Setembro, 2021 - Edição 271
Amazon acusa remix literário de plágio e censura livro de Messias Botnaro
Em agosto de 2021, a Amazon proibiu a comercialização do livro Tuítes Póstumos
de um Herói Nacional, de Messias Botnaro, que constava nas listas de mais vendidos na
categoria literatura e política. A empresa nega que tenha promovido qualquer tipo de
censura e justifica que o texto viola os direitos autorais de terceiros.
Como reação, Botnaro publicou Tuítes Póstumos de um Herói nacional Censurado:
censored (English Edition), ainda disponível na loja da Amazon. O novo livro-manifesto
consiste em dezenas de páginas pretas, sem conteúdo, antecedidas pela frase “em nome
da liberdade de criação artística” e por um print do e-mail em língua inglesa enviado
pela Kindle Direct Publishing, informando sobre a exclusão e proibição do livro acusado
de plágio.
O episódio, que deveria ser manchete em todos os jornais e objeto de estudo de
caso em cursos de Direito e Letras, até agora só foi noticiado nas redes sociais do próprio Messias Botnaro, avatar de sujeito-autor que preserva o anonimato e se apresenta
ironicamente como defunto autor e primeiro escritor brasileiro a morrer de Covid-19.
Lançado em 31 de março de 2020, o livro digital Tuítes Póstumos de um Herói
Nacional foi publicado pela fictícia editora Alliance for Brazil Press. A narrativa, composta por três capítulos com 38 tuítes de 280 caracteres cada, copia os discursos do
Presidente da República, dos três filhos políticos, dos ministros e de outras personalidades alinhadas ao bolsonarismo, como Olavo de Carvalho. Portanto, o livro realmente
poderia ser considerado plágio (numa perspectiva de senso comum).
Na teoria literária contemporânea, o que a Amazon considera plágio recebe
classificações como escrita não original, literatura remix ou literatura por apropriação,
práticas estudadas por Leonardo Villa-Forte no livro Escrever sem Escrever (2019). O
crítico indaga que autor é esse que produz um objeto textual sem exatamente chegar a
escrever? Assim como o DJ enxerga a música como um dado a ser manipulado e alterado, Messias Botnaro e outros escritores contemporâneos imersos na cultura digital
veem textos como peças de arquivo que podem ser selecionadas e rearranjadas em
gestos de seleção e edição.
O livro Tuítes Póstumos de um Herói
Nacional, inscrito na categoria romance do
Prêmio Oceanos, na verdade é incompatível com
os gêneros literários conhecidos: não é conto,
romance ou ensaio. Os tuítes não têm um enredo
sequencial estendido do início ao fim. Cada capítulo se mostra desligado um do outro,
além de deterem estilos distintos em cada tuíte – descritivos, oníricos, especulativos,
narrativos, chulos, eruditos. A obra contempla, ao mesmo tempo, várias e nenhuma
narrativa, satirizando a retórica do ódio.
Em fevereiro de 2021, Messias Botnaro lançou, em coautoria com Joanim
Pepperoni (outro autor-avatar que oculta o ortônimo), um manifesto a favor do plágio
e da cópia. No Manifesto Copista, Pepperoni e Botnaro incorporam em perspectiva satírica a lógica de pós-produzir, remixar, rearranjar textos ou outros objetos já existentes:
“Copiar. Só nos interessa o que não é nosso”, afirmam na plaquete digital publicada pela
editora fictícia Prensa de Torresmos Cantina do Frei.
O Manifesto Copista, de Pepperoni e Botnaro, ao promover uma irônica apologia
do Ctrl+C e Ctrl+V, se insere satiricamente em tendências contemporâneas como cultura copyleft, cultura do remix, movimento open source, escrita não criativa, literatura
sampler e poética da citacionalidade, questionando permanentemente o gesto da escrita original.
A censura a um livro que, seguindo tendências recentes da literatura e da teoria
literária, explicitamente satiriza e viola a Lei nº 9.610 e o artigo 184 do Código Penal, que
regulam e protegem os direitos autorais, merece amplo debate público entre jornalistas,
juristas, professores e leitores.
O livro que a Amazon retirou do ar permanece disponível para download livre no
blog de Botnaro e integra o volume impresso Minha Luta: obra reunida, publicado pela
Cousa em dezembro de 2020.