítas, Manuel da Nóbrega,
em carta escrita em 1549, afirmou: “Todas as comidas desta terra são difíceis de desgastar, mas Deus remediou a isso por uma erva cujo fumo ajuda a digestão e a outros
males corporais, pois purga a fleuma do estômago” (Bueno, p. 207-8). Nem Vasco nem
Sardinha nem Nóbrega estavam todos errados quanto ao fumo, a prática mostrou.
Enfim, passa da hora de reabilitar o nome de Vasco F. Coutinho e de lhe fazer
justiça. Não foi um vilão, nem um fracassado, mas um herói de seu tempo, corajoso,
guerreiro, conciliador, que fundou uma capitania abençoada pelo nome de Espírito
Santo, hoje, o nosso belo, diverso, mestiço, plural Estado do Espírito Santo. Vitória, nossa
capital, consagrada a S. Maurício e a Nossa Senhora, nunca foi tomada por franceses,
ingleses e holandeses, pela coragem de sua população constituída de mulheres como
Maria Ortiz, índios como Arariboia, negros e caboclos, cafuzos e mamelucos, nossos
antepassados. Quando o Rio foi tomado pelos franceses, em 1565, quem a socorreu
foram os capixabas. As minas de ouro e diamantes surgiram na capitania do Espírito
Santo. Humildemente, empobrecemos, para que surgisse Minas Gerais e suas igrejas
barrocas, nossa irmã mais nova. Aqui, nasceu a literatura em terras brasileiras, nos
poemas e teatros, bem como a educação jesuítica, além da música, com Francisco de
Vacas, o primeiro músico profissional em terras brasílicas. O Espírito Santo continua
injustiçado pelas verbas de Brasília, pelo desconhecimento do resto do país e pelas
inverdades históricas. Está passando da hora de mudar esse disco e de fazer justiça a
quem de direito